A ideia veio a reboque do debate sobre o futuro do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), ainda no rescaldo da morte de um cidadão ucraniano às mãos dos inspetores desta força policial. Na entrevista que deu à RTP, esta segunda-feira, João Ferreira apontou à “situação relativamente anacrónica” que existe em Portugal, no que respeita às forças de segurança: “Às vezes, dentro do mesmo concelho, temos as duas forças a desempenharem o mesmo tipo de funções.” O candidato presidencial apoiado pelo PCP falava da PSP e da GNR. Mas terá traçado um retrato fiel da realidade do país?

Sobre a questão de partida — deve ou não avançar-se com uma unificação das várias forças, um debate que voltou a marcar a atualidade mediática —, João Ferreira empurrou para a frente. Só com uma “reflexão” mais profunda, disse, o candidato presidencial poderá assumir uma posição definitiva sobre o assunto. Aquilo a que o comunista não escapou foi a deixar uma nota sobre uma situação que considera “anacrónica” em duas das principais forças de segurança portuguesas.

Ora, a esse respeito, a frase de João Ferreira junta duas questões: por um lado, a ideia de que, em alguns casos, as duas forças de segurança operam no mesmo concelho. Sendo rigorosa — isso acontece em casos pontuais —, ela não permite uma perceção global.

Há uma definição recorrente entre os especialistas em segurança interna para determinar como se distingue a presença territorial de cada uma das destas forças. A PSP tem jurisdição sobre 10% do território nacional, onde está concentrada 90% da população; a GNR distribui-se por 90% do território, onde se encontra 10% da população. Noutros termos, a PSP está nas zonas urbanas e a GNR nas zonas rurais do país.

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Mas, em alguns casos, as duas forças coabitam, de facto, “no mesmo concelho”. É isso que explica ao Observador, de forma clara, o porta-voz da GNR. “A Guarda está em muitos locais que são da PSP”, diz o tenente-coronel Hélder Barros. É, por exemplo, o caso de Sintra. Naquele concelho, um dos mais populosos do país, a vila é responsabilidade da força militar, da mesma forma que o restante território está sob jurisdição da PSP. É, também, o caso de Peniche. A cidade está sob comando da PSP e, à volta, a GNR garante a segurança e ordem públicas. Além disso, é comum que o comando territorial da força militar esteja localizado nas capitais de distrito (portanto, em áreas de jurisdição da PSP): Santarém, Leiria, Évora, Beja, Portalegre, são exemplos enumerados pelo responsável da GNR.

Isso não significa, porém, que as forças se sobreponham no espaço. “Podemos ter as duas forças no mesmo território, mas as competências [no que respeita à área de intervenção] estão definidas”. E não coincidem uma com a outra. No caso de Sintra, por exemplo, a PSP não intervém na área que corresponde à vila e a GNR não atua no restante território do concelho.

Outra ideia que sobressai das palavras de João Ferreira é a de que militares e civis desempenham “as mesmas funções”. Também aqui está em causa uma verdade incompleta — ou uma conceção da realidade que pode gerar equívocos.

Nas competências atribuídas a estas duas entidades, há ações que são, em tudo, iguais. São competências que podem ser arrumadas sob o “chapéu” da garantia da ordem e segurança públicas. Mas, depois, há diferenças claras e que decorrem, aliás, das tipologias de territórios em que cada uma delas intervém (urbano ou rural).

Analisando o caso da GNR, funções como a de investigação criminal na área fiscal, a do controlo da costa, combate a incêndios ou as funções de honras de Estado são-lhe exclusivas. Nestes âmbitos, não há cruzamento, sobreposição ou equiparação de unidades e áreas de intervenção entre a força militar e a PSP.

Apesar dos vários estudos que já foram feitos nas últimas décadas sobre o futuro das polícias em Portugal— um dos maiores, conduzido no tempo em que António Costa era ministro da Administração Interna —, esse debate foi agora relançado na sequência da morte de um cidadão ucraniano, Ihor Homeniuk, nas instalações do SEF. O caso ocorreu em março e, nove meses depois, ganhou nova força, entre outras razões, pelas palavras do atual diretor nacional da PSP. À saída de uma audiência com o Presidente da República, Magina da Silva defendeu a extinção da polícia de fronteiras, o SEF, e a “fusão” com a PSP numa polícia nacional.

Eduardo Cabrita no Parlamento nove meses depois de morte de Ihor Homeniuk no SEF

A declaração levou o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita — que continua sob fortes críticas no caso da morte de Homeniuk, mesmo depois da demissão da diretor do SEF —, a vir a público dizer que “não é um diretor de Polícia” quem anuncia quaisquer reformas na área. Esta terça-feira, o MAI foi ouvido na Assembleia da República.

Conclusão

Apesar de não contar a história toda, à declaração de João Ferreira falta uma parte do contexto. É verdade que PSP e GNR atuam, em alguns casos, no mesmo concelho — mas isso não significa que desenvolvem ações exatamente no mesmo território, porque isso não acontece de todo. Também é verdade que uma e outra força desempenham, em muitos casos, as mesmas funções — mas não pode ignorar-se que há competências exclusivas e não sobrepostas de cada uma destas polícias.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

Nota: este conteúdo foi produzido pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com a TVI

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