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TIAGO CANHOTO /LUSA

TIAGO CANHOTO /LUSA

As 26 horas quase desperdiçadas da campanha da IL em Sines, Beja e Algarve (onde Rui Rocha é um desconhecido)

Três ações de campanha da IL sem contactar um único eleitor. E uma arruada em Faro onde muita gente não sabe o nome do político com quem acabou de falar.

Se no debate das rádios Rui Rocha conseguiu arrumar rapidamente os assuntos que não lhe interessava aprofundar para impor os seus ataques à esquerda, nas primeiras horas na estrada está a acontecer-lhe exatamente o oposto: é a espuma política dos dias que está a varrer os temas escolhidos pela IL, sem que o partido consiga tirar daí grandes dividendos eleitorais.

Por muito que tente desvalorizar o tema dos cenários pós-eleitorais ou sobretudo a entrada de Passos Coelho na campanha da AD, Rui Rocha não tem para já conseguido adaptar a tática que aplicou no debate para impor a sua agenda.

Isto tem acontecido muito também por causa da organização da campanha. Após o debate das rádios desta segunda-feira, o autocarro azul que transporta a curta comitiva da Iniciativa Liberal desceu a Sines, que fica num distrito importante onde tenta reeleger a cabeça de lista Joana Cordeiro, mas a única ação de campanha foi uma reunião à porta fechada num gabinete, com um administrador do Porto de Sines. Daqui resultaram 14 minutos de declarações aos jornalistas, mas a ideia de sublinhar a importância estratégica do Porto de Sines acabou eclipsada pelas posições face ao Chega e à esquerda nos cenários pós-eleitorais. A IL não teve mais nenhuma ação em Sines.

O líder da IL e o líder parlamentar, Rodrigo Saraiva, à saída da reunião no Porto de Sines

TIAGO CANHOTO /LUSA

O autocarro liberal desceu depois a Beja, onde teve 2% dos votos em 2022, para uma reunião na Associação de Agricultores, mais uma vez dentro do gabinete, mais uma vez à porta fechada, desta vez 12 minutos de declarações aos jornalistas sem que qualquer ideia da IL sobre agricultura tenha conseguido não ser ceifada pelo tema Passos Coelho.

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“Nós nem sabíamos que vinha cá o líder da Iniciativa Liberal. Ficámos a saber quando ele apareceu”.
Rui Garrido, presidente da associação de agricultores do Sul

Aqui Rui Rocha assumiu que votou no ex-primeiro-ministro em 2011 e 2015, mas frisou que agora votaria no seu partido, claro (que só existe desde 2017). E conseguiu manter uma postura institucional face ao PSD, sem dar a entender qualquer preferência por Passos Coelho, apesar de o anterior líder ter chegado a defender a privatização da Caixa Geral de Depósitos — tal como a IL e ao contrário de Luís Montenegro.

O dirigente que não sabia que ia estar com Rui Rocha e a conversão de comunistas

O presidente da associação de agricultores do Sul, Rui Garrido, admitiu ao Observador depois da reunião que nem estava à espera do que lhe aconteceu: “Nós nem sabíamos que vinha cá o líder da Iniciativa Liberal. Ficámos a saber quando ele apareceu”. Apenas acedeu a um pedido do partido, tal como já tinha feito com as estruturas locais do PS e do Chega, e aproveitou para expor as suas preocupações com o setor: “É bom que todos saibam os nossos problemas”. Ainda encontrou alguns pontos de concordância com as propostas da IL, sobretudo em relação à mão de obra imigrante, defendendo mais fiscalização.

[Já saiu o primeiro episódio de “Operação Papagaio”, o novo podcast plus do Observador com o plano mais louco para derrubar Salazar e que esteve escondido nos arquivos da PIDE 64 anos. Pode ouvir também o trailer aqui.]

A cabeça de lista por Beja, Ana Paula Pereira, diretora pedagógica de uma escola, também esteve na reunião com os dirigentes da associação de agricultores. A seguir contou ao Observador o “desafio enorme” que tem sido mostrar as ideias liberais num distrito tão à esquerda, mas gabou-se de já ter conseguido converter eleitores comunistas para as ideias da IL.

E assim passou a IL mais de 24 horas com um autocarro na estrada, com o presidente e o líder parlamentar a bordo, a percorrer 420 km em 26 horas sem falar com um único eleitor, quando se encontra sob forte pressão e em risco de ser ensanduichada entre o apelo ao voto útil na AD e a força crescente do voto anti-sistema no Chega, apesar de os liberais manterem a meta de crescerem de 8 para 12 deputados.

“Faço assim, sobretudo com jovens: ‘Diz-me lá o que é estruturante para ti.’ Falam-me sempre na liberalização das drogas. ‘Ok, já só tens esta hipótese e esta. E em relação à eutanásia? Já só tens esta’. Vamos conversando assim, para mostrar as possibilidades reais de responder a cada votante”, descreve. “Ainda ontem tive dois miúdos a falar comigo assim e um disse que vai ter de pensar melhor sobre as hipóteses”.

Ficou toda contente por poder contar com o líder do partido no seu distrito, elogiando as suas capacidades de comunicação, e ainda admitiu a hipótese de um contacto mais direto com a população no restaurante onde iriam almoçar em Castro Verde, mas ou foi falso alarme ou essa ação não era de todo aberta a jornalistas, pelo que pode afinal ter sido desperdiçada mais uma oportunidade de contacto direto com eleitores, mesmo que apenas surtisse efeito para o futuro, se e quando houver um círculo nacional de compensação — até lá é muito difícil a IL eleger neste distrito.

O descampado do hospital a completar 420 km sem um eleitor à vista

Exatamente o mesmo desperdício na ação de campanha seguinte, em Loulé: em frente ao local onde deveria ser construído o Hospital Central do Algarve, um projeto adiado há 22 anos, os estrategas da campanha da IL colocaram um pórtico transparente, com vista para o descampado, a sublinhar o que ficou por fazer e a pôr culpas no PSD e mais ainda no PS.

Foi uma oportunidade para repetir as ideias da IL para a saúde, que passam pelo envolvimento dos privados e do setor social. Ainda deu para Rui Rocha vaticinar que a candidatura de Marta Temido à Câmara de Lisboa poderá demonstrar que a ex-ministra não é assim tão popular e se arrisca a ter uma votação mais em linha com os problemas das listas de espera e das filas de madrugada nos centros de saúde. E para elogiar Mário Amorim Lopes, o especialista de saúde da IL e cabeça de lista por Aveiro, mas sem se adiantar a indicar o seu nome para um cargo num futuro governo, dizendo que é prematuro.

A visita da Iniciativa Liberal ao descampado onde está por construir o Hospital Central do Algarve

LUIS BRANCA/LUSA

O problema é que este local de campanha era precisamente um descampado e também não havia eleitores à vista. E foi aí que Rui Rocha fez uma promessa que não sabe se pode cumprir: a construção do hospital central do Algarve dois anos depois das eleições. Isto depende, claro, de a IL ir para o governo com a AD e ter força suficiente para impor uma medida destas.

E assim passou a IL mais de 24 horas com um autocarro na estrada, com o presidente e o líder parlamentar a bordo, a percorrer 420 km em 26 horas sem falar com um único eleitor, quando se encontra sob forte pressão e em risco de ser ensanduichada entre o apelo ao voto útil na AD e a força crescente do voto anti-sistema no Chega, apesar de os liberais manterem a meta de crescerem de 8 para 12 deputados.

As piadas de Rui Rocha para cada ocasião

As horas sem eleitores à vista terminaram finalmente esta terça-feira à tarde, com uma arruada pelas ruas da Baixa de Faro seguida por 30 militantes, que comprovou a necessidade de uma campanha mais eficaz. A mulher de Rui Rocha chegou a dar aulas deslocada em Faro, pelo que a terra tem valor afetivo — o líder da IL visitava-a quando podia.

No contacto com a população, Rui Rocha é simpático, nada intrusivo, sempre com uma piada pronta. Entra numa farmácia a pedir remédios para resolver os problemas do país.  Já antes tinha olhado para uma carrinha Volkswagen de 1968 pintada com as cores da IL e tinha-lhe saído: é quase tão velha como a promessa do hospital. O que soltou gargalhadas imediatas da comitiva.

Na primeira loja em que vê funcionárias à porta, pergunta pela proprietária e pede uma visita ao estabelecimento de artesanato nacional. Duas dezenas de jornalistas entram pela loja colocando a mercadoria em risco, a acotovelarem-se para captar a imagem e o som dos diálogos. De cada vez que se derruba uma peça, Rui Rocha avisa: “Cuidado, quem estragar paga”.

“Outros sabem [o meu nome]. Ainda há pouco encontrámos pessoas que declararam o seu voto na IL. Não estou nada preocupado. Estaria preocupado se as propostas que temos não fossem propostas de transformação.”
Rui Rocha, presidente da Iniciativa Liberal, em declarações ao Observador

Quando a funcionária refere os turistas sem poder de compra, o líder da IL faz a piada consigo próprio: “Um bocadinho como os políticos que vêm e não compram nada”. (E não comprou, de facto: “Não vou estar a comprar em cada sítio por onde vou passar. Não faz sentido. O meu orçamento não me permite comprar em todas. Talvez se a IL estivesse no poder eu tivesse mais poder de compra, mas ainda não aconteceu”).

Por duas vezes, cruza-se de novo com pessoas que já tinha conhecido e lembra-se dos nomes, o que causa um certo brilharete.

Após uma visita ao “supermercado Rui”, diz que o objetivo foi “estratégico” por ter o seu nome (mesmo tendo sido “mera coincidência”). Mas vai pouco além da conversa de circunstância. Dá pouco a conhecer o seu programa (só liga a quebra de vendas à redução do poder de compra e promete a redução do IRS). E sobretudo dá-se pouco a conhecer a si próprio. Resultado: muitos dos comerciantes que sorridentemente lhe abrem a porta — e conversam com ele frente aos jornalistas — despedem-se do político sem saber o seu nome nem o do seu partido. Isso mesmo admitiram vários deles ao Observador.

Ouça aqui a reportagem em que vários eleitores admitem que não sabiam com quem tinham falado:

Os eleitores que falaram com Rui Rocha sem saber

Numa pastelaria, o líder tentou um número ousado e foi para trás do balcão servir D. Rodrigos, doce típico do Algarve, dizendo: “Vamos lá dinamizar a economia”. Ao lado, o olhar atónito da funcionária, mais uma que não o conhecia — e que já sabe que não vai votar IL.

“Sou uma pessoa de pessoas, adoro contacto com pessoas, dá-me uma enorme energia.”

Tirando uma eleitora do Chega que recusou um panfleto de um militante e um abstencionista que garantiu a Rui Rocha que nunca vota, o líder da IL foi bem recebido e até teve a sorte de se cruzar com uma lojista que, apesar de também não saber o seu nome, mostrou simpatia pelas ideias liberais. E na rua encontrou dois jovens médicos dentistas que se assumiram como seus fãs e desejaram sorte para o que resta da campanha.

Rui Rocha diz ao Observador que não fica preocupado por haver muitos que não sabem o seu nome. “Outros sabem. Ainda há pouco encontrámos pessoas que declararam o seu voto na IL. Não estou nada preocupado. Estaria preocupado se as propostas que temos não fossem propostas de transformação.”

Questionado sobre a insistência nas reuniões à porta fechada em gabinetes, relativizou: “Estou na rua há muito tempo. Calhou que os primeiros momentos fossem mais institucionais. (…) Vamos ter vários momentos de contacto com as pessoas. Sou uma pessoa de pessoas, adoro contacto com pessoas, dá-me uma enorme energia.”

Rui Rocha no Algarve com uma das candidatas pelo distrito de Faro

LUSA

É imprevisível o efeito desta falta de notoriedade do líder da IL um ano depois de ter assumido o cargo, e já após ter beneficiado de toda a exposição dos debates na televisão. Mas se o resultado da IL ficar aquém dos 8 deputados conquistado em 2022, voltará a suscitar dúvidas sobre os efeitos eleitorais da decisão do ex-líder João Cotrim de Figueiredo, de sair da liderança tão pouco tempo depois das eleições, ficando o seu sucessor sem tempo suficiente para se afirmar no país após a queda súbita do governo de maioria absoluta de António Costa.

Esta quarta-feira a caravana da IL regressa a Lisboa, onde elegeu quatro deputados e espera um reforço de votação. O dia é marcado por mais duas reuniões em gabinetes, uma com o líder da União das Misericórdias e outra com Vasco de Mello, da Business Round Table. Mas pelo meio haverá uma ação de rua junto à Praça de Touros do Campo Pequeno. Mais um teste para… Rocha, Rui Rocha, o líder que bem precisaria dos poderes inversos ao de um 007 para dar mais nas vistas e não passar tão despercebido. O resto da campanha decorre em terreno mais favorável, no litoral centro e norte: pode ser que isso ajude e faça a diferença.

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