O Presidente que também é candidato em campanha tem-se dividido pouco entre as duas funções, ganhando quase sempre o Presidente. Já se sabe. Mas este domingo assumiu outro patamar: anda coordenado com o Governo. Liga para os ministros sempre que quer saber informações e mesmo que com uma intenção eventualmente mais eleitoralista, como aconteceu nos Bombeiros do Dafundo neste domingo à tarde. Com o país no pico da pandemia, fala frequentemente com membros do Governo. E assume-o, sem rodeios.
Em apenas duas ações de campanha neste terceiro dia de rua como candidato presidencial, Marcelo mencionou seis vezes os seus contactos com membros do Executivo. Vejamos um por um:
- “Informei-me junto do ministro da Administração Interna sobre a questão da vacinação” dos bombeiros, disse aos bombeiros do Dafundo;
- “A ministra da Saúde tem-me dito que tem havido acordos com o setor social e nos privados”, para apoiar o SNS na resposta à Covid-19;
- “O que me foi dito pelo Governo é que ainda não foi preciso recorrer” à requisição civil;
- Esta declaração “não é isolada, mas conhecendo a intenção da ministra da Saúde de apelar aos portugueses”, disse quando falou no Hospital de Santa Maria;
- “Estou em contacto permanente com o primeiro ministro e a ministra da Saúde”;
- Esta declaração é “feita em conjunto” com a ministra da Saúde;
- “O que o ministro da Administração Interna me disse foi que havia afluência muito elevada que não havia problemas com o voto antecipado”.
No quartel de bombeiros ou à frente do Hospital de Santa Maria, o candidato-Presidente foi usando esta proximidade ora para dar garantias, ora para sacudir uma responsabilidade do dia-a-dia. Exemplos? Ora, no Dafundo disse ao comandante Carlos Jaime que tinha falado com o ministro Eduardo Cabrita antes de ali chegar e também com o presidente da Liga dos Bombeiros, o social-democrata, Jaime Marta Soares, para aferir o que se passava com a vacinação dos bombeiros e ali deixou logo a novidade que o processo será “acelerado”. Os bombeiros que têm contacto de risco com a Covid-19 fazem parte do grupo de quem presta serviços essenciais, onde estão as Forças Armadas, por exemplo, e é aí que vão manter-se embora com esta sinalização de serem vacinados mais rapidamente, detalhou Marcelo perante a corporação.
Já sobre as enchentes nas secções de voto antecipado que estiveram em funcionamento este domingo, o candidato-Presidente, atirou a responsabilidade para o mesmo ministro: “O Governo o que me disse é que estava convencido que chegava”. E a mesma estratégia quando a questão foi sobre a necessidade de requisição civil na saúde, a passar responsabilidades para o lado executivo: “O que me foi dito pelo Governo é que não é preciso recorrer”. “Se um dia não houver acordo então é evidente que o Governo é o primeiro a saber que recorrerá a requisição civil”, deixou ali garantido em jeito de aviso.
Já quanto ao aviso que quis deixar frente ao Hospital de Santa Maria, aí o Governo já passa de via escapatória, para um par com quem Marcelo se coordena a cada minuto. Carregou no alerta aos portugueses, mas tudo concertado com a ministra da Saúde que falou, antes dele, no Hospital Garcia da Orta, em Almada, garantiu aos jornalistas. Sabe que esta colagem é criticada pelos adversários e por isso, pelo meio vai ressalvando que tem de ser, os tempos de pandemia exigem isso mesmo e quando tem ser Presidente é. E será no resto da campanha. No domingo, tiram-se as teimas a esta proximidade. Aliás, o candidato admite que mesmo a gestão que tem feito desta pandemia será avaliada no dia 24 — “naturalmente estou sujeito ao escrutínio dos portugueses daqui a oito dias”, respondeu quando questionado sobre isto mesmo. E vai convencido de que terá nota alta.
Marcelo puxa orelhas aos portugueses que ainda não perceberam “situação muito crítica”
Aquela selfie que andava perdida neste Marcelo em campanha pandémica chegou este domingo, nos Bombeiros do Dafundo, perante o pedido dos vários elementos da corporação que ali estiveram para cumprimentar à cotovelada o “senhor Presidente”. Marcelo circulou por todos, com uma conversa banal: “Há quantos anos é bombeiro/a?”; “Ena, começou cedo!”. No final esteve ao longe a enquadrar todos os presentes ali à porta do quartel com o telemóvel de um deles na mão. Em terreno desfavorável aos afetos a que está habituado, Marcelo pôde desconfinar por minutos uma das especializações que tirou em cinco anos de Belém, a do homem-selfie.
Não se trata de um ataque, mas o tom foi tão grave que a dada altura o candidato-Presidente mais parecia estar a dar um puxão de orelhas a um menino mal comportado. O momento em frente ao Hospital Santa Maria, com o conselho de administração nas suas costas, foi uma tentativa de dizer aos portugueses que o caso é sério e é MESMO para levar a sério: “Não é crítico, é muito crítico”, disse Marcelo depois de ter saído “impressionado” da reunião e de trazer nas mãos os dados dos últimos dias. “Há 12 vagas” no Santa Maria, acrescentou quando a pandemia vai no pico em Portugal. “Confinar é confinar”, exigiu aos portugueses acenando com o drama de uma situação de rutura do SNS. E ainda disse, pelo meio, que as medidas tinham de ser reponderadas antes. Também coordenado com o Governo, já que pouco depois se soube de um Conselho de Ministros extraordinário nesta segunda-feira para… reavaliar medidas. Tudo ligado.