Chova ou faça sol, o nosso sistema de partidos raramente funciona e no Verão nota-se mais, como aconteceu no ano passado, quando o primeiro-ministro foi de férias enquanto o país ardia e mais de cem pessoas morriam. Oxalá este Verão seja misericordioso mas, embora tenha chegado atrasado, veio em brasa… E por que o sistema partidário não funciona é que os eleitores portugueses se abstêm 50% em média e às vezes mais, como será o caso nas próximas eleições europeias, cujos resultados pouco dirão do que a maioria de nós pensa a respeito da UE e do seu futuro próximo.

Como os outros países membros, também em Portugal há inimigos da UE à direita e à esquerda; no nosso caso, os soberanistas estão dentro e fora do actual governo. Isto ajuda a explicar por que razão as políticas governamentais são umas contra e outras a favor da política europeia, conforme convém em termos eleitorais. O ministro das Finanças faz por manter a nossa situação monetária dentro do limite dos maiores devedores e dos maiores gastadores, bem como dos que menos crescem economicamente, mas não fizemos nem faremos nenhuma das reformas que UE já preconizava antes da «grande recessão».

Em vez disso, o governo actual gaba-se de ter revertido todos os esforços feitos durante a crise: O investimento estagna muito abaixo do que já foi e a dívida mantem-se ao nível de 2012; o emprego aumenta mas a emigração continua, os salários pouco crescem e a produtividade cai, como conclui o Conselho das Finanças Públicas: «o capital por trabalhador é cada vez mais baixo»…

Por tudo isso é que, com a modorra estival, o 112 não responde, o Alfa Pendular não tem ar condicionado e o sistema público de saúde nunca esteve tão mal financeiramente… Entretanto, as empresas estatais, que já tinham um défice de 23.000 milhões de euros em 2010, estarão este ano acima de 31.000 milhões

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Perante este quadro, o governo não gere — limita-se a manipular o país em função dos telejornais onde repete o rol das promessas por cumprir. Na realidade, sobrevive porque não tem oposição. À esquerda, figuram um BE diminuído pelos últimos acontecimentos e um PCP preocupado em salvaguardar o seu eleitorado declinante. Ambos perderam a capacidade de espicaçar o PS enquanto este se mexerá o menos que puder daqui até às legislativas, pois a maior parte das iniciativas que poderá tomar, tirando aumentar os ordenados e os «jobs», serão mais para perder do que para ganhar votos.

Ao centro, o Presidente da República esbraceja – ora felicita, ora ameaça – mas não tem poderes para mais. Agora preocupa-se com o «fraccionamento» da oposição… Mas qual oposição? Onde está ela? Todos já perceberam que ela acabou no dia em que Passos Coelho renunciou a remar contra a maré. Na verdade, aqueles a quem o governo e os seus apêndices chamam «a direita» já não existem; se é que alguma vez existiram fora do círculo de Passos Coelho enquanto conseguiu segurar uma maioria no parlamento.

Já na altura sabíamos perfeitamente que o «soberanista» Paulo Portas só não derrubou a maioria de 2011 porque Cavaco e Passos Coelho o impediram, mas nenhuma das reformas necessárias acabou por se realizar, permitindo as fáceis mas onerosas reversões da «geringonça». Mal se viu livre do governo, Portas foi fazer negócios e entregou o CDS a quem não se fará rogado se e quando o PS lhe pedir um favor. Aliás, o CDS foi sempre «nacionalista», que é o nome que se dava antigamente aos actuais «soberanistas». O espectro do «fascismo» não lhe permite concordar com a extrema-direita anti-europeia mas, se o Brexit não tivesse explodido na cara dos seus autores, certamente que o CDS olharia com saudade o tempo da «mais antiga aliança»…

Quanto ao PSD, Rui Rio foi desde o início da crise promovido por antigas forças internas do seu partido com acesso privilegiado à «mídia» e que não escondiam uma total oposição a Passos Coelho e a um PSD reformador, a pretexto de outro «soberanismo» mais sofisticado do que o do CDS mas não menos inimigo da UE. Ainda me recordo de um jornalista da TV perguntar a António Costa, por altura das eleições de 2015, como encarava este a formação de um «bloco central»? O líder do PS não hesitou: «Ainda se o líder do PSD fosse Rui Rio…»! Aí nasceu a «geringonça», como vários observadores perceberam semanas antes da votação de Outubro!

Com o acesso de Rui Rio à liderança do PSD cessaram quaisquer veleidades oposicionistas e muito menos reformadoras. O ressurgimento de Santana Lopes é «puro teatro». Rio e Cristas apoiarão Costa sempre que o PS precisar de mostrar um mínimo de respeito pelas regras da UE. O PR escusa de ter medo da fragmentação da oposição: ela já está rendida e nem possui qualquer projecto. O PS já a absorveu com o chamariz do «poder», tal como os partidos da «geringonça».