Durante o último período em que Portugal esteve sobre assistência financeira, a que denominamos, genericamente de “troika”, foram exigidos aos portugueses inúmeros e pesadíssimos sacrifícios, pelo Governo PSD/CDS, que “herdou” essa enorme responsabilidade do Governo que o antecedeu, do PS.

Temporariamente, viveram-se tempos de grande contenção e de redução da dita “despesa pública”, nomeadamente através de cortes nos salários dos funcionários públicos, de redução do número de trabalhadores do Estado, etc. Aparentemente, o plano resultou. E muito (mas não tudo) do que foi “cortado”, foi sendo, paulatinamente, reposto nestes últimos anos. O futuro dirá se o País produz o suficiente para aguentar esse nível de despesismo do Estado, e por quanto tempo, uma vez que tal só se consegue, conforme tem ficado evidente, por cargas elevad(issim)as de impostos a empresas e a particulares.

Mas o futuro está (queremos, talvez ingenuamente, acreditar) longínquo, pelo que debrucemo-nos sobre o presente e o que ficou desse passado recente.

Ficaram, por exemplo, os cortes nos números de elementos dos Conselhos de Administração (ou Conselhos Diretivos, como alguns são denominados) de diversas Entidades da Administração Pública. Desses, parece particularmente importante olhar para a “aberração” que foi decretada, e que permanece até aos dias de hoje, da redução de alguns Conselhos de Administração de algumas entidades da Administração Direta ou Indireta do Estado, para apenas dois elementos, como os casos do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), o Instituto Português do Sangue e da Transplantação e o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), só na área da Saúde.

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Isto significa que, nestes casos, se perdeu a lógica de funcionamento destes órgãos da Administração Pública sobre a forma de “Órgãos Colegiais”, conforme previsto (e bem) no Código do Procedimento Administrativo, e que pressupunha uma possibilidade de discordâncias, de opiniões diferentes e de decisões obtidas por maioria.

Em vez disso, há agora um presidente, que mantém o denominado “voto de qualidade” – em caso de empate, o seu voto prevalece – e um vogal, que vota, meramente por atitude desportista, uma vez que o seu voto não tem qualquer interesse prático: ou concorda com o voto do presidente e a decisão é tomada ou não concorda e a vontade do presidente prevalece. Portanto, na prática, o resultado depende apenas do sentido de voto do presidente, sendo o ato de votar de um destes vogais um ato inútil. De gestão e administrativo.  Perdeu-se a lógica colegial, democrática, de riqueza da divergência e da discussão de opiniões e de visões distintas para se instituir (e manter) um regime absolutamente autocrático, disfarçado de Conselho de Administração, onde a figura de um destes vogais é meramente decorativa e apenas a decisão do presidente é vinculativa.

Para além do absurdo desta situação, criou-se ainda a impossibilidade de haver reuniões periódicas desse órgão máximo das instituições em período de férias, ou impedimentos de algum dos dois intervenientes, uma vez que um Conselho tem, por definição, mais do que um elemento presente e nenhum se poderá fazer substituir pelo único restante. Na prática isto tem obrigado alguns dos elementos dos Conselhos de Administração destas instituições a interromperem, sistematicamente, o seu período de férias, para realizarem a reunião semanal do Conselho de Administração, sob pena de decisões importante não poderem ficar “penduradas”. Outra aberração e quiçá ilegalidade.

Em qualquer situação prevista nos denominados “casos de impedimento” (por exemplo situações em que “nele tenha interesse o seu cônjuge, algum parente ou afim em linha reta ou até ao 2º grau da linha colateral”; ou “quando se trate de recurso de decisão proferida por si, ou com a sua intervenção”; etc.) o Conselho de Administração fica impossibilitado de analisar ou decidir, porque, por impedimento de um, o outro fica “isolado” e, sozinho, não é (nem poderia ser) um Conselho de Administração.

Finalmente, é agora exigido a dois elementos, para as mesmas tarefas e responsabilidades, no mesmo período de tempo, aquilo que outrora era realizado por três.

E, na verdade, para quê? Que impacto significativo real teve esta redução, mutiladora de princípios de gestão e de operação das instituições, nas contas do Estado? Não haverá desperdícios mais gritantes?

Não será o autocratismo assim declarado, mesmo que “camuflado”, um caminho perigoso da gestão das instituições da Administração Pública?

Ficaram resquícios dolorosos da “troika”. E, porventura, ficou exatamente aquilo que deveria, mais rapidamente, ser mudado.