Nuno Melo quer, Rui Rocha dispensa e Luís Montenegro vai pensando sem grande entusiasmo. A recusa determinante dos liberais em entrarem numa grande frente pré-eleitoral para atacar as próximas eleições legislativas esfriou qualquer vontade que os sociais-democratas pudessem ter de recriar uma Aliança Democrática como aquela que Francisco Sá Carneiro usou em 1979 para derrotar os socialistas. A direção do PSD ainda mantém tudo em aberto, mas vai, para já, torcendo o nariz a uma eventual coligação só com o partido liderado por Nuno Melo.

Em entrevista ao Observador, no programa Vichyssoise, Hugo Soares, secretário-geral do PSD e braço direito de Luís Montenegro, garantiu que o partido “ainda não reuniu para tomar qualquer decisão” e que a seu tempo se pronunciará sobre política de alianças.

Publicamente, os sociais-democratas (e a Iniciativa Liberal) têm sido muito pressionados para avançarem com uma candidatura conjunta. Luís Marques Mendes, na SIC, foi cristalino: “Sem coligação pré-eleitoral com a IL, que já descartou a hipótese, é mais difícil a vitória”. Opinião idêntica teve José Miguel Júdice: a “única forma de a direita ganhar as eleições ou ter um resultado que possa atingir uma solução para poder governar” seria uma “aliança pré-eleitoral entre o PSD, o CDS, a Iniciativa Liberal e alguns independentes de centro-esquerda”.

[Já saiu: pode ouvir aqui o terceiro episódio da série em podcast “O Encantador de Ricos”, que conta a história de Pedro Caldeira e de como o maior corretor da Bolsa portuguesa seduziu a alta sociedade. Pode ainda ouvir o primeiro episódio aqui e o segundo episódio aqui.]

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ainda assim, o Observador sabe que os dirigentes sociais-democratas estarão mais inclinados para uma solução que passe, não necessariamente por uma coligação pura e dura com o CDS, mas pela integração de várias figuras da sociedade civil na lista de deputados, gente da direita e alguns elementos mais independentes que possam ter estado associados ao universo socialista.

De resto, os sociais-democratas têm algumas dúvidas sobre as vantagens que uma grande frente com o CDS teria na leitura do eleitorado. Se é verdade que, pela questão do Método de D’Hondt, teria vantagens objetivas para o cálculo do número de deputados que a coligação teria, uma solução dessa natureza poderia melindrar o eleitorado mais moderado, essencial para ganhar as eleições. Além disso, continua por esclarecer uma questão: que valor eleitoral tem hoje o CDS, um partido que desapareceu da Assembleia da República.

Uma solução criativa que morreu antes de nascer

Existiria ainda um cenário pouco comum: uma coligação pré-eleitoral entre PSD, IL (e, porventura, CDS) apenas nos círculos mais pequenos, para impedir precisamente que se deitassem ao ‘lixo’ os votos depositados nos partidos das franjas. A estratégia permitiria minorar os desperdícios nos círculos eleitorais de pequena e média dimensão, o que se poderia traduzir em mais eleitos dos dois partidos. Do ponto de vista da otimização eleitoral.

Em teoria, esta hipótese académica permitia o melhor dos dois mundos a todos os partidos: manter autonomia e identidade próprias e, numa abordagem meramente pragmática, aumentar o número de deputados eleitos. Ora, essa opção provavelmente mais lucrativa para o PSD teria contrariedades, desde logo a negociação com as bases dos partidos.

Para os núcleos mais pequenos da IL, a ideia de não ir a votos em nome próprio, ao contrário dos núcleos maiores, poderia não ser visto com bons olhos. Além disso, seria politicamente delicado explicar às estruturas dos dois partidos que não poderiam apresentar candidatura em nome do partido e como reagiriam as bases do PSD à necessidade de negociar lugares seguros para a IL. Na mesma entrevista ao Observador, Hugo Soares acabou qualquer debate sobre essa hipótese. “Devo dizer que esta é a primeira vez que estou a ouvir isso. Parece-me uma solução um bocado estranha“, despachou.

Coligação teria o ‘sim’ do CDS

Depois de ter perdido a representação parlamentar nas legislativas de 2022, esta é uma oportunidade de ouro para o partido liderado por Nuno Melo. E, ao contrário do que foi sendo dito em público por PSD e IL, o líder democrata-cristão já reconheceu que era uma eventual coligação pré-eleitoral seria a melhor das soluções. Ainda assim, o Observador sabe que a nível oficial ainda não existiram conversas ao mais alto nível para um possível acordo.

No entanto, Nuno Melo não ignora que, do outro lado, os sinais são tudo menos encorajadores, o que deixa o partido numa situação delicada — se insistir e esbarrar no ‘não’ do PSD vai passar a imagem de que estava desesperado para encontrar um expediente que permitisse ao CDS voltar à Assembleia da República. Importa, por isso, afastar por completo essa imagem, sem fechar, ao mesmo tempo, qualquer porta.  Na SIC Notícias, no programa “Expresso da Meia-Noite”, a 17 de novembro, Nuno Melo aproveitou para assegurar que o CDS não vai “fazer pedinchice“, nem passar uma “ideia de estado de necessidade”.

Ao mesmo tempo, Melo lembrou que, nas últimas legislativas, o CDS teve “mais votos do que partidos que elegeram”, nomeadamente Livre e PAN — sendo que os democratas-cristãos tiveram os votos repartidos pelo país e não conseguiram o mínimo para eleger por Lisboa (foram 89.113 votos que ficaram sem representação). Este argumento serve para validar a ideia de uma coligação pré-eleitoral,  tendo em conta que tanto o Livre com o PAN conseguiram eleger um deputado para o Parlamento quando tiveram menos votos a nível nacional do que o CDS.

Aliás, se PSD e CDS tivessem ido juntos a votos nas legislativas 2022, teriam conseguido eleger mais sete deputados do que os 77 eleitos pelos sociais-democratas a solo. Não daria para ter uma maioria no Parlamento, nem mesmo com os 10 deputados eleitos pela Iniciativa Liberal, mas teria impedido a maioria absoluta de António Costa, que, aplicando o Método de D’Hondt, elegeria menos cinco deputados. Ponto extra: essa coligação roubaria ainda um mandato ao Chega.

Ora, atendendo ao contexto, seria apetecível para o CDS fazer parte de uma solução como aquela encontrada por Carlos Moedas em Lisboa: uma grande frente de direita para derrotar Fernando Medina. Nessa altura, em 2021, os liberais recusaram ficar na mesma fotografia, mas o antigo comissário europeu decidiu avançar mesmo assim, dando ao CDS um peso desproporcional em relação aos mais recentes resultados em urnas; com a recusa de Rui Rocha, no entanto, Luís Montenegro não deverá repetir o mesmo modelo.

IL não quer trair eleitorado

Ainda António Costa estava a arrumar os caixotes em São Bento, Rui Rocha foi absolutamente taxativo: rejeitou uma coligação pré-eleitoral e argumentou que seria “contraproducente” que o partido não fosse a votos com o seu programa, as suas ideias e os seus candidatos. Contra a tese de que deve haver “taticismo eleitoral baseado no método de Hondt”, o presidente liberal resiste a que a IL se transforme num partido “descafeinado”, “perdido no meio de ideias” que não são suas, como disse em entrevista à SIC Notícias.

Luís Montenegro, que já tinha almoçado com Rui Rocha para dar uma alternativa a Marcelo Rebelo de Sousa, prometeu “desafiar todos os partidos a respeitarem a vontade popular e a encontrarem instrumentos no Parlamento que façam com que o governo possa executar o seu programa, excluindo o Chega”. Com Ventura fora da equação, depois de ziguezagues que culminaram no “não é não”, as contas para uma maioria à direita complicam-se e, num cenário em que o PSD vença as eleições sem maioria, a boia de salvação pode vir a ser a IL — caso a soma dos deputados assim o permita.

Aritmética à parte, e ainda que tenha havido uma avaliação de todos os cenários possíveis para uma ida às urnas que permitisse o melhor resultado para a direita (sem Chega), e apesar de a decisão não ser unânime — nem sequer na praça pública e entre vários protagonistas — a ideia de pré-coligação está riscada. E os liberais têm feito questão de o esclarecer em todas as horas.

Dentro da Iniciativa Liberal existem poucas dúvidas sobre a recusa da pré-coligação ser a opção mais acertada, desde logo pelo factor mais relevante na hora das contas: os eleitores. Entre as teses que mais pesam está a ideia de que, no espetro político à direita, uma coligação entre PSD e IL deixaria os eleitores sem uma solução entre o sistema (PS e PSD) e o Chega. Ou seja, assentes na teoria de que a base eleitoral da IL não é antirregime, mas inconformada com o sistema que PS e PSD representam, os liberais acreditam que os descontentes poderiam regressar à abstenção.

E, mais ainda, sendo que grande parte dos eleitores da IL surge do desencanto com o PSD, também estes votantes poderiam ver com maus olhos uma união deste género e optar por nem sequer votar ou por fugir do voto na coligação. As duas opções serviriam para roubar votos à IL — o que, mesmo assim, com um acordo pré-eleitoral poderia por não se refletir no número de deputados.

Além disso, também a questão programática é um ponto a ter em conta para que a IL rejeite uma aproximação irreversível ao PSD. Rui Rocha recordou que a IL propôs a privatização da TAP, uma das maiores bandeiras do partido, e que “o PSD nunca votou a favor”, destacou que os liberais ambicionam uma “descida mais pronunciada do IRS” e o PSD uma “descida mais contida” e há ainda o caso da proposta para a Saúde, em que o PSD nem sequer se absteve e optou mesmo por votar contra o projeto dos liberais.

O estudo e a rejeição do taticismo do Método D’Hondt

Há um argumento usado pelos liberais como prova de que têm a razão do seu lado: o estudo da Universidade Católica publicado em julho no Observador que concluía com “alguma clareza que qualquer coligação pré-eleitoral à direita teria neste momento muito provavelmente um efeito líquido negativo para os partidos envolvidos”.

O panorama mudou por completo nas últimas semanas, mas os cenários analisados no estudo dão força à tese dos liberais. Nessa altura, a coligação PSD/IL era a que tinha “menos efeito negativo”, ainda que, mesmo assim, atingisse um nível de rejeição de 39%. E esse número é mais do que suficiente para a IL preferir manter-se longe da asa do PSD.

André Azevedo Alves, um dos responsáveis pelo estudo, explica ao Observador que a coligação em causa reduz a “atratividade” para os eleitores, tanto para quem vota à direita como para o eleitor que votou PS e que poderia votar PSD. E resume: “Não quer dizer que a coligação fosse ter menos votos do que o PSD sozinho, provavelmente somaria, mas a soma seria inferior aos dois partidos isolados.”

A narrativa de que PSD e IL poderiam sair beneficiados com esta coligação, devido ao Método d’Hondt, prende-se com o número de votos desperdiçados no sistema eleitoral em vigor — que levou os liberais a apresentarem uma proposta de alteração ao atual sistema. Nas legislativas de 2022, a IL conseguiu eleger oito deputados entre Lisboa, Porto, Setúbal e Braga e é massivamente mais forte no litoral do que no interior. Pelo meio, foram desperdiçados mais de 86 mil votos. Com a coligação, os votos liberais contariam para um bolo geral e o desperdício seria, teoricamente, em menor número, em particular — e mais relevante — nos distritos em que a IL ainda não consegue eleger.

André Azevedo Alves, um dos autores do estudo da Universidade Católica, concorda com as leituras feitas no que toca aos eleitores e alerta que a possibilidade de os votantes dos liberais estarem “insatisfeitos” com o PSD ser “muito grande” — “caso contrário a IL não teria aparecido” —, pelo que, tratando-se um partido recente e que está a crescer, há um eleitorado “fortemente motivado” a depositar o seu voto nesta corrente e, pelas razões opostas, “muito pouco motivado a votar PSD”.

E esta é uma das preocupações dentro da IL, já que o eleitorado liberal encontrou neste partido uma solução para não votar em partidos como o PS ou o PSD, mas que se recusa a votar no Chega. Ou seja, os liberais acreditam que a IL unir-se ao PSD pode deixar vários eleitores sem uma escolha entre o tal sistema e o partido de André Ventura.

A somar a tudo isto, há ainda o facto de a IL não ser o CDS, onde cabiam muitas visões ideológicas diferentes. Na visão de Azevedo Alves, a linha ideológica da IL, que é “mais marcada”, “aumenta a propensão de haver algum custo para a coligação”. Por outras palavras: um eleitor CDS facilmente aceitaria uma coligação deste género (como já fez no passado), no entanto um eleitor IL, à partida ideologicamente menos volátil, não vê a união com os mesmos olhos.

Por outro lado, André Azevedo Alves também enaltece o facto de haver um eleitorado do PSD mais colado ao centro-esquerda que pode ter uma “visão desfavorável” da coligação e até de um eleitorado moderado do PS que pode passar dos socialistas para os sociais-democratas, mas que dificilmente alinha numa união que junte PSD e IL — e foi exatamente este eleitorado que Pedro Nuno Santos procurou acautelar quando disse numa das primeiras declarações como candidato à liderança do PS que “o projeto PSD e IL já é suficientemente radical”.