Luís Montenegro já o disse várias vezes: não é não. O líder do PSD é cristalino em duas coisas: não fará qualquer acordo com o Chega e não governa se ficar em segundo lugar nas eleições. Caso fique em primeiro lugar, seguirá a estratégia açoriana: tenta governar em maioria relativa até que alguém decida mandar o seu governo abaixo.

A estratégia pode ser contestada por uns e considerada à margem do novo normal (pós-2015) por outros, mas foi o caminho que Luís Montenegro escolheu. Por ser inverosímil o líder do PSD não aproveitar uma oportunidade que pode ser única para governar, os jornalistas (e bem) questionaram-no durante semanas. Montenegro manteve-se irredutível: caso fique em segundo lugar, mesmo que exista uma maioria de direita, não governa.

André Ventura, sem forma de contrariar Montenegro, disse no dia 25 de janeiro na CNN que “com ou sem Luís Montenegro haverá [Governo de direita com o Chega]. E eu tenho essa garantia”. O jornalista Anselmo Crespo questionou-o de imediato: “Tem essa garantia de quem?” E Ventura respondeu: “Isso não, não, não…” E complementaria, após questionado se era alguém do PSD: “Não posso revelar isso, mas tenho a garantia e confiança de que isso acontecerá.”

Desde então, o líder do Chega tem recusado em várias entrevistas dizer quem são essas “forças vivas”. Sugere que é gente importante no partido e insinua, sempre sem concretizar, que até podem ser dirigentes. Mas é absolutamente claro numa coisa: Montenegro nunca lhe deu essa garantia. Pelo contrário. Não se trata de duas versões diferentes: o líder do PSD e o líder do Chega dizem o mesmo.

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André Ventura continua, no entanto, a tentar mostrar que há muita gente no PSD que não se importaria que existisse um acordo com o Chega se essa for a forma de garantir que a direita chega ao poder e que o PS não governa. De forma hábil, e até legítima no quadro da sua estratégia eleitoral, foi-se desviando da pergunta. Voltou a fazê-lo esta segunda-feira, em entrevista à RTP: “Acho que não vale a pena”. Após insistência, debitou quatro nomes, todos de destacados militantes que já defenderam publicamente que o PSD não devia ter feito um cordão sanitário ao Chega: Passos Coelho, Miguel Relvas, Rui Gomes da Silva e Ângelo Correia.

Questionado sobre se eram estes nomes que lhe tinham dado a tal garantia, em privado, André Ventura explicou que não. E mais tarde reforçou que não ia mesmo revelar, como não tinha feito até aqui, quem eram essas pessoas. Deu-se até a situação caricata de Miguel Relvas e Ângelo Correia terem vindo desmentir conversas que Ventura não disse que teve. Mesmo que sejam aquelas quatro pessoas as “forças vivas” (e, aparentemente, não são) nenhuma delas é dirigente ou tem qualquer poder de decisão no PSD atual. Portanto, confiando na posição de Montenegro e do próprio Ventura, o não de Montenegro é mesmo não.

Pedro Nuno Santos não quis (e bem) cavalgar as declarações que não tinha ouvido, mas não resistiu (e aí já não tão bem) a reagir a dizer que “aquilo é uma confusão”. Mas não há confusão nenhuma. Muito menos nova. Luís Montenegro mantém a mesmíssima posição: não governa se ficar em segundo. E mesmo que Ventura dissesse que tinha a garantia de alguém da direção de Montenegro (o que não disse), o líder do PS não pode desacreditar o líder do Chega para tudo, mas acreditar nele para o que lhe dá jeito.

Não há razões para duvidar da palavra de Luís Montenegro porque o próprio hipotecou qualquer hipótese de a refazer ou atualizar. Desdizer, depois das eleições, o que tem dito na campanha seria fazer pior do que Costa em 2015 (que omitiu dos eleitores os planos que tinha para formar a geringonça). Nesse caso, o líder do PSD teria ganho eleições com base numa mentira e, aí, em nome da decência política, o Presidente da República teria razões para não dar posse a esse Governo.

Constatar a clareza de Luís Montenegro não é, no entanto, dizer que esta é a melhor estratégia para chegar lá. Lá, a primeiro-ministro. Se o não ao Chega, tendo em conta taxa de rejeição do partido, pode aproximar o voto ao centro, o dizer que não governa se ficar em segundo pode levá-lo a uma inesperada fatalidade. O que o PS fez em 2015 (e José Manuel Bolieiro repetiu em 2020) foi mudar a praxis da governabilidade da política portuguesa. A partir daí passou a ser politicamente legítimo o que já era constitucional: o segundo partido mais votado governar. E aí há um cenário pouco falado, mas que não é de todo impossível. Mesmo tendo em conta as sondagens e as respetivas margens de erro. Por absurdo, se a AD ficar em segundo, mas a poucos votos do PS, e em conjunto com a IL formar uma maioria (sem o Chega), Luís Montenegro, em coerência, não poderia assumir o cargo de primeiro-ministro. Nesse caso, o não a governar após ficar em segundo lugar, provavelmente será um nim.