Duas datas trágicas para a Humanidade: no dia 27 de Janeiro, é o dia das vítimas do Holocausto e o fim do Bloqueio de Leninegrado, duas tragédias que provocaram muitos milhões de vítimas. Duas matanças que deveriam ter servido de vacina, mas, se serviram durante algum algum, o prazo de validade está a terminar. As forças malignas voltam a levantar a cabeça e ameaçam as sociedades democráticas modernas.
Há muitos descontentes com a situação na Europa, e têm razões para isso, a elite política afasta-se cada vez mais das necessidades reais dos cidadãos, a corrupção alastra, etc., mas, não obstante tudo, é preciso ter em conta que não há receitas rápidas para os problemas. Aqueles que prometeram o paraíso terrestre ao virar da esquina, voltam a fazê-lo de forma “light”, prometendo evitar exageros. Mas o resultado será igual: perseguições, campos de concentração, limpezas étnicas, opressão social. A sociedade europeia encerra ainda muito potencial evolutivo, reformista, e, como mostra a prática, as revoluções conduzem a becos sem saída.
É triste ver na Polónia, país que tanto sofreu devido ao nazismo e comunismo, forças ultraconservadoras, chauvinistas, xenófobas no poder. Mais triste ainda é ver que influentes sectores da Igreja Católica embarcam na onda de apoio a essas forças, não obstante o discurso do Papa Francisco ir no sentido contrário. Partidos extremistas estão no poder na Hungria, na Áustria, em Itália. A extrema-direita bate à porta do poder em países tão importantes como a França e a Alemanha.
Por isso, mais do que recordar o Holocausto, é necessário criar condições para que tal desgraça não se repita não só em relação a judeus, mas a qualquer outro povo.
Na Rússia, as autoridades decidiram assinalaram o 75º aniversário do fim do Bloqueio de Leninegrado com mais uma parada militar. Sobre isto apenas quero dizer que talvez fosse melhor canalizar o dinheiro gasto em paradas para o melhoramento da vida dos poucos habitantes da cidade que ainda continuam vivos. Foram 900 dias de fome e privações, de abandono e morte.
Como não podia deixar de acontecer na Rússia do Presidente Putin, esta data não podia passar sem uma “sábia decisão” dos dirigentes do país. Ainda o filme “Festa” estava a ser filmado, ainda ninguém o tinha visto, mas os “mais fiéis servidores do povo” gritavam para que ele não fosse exibido. Uma das acusações é que se tratava de uma “comédia”, o que seria inconcebível ao abordar um tema tão tenebroso como o Bloqueio de Leninegrado.
O realizador acabou por desistir da exibição em salas de cinema e colocou-o no Youtube para que os espectadores tirassem as suas conclusões. Eu e a minha mulher, alguns antepassados da qual morreram de fome durante o Bloqueio de Leninegrado, vimos esse filme com atenção. Claro que de cómico nem rasto, mas a causa do anátema contra o filme foi outra: o seu realizador tocou um tema sensível, quase tabu, a vida farta dos dirigentes comunistas da cidade de Leninegrado, enquanto que o povo tentava sobreviver à custa de meios impensáveis no século XX como o canibalismo.
Existem documentos com as ementas dos refeitórios especiais para os “camaradas dirigentes”, memórias, mas nada deve estragar a “versão heroica” da história.
“Festa” mostra os festejos de uma passagem de Ano Novo na casa de um professor que trabalhava num laboratório secreto, estava ligado ao Partido Comunista e, por isso, ele e a família tinham direito a produtos como pato, mortadela, champanhe, etc. O filho do professor leva uma jovem simples, por quem se apaixona, para a festa…
Fico-me por aqui para que os que queiram ver todo o filme não se sintam influídos pela minha posição.
O resultado da proibição da exibição do filme nos cinemas foi, como sempre, positivo para o realizador e actores: bem mais de um milhão de pessoas pesquisaram e viram o filme no Youtube.
Em Portugal, a extrema-direita continua a ser uma força marginal, embora a extrema-esquerda faça dela um monstro para justificar a sua própria existência. Veja-se a diferença entre as representações parlamentares de uma e de outra. Por isso, o que nos deve preocupar é a existência de forças de extrema-esquerda tão numerosas e de partidos como o PS as utilizarem como muleta. Os dirigentes socialistas também parecem ter-se esquecido das lições do passado, preocupando-se mais com o poder do que com o país. A oposição de centro e centro-direita perde-se em lutas internas, na criação de grupos e partidos. A democracia está cada vez mais pobre.
PS. Por coincidência, estas duas datas coincidiram com a publicação do meu novo livro “Os Blumthal”, mas trata-se de mero acaso. Os personagens do meu livro, reais, bisavós, avós e tios-avós da minha esposa e dos meus filhos e netos, viveram essas duas grandes tragédias, foram vítimas do nazismo e do comunismo. Por isso, quando decidi escrever esse livro, fi-lo para que a História não se repita e para que as gerações presentes e futuras não se deixem levar por novos/velhos cantos de sereia.