Ao lamentar não ter sido feita no PS uma reflexão “no pós-socratismo”, a ex-ministra e ainda deputada, Alexandra Leitão – responsável anunciada pela moção de estratégia de Pedro Nuno Santos –, cometeu um erro de palmatória.

É que nunca houve “pós socratismo” no PS pela razão simples de que a influência de José Sócrates permaneceu sempre viva no seio da família socialista, como se viu pelos seus fiéis que foram alçados, em funções relevantes, nos governos de António Costa, desde João Galamba, a Vieira da Silva, a Augusto Santos Silva ou ao próprio Pedro Nuno Santos, além de tantos outros, sem esquecer Pedro Silva Pereira no Parlamento Europeu.

A partir do poiso na Ericeira, Sócrates nunca esteve parado, “adubando” as relações com a corte antiga, e, de um modo mais visível, com as principais redacções, que nunca lhe regatearam espaço para publicar as suas diatribes contra o Ministério Público, que o investigou, ou contra aqueles juízes que não se encolheram, nem se dispuseram desvalorizar as suas façanhas.

Mesmo António Costa, que ocupou lugares de destaque nos governos de Sócrates, refugiou-se no mantra de “à Justiça o que é da Justiça”, evitando afrontar o ex-primeiro ministro, até tardiamente reconhecer, em abril do ano passado, num livro do jornalista Joaquim Vieira, que “ele, de facto, aldrabou-nos” (ao PS).

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Ironicamente, passados quase dez anos sobre o desencadear da “Operação Marquês”, com a detenção preventiva de Sócrates em novembro de 2014, a Justiça tem marcado passo, e, apesar de estar em causa um ex-primeiro-ministro, os desembargadores da Relação não tiveram pressa em pronunciar-se sobre o recurso entregue  pelo Ministério Público (admite-se agora que o façam até Dezembro),  que não se conformou, naturalmente,  com o desfecho do processo nas mãos do juiz Ivo Rosa, cuja decisão  instrutória data de abril de 2021.

Ou seja, um actor politico de primeiro plano, para desgraça dos portugueses, que há muito deveria ter sido julgado – para ser condenado ou inocentado – continua a “malhar “alegremente no Ministério Público e nos juízes que não lhe agradam, enquanto os seus advogados, recorrendo a métodos de duvidosa ética profissional, somam recursos, considerados quase todos improcedentes em tribunais superiores, mas que serviram e servem para empatar o processo, na esperança de que este fique  encalhado na secretaria até se esgotarem os respectivos prazos, acabando na prescrição.

Portanto, entendamo-nos – o “pós socratismo” não existe nem faz qualquer sentido ser invocado, excepto nas conjecturas líricas de Alexandra Leitão, colaboradora de primeira linha de Pedro Nuno Santos, que, depois de “borregar” na localização do novo aeroporto de Lisboa, quer “levantar voo” no PS, para trazer, novamente, à órbita socialista, a utopia comunista e decadente do PCP e do Bloco de Esquerda, os seus presumíveis aliados.

Ao menos, desta vez, o eleitorado não poderá alegar que não sabia das intenções políticas de Pedro Nuno – se este for o escolhido internamente no PS –, ao contrário do que sucedeu com a “geringonça”, inventada por António Costa para iludir a derrota em 2015, e “safar-se” das previsíveis consequências.

No meio das aflições de muita gente, que teme pelo seu futuro no aparelho de Estado – um “regaço” regiamente pago, obtido graças ao cartão partidário –, Pedro Nuno precisa de “branquear” alguns pontos negros do seu percurso, e disputar com José Luís Carneiro – um “osso duro de roer” –, os favores da máquina e dos eleitores do partido. Mal começou a campanha e as relações entre ambos já azedaram. E não ficam por aqui.

Também por isso, Luís Montenegro deverá rezar a todos os santos da sua devoção – se os tiver –, para que o PS eleja Pedro Nuno, que seria, sem dúvida, o seu melhor adversário na “roda da sorte”, tantas são as suas vulnerabilidades, mesmo amparado por históricos como Manuel Alegre e por Pedro Costa, o filho de António Costa, desejoso, por certo, de ter maior visibilidade do que na Junta de freguesia de Campo de Ourique.

Para se fazer lembrado nesta crise política, surgiu, também, em cena Augusto Santos Silva, cujo forte não prima pela subtileza.

Desde o confesso gosto de “malhar na direita”, aos confrontos parlamentares com André Ventura – pondo em causa a isenção que se espera do presidente da Assembleia da República – ou à sua rendida admiração por Sócrates (que o levou a roçar o insulto a Cavaco Presidente, por este se ter recusado a condecorar o ex-primeiro-ministro e que se resume nesta frase assassina: “Senhor Presidente, não condecore Sócrates. Ele não merece tamanha nódoa no seu currículo”).

Por natureza, Santos Silva não esconde os seus humores e tem sido “pau para toda a obra” como ministro de várias pastas.

Mais recentemente, percebeu-se bem que estava a converter o seu múnus parlamentar em alavanca para se candidatar a Belém, embora na sua “febre” de dar nas vistas tenha cometido deslizes imperdoáveis, que o prejudicaram e lhe comprometeram a imagem.

Não é por acaso que o seu nome aparece nas sondagens, invariavelmente, no fim da tabela, com intenções de voto residuais.  E errou novamente ao tentar condicionar o Supremo Tribunal de Justiça (no que foi seguido por Ferro Rodrigues), exigindo que este conclua o inquérito que envolve António Costa antes das eleições de março, o que vindo da segunda figura da hierarquia do Estado é uma pressão simplesmente intolerável.

O PS só se lembra de Santa Bárbara quando troveja… ou da Justiça quando algum dos seus está metido em sarilhos. Por isso, já nem admira que Sócrates tenha aproveitado “a deixa” para escrever outro “artigo de opinião”, no qual brinda o Ministério Público com os mimos do costume.

É triste, mas o Estado de Direito já conheceu melhores dias.

Perante esta azáfama de Sócrates, não se ouviu, porém, até hoje, Santos Silva a reclamar celeridade aos desembargadores do Tribunal da Relação, ao contrário do que fez com o Supremo, embora sejam processos que têm em comum primeiros-ministros socialistas, um deles demissionário.

Aparentemente, o que move Santos Silva nos “recados” enviados aos juízes conselheiros do STJ, a propósito das suspeitas que recaem sobre António Costa, não tem equivalência com as demoras da Relação a respeito da “Operação Marquês”, envolvendo Sócrates.

As prioridades de Santos Silva e da sua agenda política são, aliás, cristalinas, como se viu, ao integrar, com Mário Centeno, a lista dos nomes citados nos media para chefiar o governo e convencer Marcelo a deixar o PS governar até ao final da legislatura.

A hipótese seria frustrada por Belém, para desgosto das hostes no Largo do Rato, que já não hesitam em endossar ao Presidente a responsabilidade pela crise política – ou a ”irresponsabilidade politica”, segundo Costa -, quando deveriam ser capazes de olhar para dentro e seriamente procederem a uma autocritica perante um governo medíocre, recheado de casos vergonhosos como jamais se viram, a sublinharem a incapacidade do primeiro ministro para se rodear dos melhores.

Entretanto, subitamente cauteloso, talvez para travar danos reputacionais, Santos Silva anunciou o seu apoio a José Luís Carneiro na disputa da liderança do PS, quando os seus pergaminhos  trotskistas, nunca renegados, o recomendariam ao lado de Pedro Nuno Santos.

Mas preferiu juntar-se a um moderado, que nada tem a ver com ele, excepto na circunstância de pertencerem ao mesmo partido. Outra incoerência.

Claro que na ressaca da convocação de eleições antecipadas teria de reaparecer Vasco Lourenço, com os atavios revolucionários desbragados que o caracterizam, a vislumbrar o fascismo em cada esquina, e um “golpe de Estado” em preparação quando pressente que a direita poderá regressar ao poder.

Para ele, a democracia só pode ser garantida por gente de esquerda, sempre imaculada, mesmo quando “meteu a mão no pote” e se deixou corromper em favores e compadrios.

Para cúmulo desta balbúrdia, só nos faltava conhecer a inesperada apetência de Mário Centeno pela poesia de David Mourão-Ferreira, ao convocá-lo, como “pronto-socorro”, numa conferência sobre a Banca, para se refugiar nos seus versos sobre o risco de ser um livre-pensador. Uma fábula.

E, assim, mercê deste expediente, Centeno furtou-se a esclarecer e a elucidar o auditório sobre a “alhada” em que se meteu, ao aceitar ser primeiro ministro por uns tempos, sem ir a votos. Uma fraqueza, afinal, pouco poética…