Os cenários que pareciam impossíveis tornam-se prováveis à medida que o tempo passa. As maiores economia do mundo foram (e não se sabe se não voltarão a ser) abaladas – é o caso da China e do Japão – e as outras como os Estados Unidos, Alemanha, França, Itália e Reino Unido vão encerrando a actividade económica à medida que assistem ao disparo do número de pessoas contaminadas pela pandemia Covid-19. A política económica possível neste momento é minorar os danos, para que a recuperação se possa fazer rapidamente quando se regressar ao normal. Não será fácil, tudo depende da duração do estádio em que estamos, em que a ciência não tem, para já, outra resposta que não seja isolem-se.

Para já medidas que António Costa tem anunciado, em linha com as de outros países, são as possíveis e adequadas para esta fase que estamos a viver e ajustadas ao rendimento que o país tem. (O Estado podia ter mais, mas não foram essas as escolhas que fizemos). É preciso, neste momento, e seguindo a mensagem do primeiro-ministro, além de dar ao sector da Saúde todos os meios, garantir que o vírus não destrói estruturalmente a economia. Ou, pelo menos, reduzir ao mínimo as falências e o desemprego, assim como a redução dos rendimentos, num país que tem, estimativas por baixo, 14% do PIB e 10% do emprego dependente do turismo. Mas num país também que ainda se debate com um endividamento muito elevado, público e privado. Temos de ter as estruturas minimamente intactas para lançar a recuperação ou ela levará muito mais tempo.

Mas não nos iludamos quanto à activação da cláusula de excepção do Pacto de Estabilidade, anunciada pela presidente da Comissão Europeia. Como se pode ler aqui, os países são dispensados de cumprir a trajectória de redução do défice, desde que tal não coloque em risco a sustentabilidade das contas públicas a longo prazo. Claro que estamos numa situação muito diferente da crise das dívidas soberanas, que atingiram os países mais pobres da Europa. A pandemia atinge os ricos também. E, por isso, podemos criar a expectativa de maior flexibilidade, podendo o BCE fazer um papel ainda mais activo de destruição das dívidas públicas. São tudo hipóteses. Vale mais não arriscar, para que no regresso ao normal tenhamos recursos para relançar a economia, em vez de nos debatermos com falta de financiamento externo, como aconteceu em 2010/11.

Por essa razão, apoiar a actividade económica com linhas de crédito, com garantia do Estado, é uma solução sensata. Claro que o ideal seria compensar parcialmente as empresas com dinheiro, directamente, pela perda de facturação. O “custo” da defesa da saúde pública deveria recair no Estado, nos resultados das empresas e nos salários dos trabalhadores, já que todos retiram benefícios com a decisão de encerramento. Mas, como diz o primeiro-ministro, não somos um país rico. E quando chegar a altura de as empresas pagarem os empréstimos se verá, como deu a entender o ministro de Estado e da Economia na entrevista à RTP. E nessa altura pode ser que o Estado possa assumir essa despesa.

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Neste momento, os poucos recursos do Orçamento têm de ser orientados, como o Governo se espera que esteja a fazer, para a Saúde e, como anunciou, para garantir o rendimento das pessoas. Nomeadamente em sectores afectados pelo encerramento da actividade, como acontece com as medidas excepcionais de “lay-off”, em que a Segurança Social garante 70% e o empregador 30% de dois terços do salário bruto até ao máximo de 1905 euros. Ou para medidas como a prorrogação dos subsídios de desemprego, anunciadas pelo primeiro-ministro, ou ainda para a redução das contribuições.

Em termos gerais, as medidas anunciadas pelo Governo são as necessárias para esta fase em que é preciso dar à Saúde tudo o que precisa e às pessoas garantir que têm dinheiro para viver e que as suas empresas e o seu trabalho está lá quando se vencer a guerra.

Aquilo que nos espera, como aliás o primeiro-ministro realisticamente já alertou, é muitíssimo duro. Nenhuma das crises que vivemos até agora deverá ter semelhanças com esta. Mesmo as comparações que se fazem entre este SARS- Cov-2 (Sindrome Respiraória Aguda Grave) e o SARS-Cov de 2002, que se iniciou igualmente na China, acabaram por se revelar optimistas. Actualmente a China é a segunda maior economia num mundo que, por estar mais interconectado, afectou os países ocidentais como não se viu na altura – além, obviamente, das características específicas do Covid-19.

Ainda não existem indicadores, que permitam fazer projecções. As instituições internacionais não querem arriscar, apenas vão transmitindo mensagens que alertam para os tempos difíceis que vamos enfrentar.

A crise em V, uma quebra de produção temporária com uma rápida recuperação, parece cada vez mais uma miragem. A expectativa menos má, agora, é que seja uma crise em U, com uma quebra de produção mais longa e uma recuperação menos rápida. O maior pesadelo é a crise em L, com o regresso ao normal em níveis de produção mais baixos, com uma retoma muito lenta na sequência de uma elevada destrução de capital físico e humano.

Como tem vido a ser dito, estamos perante um choque simultâneo do lado da procura e da oferta. A redução da procura está, nesta fase, basicamente associada à obrigação de ficar em casa, mas se a duração deste confinamento for muito longa assistiremos a uma segunda onda de efeitos, determinada pela quebra de rendimentos que o desemprego e as falências vão gerar. A quebra da oferta, na sua primeira onda, é provocada pelo encerramento das empresas e pela ruptura dos canais de distribuição mundiais. Passada a pandemia, a recuperação da produção tem condições para ser mais rápida na indústria, se tiver conseguido manter os seus clientes. Nos serviços cuja produção depende da procura, como toda a linha associada ao lazer e turismo, a retoma pode ser bastante lenta, como aliás se está a verificar na China. E é aqui que Portugal pode ser um dos países mais violentamente afectado por esta crise, dado o peso que o turismo tem, quer no PIB como no emprego.

A variável critica é aqui a duração da pandemia, designadamente quanto tempo vai ser necessário o recolhimento. Espanha estendeu o estado de emergência até dia 11 de Abril (deveria terminar a 29 de Março). António Costa já nos preparou, na sexta-feira, para a possibilidade de enfrentarmos exactamente o mesmo cenário. A reavaliação do encerramento das escolas está agendado para 9 de Abril e o estado de emergência, conforme decretado pelo Presidente acaba, teoricamente, a 2 de Abril. Pelas palavras de António Costa é melhor estarmos preparados para ficar em recolhimento, pelo menos, até Maio. E esse seria um cenário positivo, porque podemos estar perante um resto do ano sem regressar à normalidade.

Quantas empresas vão aguentar esta situação? Mesmo no cenário mais positivo de encerramento até finais de Maio? Se o Estado tivesse mais dinheiro, talvez mais empresas se salvassem. Mas com os recursos que temos, há muitos negócios viáveis que não vão aguentar. Até porque, mesmo terminando o estado de emergência, mesmo que tudo regresse ao normal em Junho, reconquistar turistas para o Verão é uma tarefa hercúlea.

Vamos viver um pesadelo económico. Temos de estar preparados para o pior.