Pode parecer paradoxal, mas o facto é que não foram os soviéticos que ganharam com o golpe de Estado bolchevique de 1917, mas sim os europeus, cujas camadas trabalhadoras foram extremamente beneficiadas com o sistema da “Europa social”, de forma particular após a Segunda Guerra Mundial.

Não vou repetir os “êxitos do socialismo soviético” apregoados pelos seus apologistas, mas vale a pena concentrarmo-nos em alguns deles para compreender a sua dimensão.

É verdade que o regime saído da revolução acabou com o analfabetismo na URSS, o que constitui um factor importante para o desenvolvimento de qualquer país. Mas é de salientar que esse passo foi fortemente travado e, muitas vezes até neutralizado, por uma feroz censura. Os soviéticos estavam proibidos de ler livros de milhares de autores nacionais e estrangeiros, de ver filmes de realizadores mundialmente reconhecidos e até de esquerda, como é o caso de Fellini ou de outros, bem como de ouvir música de bandas ocidentais anti-capitalistas como os “Pink Floyd”.

A literacia total permitia, para aqueles que não se arriscassem a procurar clandestinamente obras proibidas, o que era condenado com pesadas penas de prisão, apenas ter acesso a uma cultura filtrada e truncada. Os habitantes do país do mundo que mais lia (e escrevo isto sem qualquer ironia) não deixavam passar aquilo que a censura deixava escapar, mas dispensavam a farta propaganda escrita e publicada pelo regime comunista.

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Aqui, é de salientar que a censura salazarista era constituída por “meninos do coro” se comparada com a sua congénere soviética, e não estou a falar da era estalinista, mas de períodos posteriores.

Também são inegáveis os êxitos científicos dos soviéticos. Não é por acaso que o Avante, órgão oficial do Comité central do Partido Comunista Português, apresenta até à exaustão o lançamento do primeiro satélite artificial da Terra, o “Sputnik”, e a primeira viagem espacial de um ser humano, a de Iúri Gagarin, como provas irrefutáveis da supremacia do socialismo na disputa com o capitalismo.

Mas, como é sabido, essa grande capacidade científica soviética não impediu a derrocada do regime comunista na URSS e nos países vizinhos. A razão desta derrota é simples: a ciência estava virada para a guerra, para a hegemonia mundial, concentrada na corrida aos armamentos, sendo atiradas para segundo plano as necessidades das pessoas.

Outro dos trunfos utilizado pelos comunistas para provarem a sua “superioridade moral” é a vitória de Estaline na Segunda Guerra Mundial, escondendo as verdadeiras responsabilidades do ditador comunista nessa tragédia. Mais, os apoiantes do regime gostam de destacar a figura do generalíssimo Estaline e do Partido Comunista da URSS na vitória, esquecendo-se (ou fazendo de conta que se esquecem) que, quando a Rússia bateu Napoleão em 1812, nem o primeiro, nem o segundo existiam. Além disso, fazem de conta não saber que, numa guerra com armas convencionais, seria impossível ocupar um país tão gigantesco e que foi o heroísmo e a abnegação dos soldados e oficiais soviéticos que derrotaram o fascismo.

E aqui coloca-se uma questão: porque é que os habitantes da URSS e dos países satélites passaram a viver pior do que os europeus ocidentais? Recordo-me da indignação com que numerosos veteranos de guerra soviéticos falavam das melhores condições de vida que tinham os veteranos do principal país derrotado a Alemanha.

Isto porque os dirigentes ocidentais, nomeadamente democratas-cristãos e sociais-democratas, souberam tirar conclusões da tragédia e apostar no melhoramento do nível e condições de vida dos cidadãos europeus, enquanto que os líderes soviéticos sacrificavam o bem-estar do seu povo a ideias hegemónicas e planos faraónicos que levaram à derrocada do país.

Infelizmente, após o fim da União Soviética, instalou-se uma desorganização e um caos no mundo tal que os europeus e outros acabam por perder muitas das suas conquistas. Os dirigentes ocidentais perderam o receio face ao perigo comunista, enveredando por políticas que vão enfraquecendo as bases do bem-estar dos seus cidadãos.

Além do mais, as últimas revelações dos Panamá Papers mostram que a chaga da corrupção continua a alargar-se e não só nos chamados países do Terceiro Mundo. Nem Sua Majestade, a Rainha de Inglaterra Isabel II, escapa! Para já não falar do czar russo Vladimir II!

A deterioração social e política em numerosos países, o aumento das convulsões nas relações internacionais deveriam levar os líderes mundiais a pensar que a história se pode voltar a repetir, embora de forma diferente, talvez de forma mais cruel e desumana ainda do que a experiência iniciada há cem anos atrás.