Há uns dias um senhor disse-me que Deus não lhe interessava: o máximo que conseguia em relação ao seu Catolicismo de berço era apreciar Jesus por ser homem e Maria por ser mãe. Este senhor pareceu-me transtornado pela transcendência divina, talvez convicto de que se livrava de uma bagagem inútil. Como me dizia aquilo depois de saber que eu era um pastor evangélico, presumi que tinha como preferível reconhecer existência em pessoas do que em qualquer entidade menos palpável. Espanta-me sempre a opção do reconhecimento preferencial da existência em pessoas quando, pela minha parte, acontece repetidamente o contrário: quantas mais pessoas conheço, menos acredito que elas realmente existem.

Mas acho que percebi a lógica daquele senhor. Os olhos dele viam pessoas e coisas e acreditar em mais do que isso era, em grande medida, um passo em direcção ao absurdo—livremo-nos portanto de ilusões que só estorvam. Logo, dentro da tradição religiosa onde tinha nascido, o melhor que tinha para dar era elogiar o Catolicismo até esse ponto aceitável de acreditar em pessoas e em coisas atestáveis na sua observação empírica. Jesus foi homem? Isso está certo porque homem sou. Maria foi mãe dele? Isso também está certo porque uma mãezinha também tive. Agora Deus? Deus?! Desconheço esse tal de “Deus” e por isso não me metam em ciência ocultas, por favor.

Com um mundo cheio de pessoas e coisas que podemos tocar, Deus pode parecer um luxo de que apenas uma pequena minoria com excesso de imaginação poderá usufruir—é em grande parte esta a crítica daquele senhor pouco interessado nele. Deus pode tornar-se intocável no pior sentido que a palavra tem. A pessoa que acredita em Deus pratica, portanto, esse tal ímpeto de imaginação que a coloca num mundo artificial. Cabe aos outros trazerem-na para a fria realidade onde apenas o que existe realmente existe, sem truques de que nos metam a ver o que objectivamente não há para ver. Jesus foi homem e Maria foi mãe? Certíssimo e confere! Já Deus? Deixemo-nos de especulações e assumamos o Universo tal como ele nos é dado. Não fujamos do tédio dele com fantasias de fé, parece ser a crítica.

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