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António Costa falou em reapresentar o Orçamento do Estado para 2022, chumbado no Parlamento no ano passado, mas que diz ter sido aprovado pelos portugueses a 30 de janeiro quando deram nas eleições legislativas maioria absoluta ao PS.

O documento vai agora voltar ao Parlamento, com adaptações devido aos efeitos da guerra da Ucrânia na economia, nomeadamente ao nível inflacionista. E essa é logo uma primeira mudança. O cenário macroeconómico muda face ao que foi anunciado em outubro do ano passado, mas só sofre alterações ligeiras em relação ao programa de estabilidade que ainda chegou em março ao Parlamento, pela mão do ex-ministro das Finanças João Leão.

Sabe-se já que o valor projetado para a inflação vai mudar face ao próprio programa de estabilidade. É revista em alta para 4%, face aos 2,9% inscritos no programa de estabilidade. Com inflação vem mais receita, e o Governo já anunciou a intenção de não fazer nova atualização salarial da função pública, apesar da pressão de alguns partidos da oposição e dos sindicatos da administração pública. Assim, as receitas apontadas no programa de estabilidade até podem ser maiores, acomodando algum crescimento das despesas com as medidas de apoio face à escala de preços.

No programa de estabilidade estava inscrita uma verba de 2.752 milhões de euros para as medidas extraordinárias com a pandemia e a crise energética e Ucrânia, sendo 809 milhões com apoios para fazer face à crise energética e à guerra na Ucrânia.

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As medidas, que já esta semana foram reforçadas, vão ter inscrição orçamental, mas aos partidos o Governo diz que a projeção para o défice se mantém em 1,9% este ano, depois de no ano passado ter conseguido ficar abaixo de 3% — ficou nos 2,8%. Só isso já permitirá acomodar mais medidas.

Mas PS acredita que as medidas já expostas serão suficientes para mitigar os efeitos do aumento da inflação, embora a oposição tenha sido praticamente unânime numa crítica: com os preços a aumentar, e se os salários não seguirem a mesma trajetória, haverá um regresso à “austeridade” — o PSD chamou-lhe um “regresso encapotado à austeridade”; o Chega uma “certa dose de austeridade”.

Além da oposição, também os parceiros sociais foram perentórios a pedir ao Governo que vá mais longe: do lado das empresas, há pedidos para que o Orçamento seja mais “agressivo” fiscalmente, com a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) a defender mesmo um défice maior se isso significar mais apoios às empresas. Da parte das centrais sindicais, os pedidos são para que o Governo controle a subida dos preços de bens essenciais e reavalie o salário mínimo nacional, que subiu para os 705 euros em janeiro.

O que muda no cenário macroeconómico?

O Governo deverá manter quase todo o cenário macroeconómico estabelecido no programa de estabilidade, apresentado em março, ainda por João Leão. O crescimento deverá, este ano, ficar nos 5%, pelas projeções do Governo e o défice em 1,9%. A dívida prevista no programa de estabilidade é de 120,8%.

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Mas João Cotrim de Figueiredo, líder da Iniciativa Liberal, trouxe a novidade em termos de cenários de que o Governo tinha revisto em alta o valor da inflação prevista para este ano e que deverá atingir os 4%. No programa de estabilidade apontava para 2,9% (IPC) e de 3,3% (índice harmonizado).

Sem mexer nos salários, que medidas vão constar para fazer face à inflação?

António Costa já garantiu que não vai rever a atualização salarial feita à administração pública de 0,9% este ano. No sábado, voltou a afirmar que o caminho imediato não pode ser o de aumentar salários. “Não vamos embarcar em medidas de ilusão onde rapidamente os aumentos [salariais] são engolidos pela inflação”, afirmou.

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A atualização salarial da função pública em 0,9% já foi feita e desde janeiro que os funcionários públicos recebem os salários com essa subida, que custa aos cofres do Estado 225 milhões de euros.

No Orçamento apresentado em outubro ainda se previa uma subida do salário de entrada dos técnicos superiores de 50 euros, para 1.255 euros, até 2023, dependente da negociação com sindicatos. E apontava-se para um “aumento significativo” na posição de entrada para quem entre na função pública com um grau de doutor. Estas intenções deverão manter-se plasmadas na nova versão do Orçamento para 2022.

De qualquer forma, no programa de estabilidade inscreveu-se uma despesa adicional de 85 milhões de euros para medidas de revalorização remuneratória e de reforço de pessoal.

Assim, sem reforço dos salários da função pública, o Governo já anunciou um conjunto de medidas para fazer face à escalada de preços nomeadamente na energia e nos produtos alimentares.

A quantificação do custo das medidas aprovadas no final da semana passada e apresentadas esta segunda-feira será conhecida na proposta de lei para o Orçamento do Estado que entra esta quarta-feira no Parlamento.

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Sabe-se no entanto que:

  • A redução do imposto sobre produtos petrolíferos (ISP) na proporção do que seria a descida do IVA de 23% para 13% — e que depende de Bruxelas — custará 80 milhões mensalmente. A medida é concretizada através de uma proposta de lei autónoma ao Orçamento.
  • A isenção temporária do IVA de fertilizantes e redução do gasóleo agrícola em 3,4 cêntimos será estendida até ao final do ano;
  • O prolongamento dos descontos de 30 cêntimos por litro para o transporte de passageiros e mercadorias e a sua extensão ao setor social.
  • O Orçamento do Estado irá contribuir com mais 18 milhões de euros para ajudas ao setor agrícola, onde se inclui o diferimento das contribuições sociais por parte das empresas agrícolas e de pesca mais afetadas pela subida dos custos de produção;
  • É intenção reduzir o IVA de equipamentos elétricos que permitam mudar do gás para a eletricidade para taxa reduzida.
  • Está previsto um reforço de 46 milhões de euros para instalação de painéis fotovoltaicos em 2022 e 2023 na agroindústria, explorações agrícolas e aproveitamentos hidroelétricos;
  • Os apoios à produção englobam a criação do gás profissional para abastecimento do transporte de mercadorias, a flexibilização dos pagamentos fiscais, o deferimento das contribuições para a Segurança Social dos setores mais vulneráveis aos aumentos dos custos do gás;
  • Será lançada uma subvenção 160 milhões de euros para 3.000 empresas que consomem mais eletricidade e haverá ajudas aos custos com a fatura do gás natural das empresas mais expostas — podem cobrir até 30% da diferença entre os custos incorridos em 2021 e 2022 até ao limite de 400 mil euros por empresa.
  • O voucher de 60 euros para famílias mais vulneráveis será alargado a mais contribuintes, assim como o subsídio de 10 euros para a compra de gás de botija (GPL). Passam a receber estes apoios todas as famílias que recebam para prestações para rendimentos mínimos e que não estão na tarifa social de energia. O pagamento só começará em maio, admitiu Mariana Vieira da Silva.

No programa de estabilidade estava inscrita uma verba de 809 milhões com apoios para fazer face à crise energética e à guerra na Ucrânia, dizendo-se, nesse documento, que o impacto orçamental dessas medidas seria de 524 milhões de euros.

Pensões com subida extraordinária desde janeiro

O Governo já tinha anunciado que iria manter o aumento extraordinário de 10 euros para os pensionistas, retroagindo a janeiro a sua aplicação, para quem receba até 1.108 euros por mês, num custo de perto de 200 milhões de euros. Segundo revelou Ana Mendes Godinho, ministra da tutela, na discussão do programa do Governo esta medida abrange 2,3 milhões de pensionistas.

Os pensionistas já tiveram em janeiro a atualização automática, que decorre da taxa de inflação obtida em novembro e do crescimento económico. Assim, no primeiro mês do ano o aumento foi de 1% para pensões até 886 euros, de 0,49% para as pensões entre 886 euros e 2.659 euros e de 0,24% para pensões acima de 2.659 euros.

Jovens pagam menos IRS

Outra medida que é transladada da proposta de outubro para a que entra agora no Parlamento será a do IRS Jovem.

Conforme estava desenhada em outubro, quem tem entre 18 e 26 anos (ou 28, no caso de doutoramento) e qualificações de nível 4 (curso profissional) ou superior terá uma isenção parcial de imposto até cinco anos de emprego. Será uma isenção de 30% de imposto nos dois primeiros anos, 20% no terceiro e quarto e 10% no quinto, com os limites de, respetivamente, 7,5 vezes o valor do Indexante de Apoios Sociais (IAS), 5 vezes o valor do IAS e 2,5 vezes o valor do IAS, respetivamente. No caso do doutoramento, os 28 anos podem ser prolongados até aos 35 anos se houver interrupção da carreira, retomada posteriormente.

Para quem regressa a Portugal há benefícios

No Orçamento chumbado estava já previsto que o Programa Regressar — que dá incentivos fiscais a quem emigrou antes de 2015 — fosse prolongado até ao final de 2023. O que se deve manter na nova versão orçamental. Quem emigrou depois de 2015 e tenha estado fora três anos e regresse a Portugal até 2023 deve beneficiar de uma isenção de 50% no IRS durante cinco anos, incluindo os rendimentos de trabalho independente.

Escalões do IRS são para mexer

O Governo vai desdobrar o terceiro e o sexto escalão do IRS, conforme já estava previsto na proposta de outubro, e foi comunicado aos partidos políticos nas reuniões desta segunda-feira. Dos atuais sete escalões passará para um total de nove, uma solução que não agrada a todos os partidos. O PAN, por exemplo, insistiu esta segunda-feira que o desdobramento deveria ser feito “entre o terceiro e o sexto escalões” e não apenas no terceiro e no sexto.

Na proposta de outubro do Governo, o terceiro escalão, que atualmente vai de 10.732 euros de rendimento coletável até aos 20.322 euros, é desdobrado para haver um escalão que começa nos 10.736 euros e que vai até aos 15.216 euros (com uma taxa de 26,5%) e outro (que passa a ser o quarto) entre 15.216 euros e os 19.696 euros (tributado a uma taxa de 28,5%). O 5.º escalão passa a ser entre os 19.696 euros e os 25.076 euros – que serão taxados a 35% — e o sexto escalão entre 25.076 e 36.757 euros, com uma taxa de 37%. Haverá, ainda, mais três escalões, que resultam no desdobramento do atual sexto. Cria-se um patamar taxado a 43,5% – entre 36.757 euros e 48.033 euros. Existirá uma taxa de 45% para os rendimentos entre 48.033 euros e 75.009; e uma de 48% a partir de 75.009 euros.

O Governo já ajustou as tabelas de retenção na fonte a estes escalões, mas não se sabe ainda se estes escalões ficarão exatamente nestes níveis, até por causa da inflação. Outra medida anunciada no programa socialista é a correção do efeito perverso do IRS nos salários mais baixos quando há aumentos que ultrapassam o mínimo de existência isento do imposto.

Quem ganha com as novas tabelas do IRS

A nível fiscal, o PAN indicou que o Governo também vai avançar com os compromissos firmados com o partido na anterior legislatura, em termos de redução de IVA de bens como queijos e manteigas de origem vegetal. Inês de Sousa Real disse também que seguem em frente medidas contra a pobreza energética e um reforço da verba destinada aos transportes públicos.

Filhos dão mais desconto fiscal

Mantém-se a intenção expressa em outubro e reiterada no programa do Governo, que na semana passada foi discutido no Parlamento, a dedução fiscal a partir do segundo filho.

A dedução à coleta por dependente até aos seis anos, aplicável a partir do segundo filho, será majorada dos 600 euros para os 900 euros, sendo o aumento de até 750 euros em 2022 para se chegar aos 900 euros em 2023. Atualmente, por cada dependente há uma dedução de 600 euros, majorada em 126 euros por crianças até aos três anos. Nas famílias em que há mais do que um dependente, a majoração sobe para 300 euros (para um total de 900 euros) a partir do segundo filho até aos três anos.

A proposta para o Complemento Garantia para a Infância é o de assegurar que os titulares do direito a abono de família acima do 2.º escalão, que não obtenham um valor total anual de 600 euros por criança ou jovem, entre o abono de família e a dedução à coleta de IRS, venham a receber a diferença para esse valor, a transferir pelo Fisco. Já o complemento ao abono de família vai ser de 70 euros mensais, para atingir em 2023 o valor mensal de 100 euros. É uma garantia para crianças e jovens até aos 18 anos que estejam em risco de pobreza extrema, que atingirá os 1.200 euros anuais.

Creches gratuitas para crianças no primeiro ano

O Governo também já disse que vai avançar com a gratuitidade das creches de forma progressiva até 2024, tendo o Parlamento aprovado legislação nesse sentido no final do ano passado. Para este ano, a intenção é que a gratuitidade das creches chegue a todas as crianças que ingressem no primeiro ano. A medida tem de ser inscrita no Orçamento do Estado e deverá entrar em vigor em setembro, segundo a lei publicada no início do ano.

No programa do Governo, o Executivo também inscreveu a intenção de criar 20.000 novas vagas nas creches, mas ao longo da legislatura, não adiantado o número de vagas para 2022.

Governo compromete-se a criar 20.000 vagas em creches

Englobamento de mais-valias mantém-se

Na proposta do Orçamento apresentada em outubro uma das medidas polémicas era a do englobamento das mais-valias em investimentos mobiliários detidos por menos de um ano para quem estivesse no último escalão de rendimento coletável (quem ganha mais de 75.009 euros brutos por ano). Estes contribuintes terão assim um agravamento da tributação porque, ao tornar-se obrigatório esse englobamento, as mais-valias em vez de serem tributadas a uma taxa liberatória de 28% passam a ser tributadas à mesma taxa dos rendimentos do trabalho (ou seja, 48%, nesse último escalão).

A medida apresentava, então, um custo fiscal de 10 milhões de euros.

IRS. Englobamento obrigatório também “apanha” os fundos de investimento

A medida não consta do programa do Governo e o Expresso chegou a noticiar que não estaria na nova proposta do Orçamento, mas Cotrim de Figueiredo, após a reunião esta segunda-feira com o Executivo, comunicou que o englobamento continua a estar previsto. Uma opção criticada pelos liberais.

“A maior parte das opções fiscais de IRS e IRC constantes do que foi discutido em outubro vão-se manter, incluindo as que pareciam ter sido incluídas por exigência do BE e PCP. A opção bizarra do englobamento de todos os rendimentos em sede de IRS não desapareceu”, disse o líder da Iniciativa Liberal.

Mas aos parceiros sociais, na concertação social, o Governo nada disse sobre o englobamento. Ao Observador, uma fonte que esteve na reunião disse que o ministro das Finanças elencou várias medidas que vão constar no Orçamento — e que já estavam plasmados no documento chumbado no final do ano —, mas não referiu o englobamento (os parceiros também não fizeram perguntas a esse respeito).

Pagamento Especial por Conta tem mesmo o seu fim

Estava já na proposta de Orçamento de outubro e mantém-se a intenção de terminar com o pagamento especial por conta para todas as entidades. Com o atrasado, aliás, da entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2022, o Governo avançou com a dispensa de pagamento em março. Esta foi a forma encontrada para dar seguimento à medida antes da entrada em vigor do orçamento.

“Sem prejuízo da apresentação da nova proposta de lei OE2022 ser da competência do XXIII Governo, não existe outra forma de dar efeito prático à intenção já manifestada publicamente pelo primeiro-ministro, António Costa, quanto à manutenção da generalidade das regras constantes da anterior proposta de lei de OE2022, face à impossibilidade desta medida mediante processo legislativo autónomo prévio”, explicava a decisão divulgada em março assinada pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes.

Esta é uma medida que tem um custo fiscal também de 10 milhões de euros.

Fisco publica extinção do Pagamento Especial por Conta

Já em vigor estão as contribuições extraordinários para setores como a energia, banca, farmacêuticas e os adicionais ao IUC (imposto único de circulação) cobrado sobre os carros a gasóleo.

Crédito fiscal para as empresas que invistam

O crédito fiscal ao investimento deve voltar a constar na proposta de Orçamento, mas agora tendo impacto orçamental no próximo ano. Essa é pelo menos a referência dada no Programa de Estabilidade que inscreve um custo fiscal de 150 milhões de euros mas em 2023. Na altura, o Ministério das Finanças explicou ao Observador que “o crédito fiscal entrará em vigor este ano, mas apenas tem impacto orçamental nos anos seguintes em sede de IRC”.

Quando foi apresentado o Orçamento que acabou chumbado em outubro, Para 2022, dando expressão à retoma económica e ao fomento do investimento privado, o Governo introduz o Incentivo Fiscal à Recuperação (IFR), um crédito fiscal criado para as despesas de investimento realizadas durante o primeiro semestre de 2022, permitindo-se a dedução à coleta de IRC até 25% das novas despesas de investimento.

Atuar ao nível das rendas. Especialmente as mais antigas

Já constava na proposta de outubro e deverá manter-se. As rendas mais antigas (anteriores a 1990) não deverão poder ser aumentadas por via da lei das rendas — também conhecida como “Lei Cristas”, já que se propõe o adiamento dessa regra, ficando congeladas pelo menos mais um ano.

Este adiamento é possível porque, quando entrou em vigor a nova lei das rendas, foi implementado um período transitório de cinco anos, que acabou, primeiro, por ser prolongado para oito e mais tarde para dez. Se não fosse este adiamento, o aumento das rendas poderia ser realizado por negociação com o senhorio ou com base em 1/15 avos do valor patrimonial do imóvel. Se não existir acordo, o contrato considera-se celebrado com prazo certo por um período de cinco anos.

No programa do Governo, determina-se para a legislatura a identificação do número de famílias com contratos anteriores a 1990 e protegidas pela norma travão, pretendendo-se “garantir medidas que permitam a sua proteção efetiva, através de subsídios de renda ou de proteção contra uma transição unilateral dos contratos para o NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano), sem prejuízo da garantia do regular funcionamento do mercado de arrendamento urbano”.

Também ao nível do arrendamento, o programa do Governo prevê a “estudar a criação de uma resposta a quebras extraordinárias de rendimentos, que ponham em causa a manutenção dos contratos de arrendamento e possa evitar situações de despejo por razões conjunturais”.

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