1. A direita espanhola descobriu uma forma eficaz de responder às sucessivas causas fracturantes da sua esquerda, que, tal como a portuguesa, vive entre a realidade e a fantasia, misturando problemas políticos efectivos com delírios ideológicos.

Com a causa da exumação do cadáver de Franco do Vale dos Caídos, o PSOE e os seus novos aliados de extrema-esquerda quiseram fazer renascer a divisão histórica (e sangrenta) das duas Espanhas, encostando o Partido Popular ao franquismo para tentar obter no passado a legitimidade política que lhe falta no presente.

Era fácil cair na armadilha. Para ser encurralada, bastava que a direita entrasse neste labirinto retórico e dissesse, recorrendo ao bom senso, que a medida de trasladar um corpo ao fim de 40 anos é absurda, deslocada, extemporânea ou inútil (imaginem que o BE decidia reclamar a exumação do Panteão Nacional de Óscar Carmona, Presidente da República durante o salazarismo). Mas dizer qualquer uma dessas coisas, mesmo com todo o equilíbrio e ponderação, permitiria ao PSOE e à extrema-esquerda acusar o PP de simpatias pelo fascismo.

Por isso, a posição do Partido Popular foi muito mais subtil. Simplesmente, deu ao assunto a importância que ele tem: nenhuma. O vice-presidente do PP arrumou a polémica com duas declarações que lhe permitiram tratar os autores da proposta como políticos ligeiramente extraterrestres.

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Primeira declaração: “O Partido Popular não vai entrar nisto, não é um tema que preocupe os espanhóis. Este assunto não vai com a Espanha de 2018, nem com o PP. Abstemo-nos com absoluta indiferença”. Segunda declaração: “Por um lado, isto significa que o nosso partido não quer ter qualquer vinculação com um regime que era uma ditadura onde as liberdades não estavam garantidas. Por outro lado, acreditamos que deve haver um governo que não revolva e remexa na tumba de há 40 anos, mas que procure e encontre oportunidades para os espanhóis no futuro”.

A direita democrática não tem de se aproximar de ideias perigosas (que podem ir de Trump a Le Pen, passando por Franco) só porque pretende denunciar ou contrariar a extrema-esquerda. Às vezes (não sempre, mas às vezes), basta ignorá-la. Imaginem o dr. Louçã aos berros a falar sobre touradas ou sobre “princesas” enquanto a direita se limita a dizer: “Essa proposta absurda merece apenas a nossa absoluta indiferença”. Era capaz de resultar.

2. Rui Rio está de férias e quer que o deixem em paz. Aliás, quando Rui Rio não está de férias também quer que o deixem em paz. O líder do PSD gosta de anunciar, com cansativa insistência, que é diferente de todos os outros políticos — e, de facto, é mesmo diferente. Os seus amigos mais próximos, oscilando entre a soberba e a ameaça, usam uma frase de efeito: “Isto pode espantar algumas pessoas, mas ele não vai mudar”. Estão enganados: não espanta nada. Afinal, se “ele” não mudou nos três mandatos que fez na Câmara do Porto, e se a coisa até correu bem, por que estranha razão haveria de mudar agora?

O problema de Rui Rio não é esse. Nas últimas décadas, vários políticos tiveram sucesso colocando-se à margem das convenções políticas, afastando-se da “corte” da capital e ignorando (e hostilizando) os jornalistas. Ficando apenas na direita, houve Margaret Thatcher em Inglaterra, Ronald Reagan nos Estados Unidos e Cavaco Silva em Portugal.

Todos eles fizeram o mesmo que Rio, mantendo-se distantes e inflexíveis, mas nenhum deles chegou ao poder por causa disso. É um ponto que deve estar sempre presente na cabeça do líder do PSD: não foi por terem um feitio especial que os três conseguiram mobilizar maiorias políticas; foi por, de facto, incorporarem ideias que não tinham representação e eleitores que não tinham visibilidade.

Margaret Thatcher, Ronald Reagan e Cavaco Silva falavam para os trabalhadores que estavam asfixiados por sindicatos indevidamente poderosos e para as classes médias que estavam aprisionadas por sistemas envelhecidos e que aspiravam, legitimamente, a ganhar o dinheiro que lhes permitisse deixar a pobreza, sem complexos de culpa nem delírios revolucionários.

Rui Rio fala para quem e por quem? É possível resumir a sua liderança e o seu programa numa frase? Eu, confesso, não consigo. Mas, com a humildade que não caracteriza Rui Rio, admito que possa ser problema meu.