1 Achei muitíssimo bem que o Papa Francisco tenha enfatizado, mais do que uma vez, durante as Jornadas Mundiais da Juventude, em Lisboa, a primeira parte da bem conhecida parábola do banquete, que é um dos icónicos resumos do anúncio cristão: a parte em que se conta acerca do convite cristão dirigido a todos, todos, todos. Mas tive pena que não tivesse encontrado tempo para também acentuar a parte final dessa mesma parábola. É certo que durante a sua viagem de regresso a Roma ainda apontou para essa parte final, ao responder a perguntas dos jornalistas sobre o estatuto de certas posições pessoais dentro da Igreja, tendo nessa altura expressamente dito que dentro da Igreja «há regras». Mas uma vez mais sem tempo para expor sobre este ponto das «regras».

A benefício dos que eventualmente a não conheçam, e possam estar interessados, aqui resumo eu a referida parábola evangélica do banquete, num relato meu pessoal (note-se bem), mas creio fiel, que aproveita da versão do Evangelho segundo S. Mateus (Mt 22) na erudita tradução de Frederico Lourenço do original grego, a quem peço licença.

Assim contou então Jesus Cristo esta parábola. O reino dos Céus é semelhante a um Rei que providenciou um banquete nupcial para o seu filho, e mandou os servos chamar os convidados para as bodas. Porém, eles não quiseram vir. Mandou então outros servos, insistindo no convite: “vinde às bodas, tudo está preparado”. Mas os convidados não se importaram. E foram cada um para o seu campo e o seu negócio. Alguns, agarrando nos servos, maltrataram-nos e mataram-nos. O Rei ficou furioso e mandou as suas tropas destruir aqueles assassinos e as suas cidades. E disse depois aos servos: “o banquete nupcial está pronto, mas os convidados não foram dignos; ide agora por todos os caminhos e convidai todos os que encontrardes para o banquete nupcial”. Os servos partiram e reuniram todos quantos encontraram, bons e maus. Então a boda encheu-se de convidados. Ora depois, quando o Rei entrou para ver os convidados, viu ali um deles que não tinha vestido o traje próprio das bodas. E disse-lhe: “amigo, como é que entraste aqui sem teres vestido o fato próprio das bodas?” A esta pergunta, o homem não deu resposta nenhuma. Então o rei disse aos criados de servir: “atai-lhe os pés e as mãos e lançai-o na escuridão exterior, onde há choro e ranger de dentes. É que muitos são chamados, mas poucos serão escolhidos”.

2 A propósito desta conclusão, sobre os que são «escolhidos», permito-me acrescentar que a doutrina da Igreja Católica interpreta esta escolha como sendo escolha segundo a Justiça, isto é, a escolha pelo merecimento, dado que o Rei/Deus é justo. Assim, dizer «os escolhidos» quer dizer os «merecidos», ou «merecedores».

Já no Antigo Testamento se diz que Deus não faz acepção de pessoas (Crónicas, 19,7). No Novo Testamento, sobre o juízo de Deus, como juízo segundo a Justiça, ainda que assente na misericórdia, não há dúvidas. Veja-se, por exemplo, a doutrina bem claramente exposta em três parábolas, na das dez virgens, na dos talentos e na do juízo final, que se podem ler juntas no Evangelho de Mateus, capítulo 25, que está expressamente dedicado a dizer como será o reino de Deus.

Também na Carta de S. Paulo aos Romanos (3,23) está dito que a justiça de Deus, mediante a fé em Jesus Cristo, não tem distinção para todos os crentes. E na bela Carta de S. Tiago, dirigida «às doze tribos da Dispersão», este apóstolo diz frontalmente aos destinatários: «Se fazeis acepção de pessoas, cometeis um pecado e sereis condenados como transgressores» (Tg 2,9).

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