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RODRIGO MENDES/OBSERVADOR

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Uma medida por dia. E se as empresas fossem obrigadas a divulgar o salário antes da entrevista?

Chega e Livre propõem obrigar empresas a revelarem aos candidatos o salário certo ou estimado antes da entrevista. Diretiva europeia já obriga a maior transparência, mas pode não ir tão longe.

Chega e Livre estão em dois campos ideológicos diametralmente opostos, mas pelo menos uma proposta têm em comum nos seus programas eleitorais: que os empregadores sejam obrigados a informar os candidatos a um posto de trabalho sobre a remuneração a ele associada antes da entrevista de emprego. O Observador passou à lupa os programas dos principais partidos que vão a votos a 10 de março e até ao dia das legislativas vai dissecar uma proposta por dia.

As propostas de um e outro partido têm algumas diferenças. O Livre põe o foco nos anúncios de emprego, que devem ser regulados para “garantir um mercado de trabalho mais transparente e com menos fricções e fraudes”, nomeadamente com a obrigatoriedade de apresentarem “uma remuneração mínima associada ao cargo“.

Já o Chega admite que o salário, certo ou estimado, não seja inscrito no anúncio de emprego, desde que seja transmitido ao candidato antes da entrevista por outros meios. “Assegurar que os anúncios de trabalho contêm um conjunto relevante de informação como, por exemplo, a identificação do empregador e o valor certo ou estimado da retribuição ou que esta informação é prestada ao candidato no contacto que precede a entrevista“, lê-se no programa eleitoral do partido.

Uma diretiva europeia sobre transparência salarial já se debruçou sobre o tema, mas pela redação pode deixar margem a que os candidatos possam ser informados sobre o salário só no decorrer das negociações, o que já é com frequência feito, e não necessariamente antes da entrevista. A diretiva — que ainda terá de ser transposta para a lei nacional — prevê, no artigo 5.º, que o candidato a um posto de trabalho “tem direito a receber”, da parte do possível empregador, informação sobre “a remuneração inicial ou o seu intervalo, com base em critérios objetivos e neutros em termos de género, para o posto de trabalho a que se candidata”; e, quando aplicável, “as disposições pertinentes da convenção coletiva aplicada pelo empregador em relação ao posto de trabalho em questão”.

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Ambos os dados devem ser fornecidos “de forma a assegurar uma negociação informada e transparente sobre a remuneração, por exemplo por meio da publicação de um anúncio de oferta de emprego, antes da entrevista de emprego ou por outro meio“.

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Na introdução da diretiva, as opções do empregador ficam um pouco mais claras: a comunicação pode ser feita no anúncio de emprego publicado, antes da entrevista “ou então antes da celebração do contrato de trabalho“. “As informações deverão ser fornecidas pelo empregador ou de outra forma, por exemplo pelos parceiros sociais”, acrescenta. Ou seja, os salários devem poder ser alvo de negociação e não uma incógnita para o trabalhador até ao derradeiro momento da assinatura do contrato.

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A falta de informação sobre o intervalo remuneratório “cria uma assimetria de informação que limita o poder de negociação dos candidatos a emprego”, lê-se na diretiva. Ter acesso àquela informação permitiria aos candidatos “tomar uma decisão informada sobre o salário esperado”, sem “limitar” o poder de negociação das partes para definir um salário mesmo que fora do intervalo indicado, “poria termo à subavaliação da remuneração em comparação com as competências e a experiência”, assim como combateria “a discriminação interseccional”.

No entendimento do advogado especialista em direito do trabalho Tiago Cochofel de Azevedo, da Antas da Cunha Ecija, o artigo 5.º apresenta dois exemplos — informação no anúncio ou antes da entrevista — “em que a partilha da proposta salarial assegura, à partida, tal finalidade“. Mas por se tratarem de exemplos, permite à empresa demonstrar que “muito embora o candidato não tenha recebido a informação antes da entrevista, recebeu-a posteriormente, ainda no decurso das negociações, tendo estas ocorrido de forma transparente no que toca a condições salariais”, segundo interpreta o advogado.

Tiago Cochofel de Azevedo lembra, porém, que a lei nacional “pode implementar soluções mais protetoras do candidato do que a diretiva”, por exemplo, tornando obrigatório a partilha das condições salariais antes da entrevista ou na oferta de emprego.

Jaime Costa, advogado da Santiago Mediano e Associados, tem outro entendimento, ao considerar que a redação do artigo 5.º impõe “expressamente” que a informação sobre remuneração seja transmitida “antes da entrevista de emprego”. “Resulta assim um duplo objetivo do legislador europeu: por um lado que a negociação decorra tendo o candidato acesso a esta informação, por outro que o acesso à informação seja sempre anterior à entrevista, podendo o candidato aceitar a realização da mesma ou desistir da candidatura”. A transposição da diretiva para a lei portuguesa estará a cargo da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), atualmente tutelada pelos ministérios do Trabalho e dos Assuntos Parlamentares.

O advogado entende que a lei “não impõe um direito a uma proposta salarial” mas à comunicação da remuneração inicial ou o seu intervalo com base em critérios objetivos, o que pode ser concretizado com a apresentação de uma proposta salarial concreta ou de uma “tabela com intervalos remuneratórios possíveis”.

Para o advogado esta diferença é importante. “Do ponto de vista de um empregador é muito diferente ter de indicar uma proposta concreta de ter de indicar princípios e intervalos de remuneração. O tema das remunerações praticadas por um empregador constitui matéria comercialmente sensível que poucos empregadores querem ver exposta aos seus concorrentes, já que constitui parte da sua estratégia empresarial”, defende.

Por isso, considera “pouco crível” que os empregadores optem por indicar propostas concretas nos anúncios e acredita que vão preferir facultar a informação “em comunicação direta com os candidatos e mediante intervalos possíveis de remuneração”.

Já Tiago Cochofel de Azevedo acrescenta que o texto “parece sugerir um comportamento proativo da empresa”, ou seja, esta deve disponibilizar a informação sobre o salário “sem que o candidato tenha o ónus de a solicitar expressamente”.

A diretiva não antecipa as consequências para as empresas que não cumpram, “ficando a cargo de cada Estado a sua definição”. “Todavia, os Estados deverão prever sanções que se mostrem efetivas, proporcionais e dissuasivas. No nosso caso, tal passará, em princípio, pela responsabilidade contraordenacional da empresa, em termos a definir aquando da transposição da Diretiva”, afirma Tiago Cochofel de Azevedo.

Jaime Costa, advogado da Santiago Mediano e Associados, adianta que tendo em conta as atribuições da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), esta terá competência para fiscalizar o cumprimento das normas, assim como a CITE, com a emissão de pareceres e análise de queixas.

Empresas ainda evitam revelar salários nos anúncios

Não é ainda a norma colocar os valores salariais (concretos ou indicativos) nas entrevistas de emprego, de acordo com especialistas em mercado e lei laboral. “Não faz parte da prática de recursos humanos atual. Estamos ainda longe disto“, disse Joana Correia da Fonseca, advogada especialista em direito do trabalho da SRS Legal, num webinar realizado esta quinta-feira com a consultora Mercer.

Embora admita que “há certas organizações que já publicitam as suas vagas com intervalos salariais, pelo menos — raramente com a remuneração inicial já explícita —” essa prática “não é comum”. “Os candidatos têm uma ideia do seu valor de mercado, mas quando partem para a negociação não fazem qualquer ideia como é que a retribuição que lhes está a ser proposta se compara com a dos outros trabalhadores da empresa”, afirmou.

Segundo Joana Correia da Fonseca, estas novas regras de transparência pré-contratual foram estabelecidas na diretiva europeia porque “fruto de alguns estudos, se percebeu que as mulheres têm uma pré-disposição inferior para negociar” salários face aos homens, “muitas vezes porque já vêm de situações anteriores em que recebem menos”. “O que se entendeu é que o facto de a negociação pré-contratual não ser transparente estava a perpetuar um ciclo de remunerações inferiores para as mulheres”, acrescentou.

Ao Observador, Duarte Fernandes, CEO da Kwan, consultora de recrutamento na área da tecnologia, indica que a prática de inscrever valores nos anúncios varia consoante as funções para as quais se contrata. Para os cargos internos (da estrutura de gestão, por exemplo), o intervalo salarial é comumemente revelado, o que traz “eficiência” a todo o processo — os candidatos ficam logo a saber ao que vão, “não perdemos tempo nem eles perdem tempo”.

Mas para funções de consultoria, em que os futuros trabalhadores estarão alocados a um cliente, e que são em muito maior número do que as funções internas, essa prática não tende a acontecer. Por uma questão de “gestão das expectativas“, começa por dizer.

“Na prática, quando colocamos valores, os candidatos enviam as candidaturas para o anúncio com o valor mais elevado“, conta. Além disso, “como temos várias oportunidades em aberto, às vezes percebemos numa entrevista que a pessoa ainda não chegou ao valor que constava no anúncio em termos de conhecimento e experiência, mas que podemos encaminhá-la para outras posições”. Isso pode, segundo reconhece, “criar falsas expectativas” ao candidato — “por muito transparentes que sejamos, esta situação pode causar desconforto, a pessoa sentir-se enganada“. “Temos de ter uma gestão mais cuidadosa porque há um contexto de gestão do nosso setor que faz com que seja mais útil fazê-lo no contacto.”

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"Grande maioria das empresas tem políticas de sigilo salarial", diz especialista da área do recrutamento

AFP via Getty Images

Por isso, em muitos casos, os valores ainda não são revelados nos anúncios, mas são comunicados, garante, logo na primeira entrevista de emprego. Ou seja, a informação não é deixada para o último instante. “Numa empresa que está orientada para o recrutamento e vive neste setor não nos podemos dar ao luxo de deixar para o último momento.”

Duarte Fernandes, ainda assim, “por princípio”, é a favor de maior transparência salarial, mas também defende que uma eventual “imposição legal” tiraria “liberdade às empresas para poderem não o fazer nos casos em que isso não faça sentido”. “Uma empresa mais recente ou pequena, que ainda não tem contexto, pode estar a anunciar um salário demasiado baixo e não tem candidatos; ou anunciar salários elevados que vão atrair os mais qualificados mas depois não tem projetos para o nível deles. Isso gera ineficiências”, exemplifica. Porém, reconhece que a transparência no anúncio de emprego teria efeitos na equidade não só entre géneros, mas etnias.

Pedro Amorim, diretor comercial (corporate sales director) do Manpower Group, concorda que há efeitos positivos a nível de equidade, que seriam extensíveis a “funções e senioridades semelhantes”.

“Não basta publicar a política salarial definida, algo que hoje muitas empresas já publicam nos seus canais de comunicação interna. Além do anúncio de níveis de responsabilidade e patamares salariais e benefícios associados, há que avançar mais”, defende, numa resposta por escrito, embora reconheça que há entraves, incluindo a nível cultural. “Tendemos a considerar essa informação como sendo da esfera privada“.

Hoje, “a grande maioria das empresas tem políticas de sigilo salarial”. A divulgação da informação salarial — “e por vezes até do nome da empresa” — “ainda é vista como uma forma de revelar à concorrência valores e estratégias de negócio, levando a que as empresas não estejam tão disponíveis para o fazer”. Essas políticas de sigilo não existem só por causa dos concorrentes, mas também para “garantir a equidade interna e evitar possíveis tensões entre os funcionários”. A prática tem sido revelar os valores apenas durante a entrevista de emprego ou mesmo “na etapa final do processo de seleção, quando o candidato selecionado recebe a proposta”.

Mas Pedro Amorim entende que revelar a proposta logo numa fase inicial pode ser positivo. “Se o candidato tiver um enquadramento salarial prévio, consegue perceber à partida se a vaga lhe interessa ou não, sendo esta também uma forma de os empregadores balizarem e comunicarem o nível de senioridade da função.”

Portugal avalia se terá de fazer alterações à lei

Portugal já tem uma lei sobre transparência salarial, em vigor desde 2019, mas não se debruça concretamente sobre a transparência pré-contratual. Numa resposta por escrito enviada ao Observador, Carla Tavares, presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), indica que a lei, focada na igualdade remuneratória entre géneros, “aprovou medidas de promoção da igualdade remuneratória entre mulheres e homens por trabalho igual ou de igual valor, e garantiu que é disponibilizada, anualmente, informação estatística referente ao barómetro geral e setorial das diferenças remuneratórias entre mulheres e homens e ao balanço das diferenças remuneratórias entre mulheres e homens por empresa, profissão e níveis de qualificação”.

A CITE “está a liderar os trabalhos de transposição da Diretiva da Transparência Salarial para a legislação nacional, promovendo uma avaliação das matérias que já se encontram reguladas e as que carecem de alteração legislativa”, acrescenta. Foi, aliás, criado um grupo de trabalho que está a identificar “os casos em que a legislação portuguesa pode ter que ser alterada para efeitos de correta transposição da diretiva”, sendo que o artigo 5.º é um dos que está a ser analisado.

No webinar da SRS Legal e da Mercer desta quinta-feira, Carla Tavares reconheceu que, no geral, o resultado final da transposição para a lei portuguesa pode ser mais “alargado” face ao que dita a diretiva, que apenas estabelece um patamar mínimo.

A diretiva foi publicada em maio do ano passado e os países têm até 7 de junho de 2026 para a transpor para a lei nacional. Por exemplo, outra das alterações, também prevista no artigo 5.º proíbe o empregador de perguntar ao candidato sobre o seu histórico salarial. Após essa transposição, Portugal terá de remeter à Comissão Europeia, até 2031, um relatório de análise do impacto prático da aplicação das medidas previstas na diretiva.

Nos EUA, há vários exemplos de transparência salarial obrigatória nos anúncios de emprego. Segundo um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2022, no Estado do Colorado uma lei (“Equal Pay for Equal Work Act”, em tradução livre “Lei do Salário Igual para Trabalho Igual), que entrou em vigor em janeiro de 2021, obriga as entidades patronais a divulgar nos anúncios de emprego o salário ou o intervalo salarial, assim como uma descrição de outros tipos de remunerações ou benefícios como seguro de saúde, férias pagas (que, ao contrário de Portugal, não são obrigatórias), entre outros. Esta norma faz parte de uma lei mais alargada que também obriga a manter registos das descrições de funções e dos históricos salariais associados a cada cargo durante um período de tempo.

O Código do Trabalho do Estado da Califórnia também obriga, desde 1 de janeiro de 2018, o empregador a fornecer o salário ou tabelas salariais associadas ao cargo a pedido do candidato. E, segundo o Departamento de Relações Industriais daquele Estado, desde janeiro de 2023 que um empregador com 15 ou mais trabalhadores deve incluir o leque salarial em todos os anúncios de emprego, mesmo que o anúncio seja publicado por uma terceira parte. O estado do Connecticut também, em 2021, promulgou uma lei que obriga empregadores a divulgar aos candidatos e trabalhadores os leques salariais para os respetivos postos de trabalho.

Um estudo feito à escala global pela consultora Mercer, de 2023, concluiu que apenas 14% das multinacionais incluem informação sobre a compensação nos anúncios de emprego, independentemente da legislação. Mas 45% das organizações questionadas planeavam rever a forma como abordam a transparência salarial no ano seguinte.

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