Portugal está entregue aos clones de Schettino, aquele rapaz simpático que há onze anos  comandava junto à costa italiana o navio de cruzeiros Costa Concordia e que após ter manobrado mal o navio se pôs de imediato a salvo do naufrágio. Schetinno diz que não abandonou o barco mas sim que foi ejectado para o bote. Quanto ao acidente também não resultou de uma manobra mal feita mas sim das alterações climáticas…

A conversa telefónica que nesse 13 de Janeiro de 2012 teve lugar entre Schettino a salvo no seu bote e Gregorio de Falco o responsável pela capitania tornou-se antológica. Falco percebe que Schettino abandonara o navio onde mais de quatro mil pessoas lutavam pela vida. Dá-lhe ordens para que regresse de imediato ao barco e organize as operações de socorro. Schettino vai argumentando que está escuro logo não vê o suficiente para regressar, que não vale a pena tentar voltar ao navio porque outros já estavam a tratar dessas operações e assim sucessivamente até que um furioso Gregorio de Falco  lhe grita ‘Vada a bordo, cazzo‘ que podemos traduzir por “Vá para bordo, porra!” (obviamente que é muito mais vernáculo). Schettino não regressou. Das 4.229 pessoas que estavam no cruzeiro, 32 morreram e 64 ficaram feridas. A frase “Vada a bordo, cazzo” acabou estampada em t shirts. Isto há onze anos. Em Itália. Mas aqui, neste canto, em 2023, Schetinno produziu discípulos e tornou-se um padrão. Olhando à nossa volta percebemos que esse sorridente-irresponsável se tornou entre nós no protótipo de quem exerce cargos de poder: querer agradar a todos, não assumir quaisquer  responsabilidades e procurar salvar a pele são as regras dominantes.

Não é de admirar portanto que Portugal pareça cada vez mais um imenso Costa Concordia cheio de Schetinnos. Aqui ficam alguns. Os dos últimos dias.

José Sá Fernandes, coordenador do grupo de projeto criado pelo Governo para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023, não se lembrou que devia conhecer o projecto do altar. Com a ligeireza própria de alguém que nunca se responsabilizou pelas consequências dos seus actos, José Sá Fernandes declara “Não conheço o projecto”. Se o coordenador do grupo de projeto criado pelo Governo para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023 não conhece o projecto do altar principal quem o conhecerá?

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D. Américo Aguiar, presidente da Fundação JMJ Lisboa 2023 nunca se lembrou de perguntar o valor do altar onde o Papa celebrará missa durante a Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023. Quando soube o custo declarou, como se fosse um recém-chegado a este assunto: “Confesso que o valor do palco me magoou”. Como é que um homem que é (ou era até esta polémica) apresentado como futuro cardeal patriarca de Lisboa não percebe a sensibilidade de um assunto desta natureza? Não vê que o ónus da questão acabaria inevitavelmente a cair sobre uma igreja que vive acossada pelos escândalos sexuais e que não encontra solidariedades na hora de denunciar  o activismo laicista (coisa muito diferente da laicidade)? D. Américo Aguiar diz-se magoado com o valor do altar. Mas tem rapidamente de se deixar de mágoas e tratar de pedir responsabilidades. A quem? A si mesmo.

Gomes Cravinho. Aqui estamos perante uma espécie de quebra-cabeças: inicialmente o ministro não se lembrava que sabia da derrapagem das obras no Hospital Militar de Belém. Depois lembrou-se que sabia (ou alguém lhe lembrou que havia um ofício a lembrá-lo) mas explicou que saber da derrapagem nas depesas não é a mesma coisa que autorizar que essa despesa com derrapagem se realizasse. Na prática as obras com derrapagem continuaram. O ministro que sabia mas que defende que saber não é o mesmo que autorizar diz ter condições para continuar ministro. Os contribuintes pagam. Pagam as obras, pagam a derrapagem e pagam o ministro.

Pedro Nuno Santos. Não se lembrava de ter autorizado a indemnização da TAP a Alexandra Reis. Depois a CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, foi ao parlamento e declarou ter recebido autorização “por escrito” do secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, para pagar a indemnização a Alexandra Reis.  O ex-ministro Pedro Nuno Santos corre para o Whatsapp e acaba a lembrar-se que sabia. O antigo secretário de Estado das Infraestruturas soube que tinha chegado a hora de alterar o depoimento que dera à TAP sobre o que sabia sobre este assunto. Em resumo, é a versão revista e actualizada do eu sei que tu sabes que eu sei.

Por fim mas não por último temos a questão: o que sabe Marcelo? Creio que o próprio Marcelo não sabe responder a esta pergunta tal é a sua pressa em saber apenas o que lhe convém. A forma como reagiu aos custos do altar-palco é sintomática dessa vertigem do Presidente: a 26 de Janeiro, o DN escrevia:  “O Patriarcado de Lisboa garantiu esta quinta-feira à SIC Notícias que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sabia dos custos avultados (4,2 milhões de euros) do palco para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) e explicou que todas as decisões sobre o evento são tomadas por várias entidades, entre elas as autarquias de Lisboa e Loures e a fundação que organiza o evento.” Nesse mesmo dia D. Américo Aguiar, presidente da Fundação JMJ Lisboa 2023 declara aos jornalistas a propósito dos custos com o altar-palco: “Eu não sabia, o senhor Presidente da República não sabia e não é verdade que o senhor Presidente da República soubesse. O que é que nós sabíamos? Sabíamos o global.” O problema é que o diabo está nos detalhes! Dizer que não se sabe tornou-se uma táctica de sobrevivência. Dizer que o outro sabia uma forma de ataque.

Perante tais personagens algo me diz que se gritássemos a cada um deles  “Vada a bordo, cazzo” na esperança de os ver assumir as suas responsabilidades e fazer o que deviam ter feito, as respostas que escutaríamos não seriam diferentes daquele titubear que, da segurança do seu bote, Schettino ia proferindo enquanto no barco, que ele não soubera manobrar e entretanto se afundava, milhares de pessoas desorientadas procuravam escapar com vida.