1 Já dizia Aristóteles que o homem é um animal social que não consegue atingir a plenitude das suas capacidades sem a vida em comunidade. Foi essa necessidade de interação — seja de união, seja de concorrência — que esteve na origem das aldeias, das vilas, das cidades e dos países que foram sendo construídos ao longo dos anos. O homem sem outros homens não é nada nem ninguém.

É nesta verdade com mais de dois mil anos, que foi recordada este sábado pelo historiador Simon Schama num ensaio sobre as memórias de outras pandemias publicado no Financial Times, que temos de pensar para a chamada fase 2 de combate à pandemia —  a fase de reabertura da economia.

Todos compreenderam o discurso cauteloso do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e do Governo para o período da Páscoa — o que mesmo assim não evitou exageros. Tal como foi justificado o anúncio antecipado da renovação do Estado de Emergência até 1 de maio para manter o foco da população e evitar o relaxamento no cumprimento das regras que permitiram atingir nos últimos 14 dias uma taxa média de crescimento de casos positivos na ordem dos 7% — valor que baixou para cerca de 5% nos últimos sete dias. E até podemos esperar um aumento dos valores dessas taxas médias a seguir à Páscoa devido a exageros aqui e ali.

Contudo, e desde que seja possível continuar a ter uma redução sustentada do número de casos diários até ao final do mês de abril, há condições para reabrir a economia na primeira quinzena de maio.

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2Por um lado, este primeiro surto aparenta estar controlado a sul — com destaque para a região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) —, sendo a zona norte a mais problemática com o triplo dos mortos e mais do que o dobro do número de infetados da zona de LVT mas mesmo assim nada que esteja descontrolado. Por outro lado, cumpriremos dois meses a 2 de maio desde que foram detetados os primeiros casos de infeção, sendo esse intervalo temporal uma referência possível para a reabertura da economia.

E, finalmente, porque depois da crise sanitária estar sob controle é fundamental voltar ao trabalho para atenuarmos o mais possível os efeitos económicos muito negativos de termos sido obrigados a fechar o país temporariamente. Esses efeitos terão uma primeira amostra na segunda quinzena de abril com a disponibilização dos números do desemprego e da atividade económica no mês anterior mas os seus duros efeitos só serão claramente percetíveis a partir de junho.

Por isso, é fundamental começar a lutar o mais cedo possível contra a crise económica que se antevê. Não há nenhum país, nem nenhuma empresa, que tenha capacidade financeira para suportar os custos de ter uma população fechada em casa. Tal como diversos economistas afirmaram, o Produto Interno Bruto de cada país poderá perder quase três pontos percentuais por cada mês parado. No caso de Portugal estamos a falar de uma perda de cerca de 12,6 mil milhões de euros pelos dois meses em lockdown que o país cumprirá em maio. Se as condições sanitárias permitirem, temos de repor esse valor o mais depressa possível.

3Há duas coisas certas: os grupos de riscos (idosos acima dos 70 anos e doentes crónicos com patologias associadas) terão de continuar em casa e a reabertura da economia não será um regresso à normalidade mas sim a construção gradual e progressiva de uma nova normalidade provisória.

Aliás, o plano do Governo para a reabertura do setor da educação demonstrou isso mesmo. Nem todas as escolas abriram, como nem todas as industrias e serviços reabrirão ao mesmo tempo. Por outro lado, essa nova realidade só desaparecerá se se conseguir encontrar terapêuticas eficazes contra a covid-19, uma taxa de imunidade da população que atinja os 60% (o valor de referência para a imunidade de grupo) ou a distribuição de uma vacina por toda a população — o que, neste último caso só será possível em 2021.

Essa nova normalidade significa, em primeiro lugar, que as máscaras e as luvas vão passar a fazer parte da nossa indumentária quando sairmos de casa mas também que os hábitos de distanciamento social e de higiene pessoal continuarão a ser uma regra fundamental.

Por outro lado, as restrições do número de pessoas aplicadas aos supermercados e restaurantes antes e durante do Estado de Emergência serão agora alargados a todo o tipo de lojas e serviços que sejam autorizadas a abrir. Isto é, será estabelecido um limite máximo de pessoas que poderá entrar em determinado espaço.

Basta ver os exemplos seguidos noutros países para perceber como será possível uma reabertura:

  • Áustria — as lojas com menos de 400 m2 vão reabrir esta semana com limitação máxima de pessoas por m2. Seguir-se-ão no início de maio os centros comerciais e os hóteis e restaurantes um pouco mais tarde.
  • Noruega — serviços como cabeleireiros ou dentistas apenas poderão atender um cliente de cada vez;
  • Dinamarca — reabertura de creches e de aulas do 1.º ao 5.º ano (um ponto que foi excluído por António Costa do plano do Governo para a reabertura dos setor da educação)

No Reino Unido — um país que está longe da reabertura por ainda estar na fase exponencial do crescimento da doença com 84.279 casos positivos e 10.612 mortos — já existem igualmente planos para a reabertura da economia que podem ser resumidas em três hipóteses, segundo o Financial Times:

  • Uma reabertura a concretizar-se por faixa etária, o que significa que as escolas poderiam ser reabertas e a faixa etária entre os 20 e os 30 anos poderia regressar ao trabalho;
  • Uma reabertura por setores, abrindo primeiro os pequenos negócios e, de seguida, as grandes lojas de serviços e os grandes industrias;
  • E, a última hipótese, passa por uma reabertura por área geográfica. Seriam reabertos as industrias e serviços do norte, ficando o centro e o sul à espera da sua vez.

Todas estas hipóteses merecem ser estudadas pelo Governo de António Costa — o que já deve estar certamente a acontecer —, assim como as que foram anunciadas este domingo por Pedro Sanchéz em Espanha e as que deverão ser apresentadas pela Itália nos próximos dias.

4 Tal como aconteceu com a implementação do Estado de Emergência, já surgiram ecos de uma discordância clara entre o Presidente da República e António Costa. Se antes Marcelo queria partir o mais rapidamente possível para o Estado de Emergência e o primeiro-ministro resistia em nome da economia, agora parece ser o contrário: o Chefe de Estado anunciou via Expresso que não tenciona renovar a declaração de emergência — 24 horas depois do Público ter noticiado que Costa desejava este regime de exceção até 15 de maio.

É importante não esquecer que António Costa demorou 10 dias a fechar as escolas após a confirmação dos primeiros infetados, só tendo a emergência entrado em vigor no dia 22 de março, agora não pode cair na contradição de prejudicar o que antes queria proteger (a economia), prolongando de forma desnecessária o Estado de Emergência.

Não tenho dúvidas igualmente que, tal como aconteceu desde o início desta pandemia, as empresas vão andar à frente do Estado. Já estão, inclusive, a fazê-lo: comprando material de proteção individual para proteger os seus trabalhadores e tentando criar planos de contingência que lhes permita dividir os trabalhadores por grupos dinâmicos que estarão em teletrabalho e outros que estarão no escritório.

Além disso, será necessário um investimento crescente em testes para a covid-19 e para a imunidade para que as empresas possam detetar e delimitar eventuais focos de contágio. Outras medidas se seguirão porque é do interesse da economia — e de todos nós — que quanto mais cedo começarmos a construir a nossa nova normalidade, mais rápido chegaremos ao objetivo final de controlar a pandemia. Tudo com o menor prejuízo possível para o nosso modo de vida.