O ministro das Infraestrutras e Habitação, Pedro Nuno Santos, acaba de apresentar a sua demissão ao primeiro-ministro que a aceitou. Demite-se, tal como o seu secretário de Estado, na sequência do caso Alexandra Reis, a paradigmática ex-secretária de Estado do Tesouro, já que substancia tudo quanto um apparatchik é e faz – este texto de Henrique Monteiro, que muito recomendo, sobre o caso infame de Alexandra Reis e da sua indemnização, é exemplar.

A indignação dos portugueses com as suas condições de vida e com a sucessiva desmoralização política do PS de António Costa é inequívoca. E desmente as palavras do próprio António Costa na sua inesquecível entrevista à Visão que atribui essa indignação «à central de soundbites da direita» e a criações da «bolha mediática».

O caso Alexandra Reis, como a demissão de Pedro Nuno Santos, exigirá dos «assessores que «percam» mais do que «duas horas» a resolvê-los. Mesmo que sejam duas horas para cada um: duas horas para a TAP; duas para Alexandra Reis; e mais duas para Pedro Nuno Santos. António Costa, já sabemos, «nem um segundo» perderá ainda que a sua desfaçatez tenha encontrado a perfeita simetria na desfaçatez de Alexandra Reis: espelham ambos os vícios da partidarização do governo e da administração pública – e já que estamos nisto, senhora ex-secretária de Estado do Tesouro, a questão não é se a sua indeminização é ou não legal. É se é decente. Enfim, imagino que a ética pública a transcenda.

Nenhuma das duas demissões, a de Alexandra Reis e a de Pedro Nuno Santos, esclarece o que precisa de ser esclarecido.

O governo tem explicações a dar aos portugueses e a Bruxelas e não as deu ainda: a TAP tem recebido e continua a receber milhões euros dos contribuintes portugueses e milhões de fundos europeus para se reestruturar. Em que termos? Não sabemos. Foram pelo menos 3,2 mil milhões euros – isto para «salvar» o que precisou de ser nacionalizado, o risco, mantendo privado o negócio e o lucro; e revertendo o processo de privatização da TAP em curso no governo de Passos Coelho.

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A reestruturação de uma empresa com dinheiros públicos não pode contemplar indemnizações e bónus aviltantes para uma população de quatro milhões de portugueses que vivem abaixo do limiar da pobreza, em tempo de inflação e com a recessão à porta. Ainda que saibamos que parte desses fundos serviram, de facto, para rescisões com funcionários da TAP, de pilotos a administradores. Não sabemos, no entanto, quanto desses fundos, como também não sabemos os termos desta reestruturação: o processo não tem, nunca teve, transparência.

O dinheiro público não é para pagar a apparatchiki. Pior. A tutela afirma desconhecimento. Desconhece-o? Isto é verdade? A administração da TAP prestas contas a quem? Não é ao Ministério das Infraestruturas e Habitação e ao Ministério das Finanças? Se há desconhecimento, é incompetência. Se há conhecimento, é inadmissível. Isto não é uma falha de comunicação. Isto é opacidade política. É uma vergonha.

Um governante deve ser um referente, não um oportunista ou um fazedor de clientelas. Não apenas Alexandra Reis jamais deveria ter aceitado a indemnização, se ia para a NAV, como nem deveria ter sido convidada para tal empresa pública uma vez indemnizada, e muito menos para o Tesouro onde iria tutelar a TAP. É um despropósito. Mas a responsabilidade não é só de quem aceita, é de quem convida. A responsabilidade é, mais uma vez, do governo. E este governo, com a saída de Pedro Nuno Santos, vai encontrar oposição dentro das suas próprias linhas. A luta aberta pelo poder dentro do Partido Socialista começou.

António Costa tem legitimidade política. Tem uma maioria absoluta. Mas tem competência política para nos governar? Não. Basta olhar para os governantes. Basta olhar para o país. Tem demonstrado à saciedade que não. Estamos em perda democrática. Podemos habituar-nos às guerras dentro do PS. Mas ninguém se vai habituar a isto.

A autora escreve segundo a antiga ortografia