Uma sondagem publicada com o “selo” da Universidade Católica trouxe uma revelação surpreendente: embora Luís Montenegro seja avaliado pela maioria dos inquiridos como competente, honesto, confiável e mais capaz de promover o crescimento económico, à pergunta sobre quem está “mais bem preparado” para ser primeiro-ministro ganha Pedro Nuno Santos, embora a vantagem não vá além de um ponto percentual. Mas dá que pensar.

Poderá extrapolar-se, portanto, com natural desconforto – a serem levados a sério os indicadores da sondagem -, que os portugueses preferem ter alguém menos competente investido nas funções de primeiro ministro, o que é um contrassenso e parece contrariar a proclamada sabedoria popular.

Dir-se-á que a vantagem de Pedro Nuno sobre Montenegro é tão escassa que reflecte um “empate técnico”. Mas é esse o nó do problema.

Como é possível que, apesar das várias trapalhadas em que o novo líder do PS se envolveu, quer no governo, quer no parlamento, haja ainda uma significativa amostra de inquiridos que lhe dão o benefício da dúvida e o colocam à frente de Montenegro, quando se fala num deles para primeiro ministro? É perturbador.

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É verdade que Pedro Nuno, ao contrário de Montenegro, tem experiência de governante. Porém, um susto.…

Enquanto secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, no primeiro governo de António Costa, ufanava-se da sua eficácia na gestão da “geringonça”, fazendo “pontes” com o PCP e o Bloco de Esquerda, solução que sempre defendeu e que aspira reeditar.

Depois, como ministro das Infraestruturas e da Habitação deixou marcas para esquecer, e acabou por ser forçado a demitir-se, substituído por outro caso perdido, chamado João Galamba, que acabou também na demissão, só pecando por ser tardia.

Ao fim de quase oito anos com assento na governação, Pedro Nuno não ficou bem no retrato em fato de ministro, desde as peripécias com a TAP e a indemnização da sua ex-CEO, até à localização do novo aeroporto de Lisboa – aqui desautorizado e humilhado por António Costa -, além das contradições na ferrovia e na aquisição, em Espanha, de material circulante envelhecido. A par disto, na Habitação, a inércia falou mais alto, como os números o comprovam.

Com aquela ligeireza que há muito o caracteriza, Pedro Nuno, orgulhoso do negócio feito com a Renfe, não foi modesto ao afirmar que Portugal “pode ensinar a outros Estados estrangeiros e também a alguns privados como fazer bons negócios”. Contas feitas, nunca a sucata espanhola valeu tanto…

“Afinal o que é que não funciona?”, perguntou, entretanto, Pedro Nuno, como se estivesse recém-chegado de outro planeta. Ou perdeu a noção da realidade ou faz dos portugueses tolos.

Será que foi este currículo que sensibilizou os inquiridos no estudo da Católica, ao ponto de considerarem Pedro Nuno “mais bem preparado” para ser primeiro ministro? Estranho.

É certo que o eleitorado tem exibido sinais de uma forte amnésia, desde logo consentindo que o PS governasse tempo demais, inclusive, com duas maiorias absolutas, protagonizadas pelo inesquecível José Sócrates – ainda a contas com a Justiça -, e por António Costa, por ironia do destino também alvo de um inquérito do Ministério Público, instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, “por ser esse o foro competente”.

A julgar pelo estado em que se encontra o País das “contas certas “  – que fazem a felicidade dos fieis do Largo do Rato -,  os sarilhos que rodeiam o partido e o governo deveriam ser suficientes para persuadir o eleitorado a não repetir erros passados e a mudar de rumo.

Tal hipótese, contudo, não parece garantida, se atendermos à média das sondagens conhecidas. De facto, de acordo com “Sondagem das Sondagens”, elaborada pela Rádio Renascença, a vantagem ainda cabe ao PS, embora por curta margem.

Ora, como explicar este bizarro fenómeno, quando seria expectável que a maioria do eleitorado estivesse zangada com o PS, devido ao  caos nos hospitais do SNS, ao desnorte nas escolas públicas, aos protestos dos policias e da GNR (a pisar a fronteira da legalidade), ou aos atrasos crónicos na Justiça?

Há quem atribua este comportamento anómalo ao peso do funcionalismo público e da legião de reformados e de pensionistas, que António Costa procurou “mimar”. Mas isso seria equivalente a passar um atestado de menoridade a um importante segmento populacional, onde há muito quem pense pela sua cabeça e não se deslumbre com mais umas vitualhas na dispensa.

O certo é que, sob a égide socialista, o País regrediu e foi ultrapassado por vários parceiros europeus, algo que é factual, por muitas voltas retóricas que haja quem queira dar.

O país empobreceu comparativamente, e as manchas dessa pobreza estão à vista no aumento dos sem-abrigo ou na miséria envergonhada que se pressente em largos sectores populacionais, bem testemunhada no Banco Alimentar Contra a Fome.
Aliás, a pobreza em números oficiais, segundo o INE, é arrepiante. Aumentou em 2022 e abrange já 17% da população, que se traduz em 1,78 milhões de pessoas que viviam, em 2022, com menos de 591 euros por mês, ou seja, abaixo da linha de pobreza.

De acordo ainda com o INE, o aumento da pobreza abrangeu todos os grupos etários, embora de forma mais significativa os menores de 18 anos. E o crescimento da taxa de risco de pobreza afectou mais expressivamente as mulheres do que os homens.

Por fim: para “compor” o salário – e muito se tem falado ultimamente dos “gratificados” da PSP – soube-se agora, também pelo INE, que o duplo emprego abrangeu mais de 250 mil portugueses em 2023, uma subida de 7% face a 2022. Um recorde desde 2011.

Não admira, pois, que se tenha agravado, entretanto, a dependência do assistencialismo do Estado, uma “arma eleitoral” usada pelo governo sem grande parcimónia.

Quererá o País continuar a ser (des)governado pelo PS, agora pela mão de Pedro Nuno Santos?

Se ainda houvesse dúvidas sobre a proeminência do seu ego, bastaria tê-lo ouvido na televisão, no frente- a- frente com Inês Sousa Real, a reclamar, sem pudor, que o País lhe deve a reestruturação da ferrovia.

Com um tocante desprendimento, Pedro Nuno assumiu que “o país ferroviário está em obra por causa de um governo do PS e por causa de mim”. Comovente.

Tanta modéstia é a expressão pura do seu ADN.

Já no plano internacional, e com a desenvoltura própria de quem se sente em vésperas de ascender ao poder, Pedro Nuno disse duas coisas notáveis fora de portas.

Em Bruxelas, recebido pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou, peremptório, que o encontro “permitiu reafirmar a nossa crença partilhada no espírito do projecto europeu, contra as ameaças da extrema-direita”. Não consta que tenha mencionado os mesmos receios em relação à extrema esquerda, com a qual convive bem.
Embalado nessa tónica, e noutro encontro no Parlamento Europeu com representantes da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas, o líder dos socialistas portugueses rejeitou qualquer participação da extrema-direita nas decisões políticas.
E advertiu, para quem tivesse ainda ilusões, que “para nós, é muito claro: quando se trata da extrema-direita, não significa não. Nada de coligações, nada de acordos parlamentares, nada de negócios ocultos nos bastidores, nada de cópias em papel da sua agenda dura”.
Para ilustrar e dar corpo a esta posição, Pedro Nuno correu a instruir o PS açoriano para votar contra o programa do governo regional, com base numa coligação liderada pelo PSD, fazendo-a depender do Chega.

Antes, Pedro Nuno estivera em Madrid, com o seu correligionário Pedro Sanchéz, apregoando, humilde, “um processo de aprendizagem permanente entre dois líderes”, porquanto “bebemos a experiência de cada um”.

A confissão não surpreende, depois de Sanchéz ter copiado a “geringonça” de António Costa, para governar sem ganhar eleições, aliando-se, até, com independentistas confessos, algo também inédito no país vizinho.

Com o discurso de que Portugal e Espanha estão a trabalhar “em conjunto no quadro europeu para responderem ao desafio da ascensão da extrema-direita”, Pedro Nuno protegeu, novamente, em coerência, o esquerdismo militante que lhe vai na alma.

Para este pregador da esquerda radical socialista, depois do frentismo da “geringonça “, que paralisou o País, só outro frentismo idêntico, acrescentado, talvez, de Rui Tavares e de Inês Sousa Real, ambos disponíveis há muito.

O PS podia ter escolhido Fernando Medina ou José Luís Carneiro, para sucederem a António Costa. Em vez disso, a opção do partido “escorregou” num mito chamado Pedro Nuno Santos, para quem, em junho de 2011, “só há uma liderança que coloca Portugal à frente de tudo: é a de José Sócrates, é a liderança do Partido Socialista”.
Descontado o “pormenor” do dinheiro dos amigos, são ambos tão parecidos nos arroubos que parecem irmãos-gémeos. Partilharam uma admiração recíproca. E alimentam-se, entre os seus, de um carisma de “faz de conta” …