Se Luís Montenegro vencer as eleições, algo que é possível e até provável, todas as linhas que se seguem têm a mesma utilidade de um congelador no Polo Norte. O líder do PSD fez uma autoexigência corajosa: só governa se ficar em primeiro lugar nas eleições. Mas a estratégia traz um risco: se tiver menos um voto do que o PS, em coerência, tem de abandonar a liderança do partido.

Se Luís Montenegro ficar em primeiro lugar nas eleições e houver uma maioria à esquerda no Parlamento, terá toda a legitimidade para continuar na oposição à espera que essa neo-geringonça caia. Se ficar em primeiro lugar e houver maioria à direita só com a Iniciativa Liberal, vai alegremente para o Governo. Se ficar em segundo lugar com maioria de esquerda, vai para casa. Mas há um outro cenário sobre o qual importa refletir: e se ficar em segundo lugar, mas houver maioria de deputados à direita?

Com desprendimento, o líder do PSD já disse que sai nestas circunstâncias. E que, depois disso, será a direção do PSD (já sem ele) a decidir o que fazer com os votos que ele próprio conquistou. A tese tem entusiasmado, pelo menos, dois grupos: os defensores do regresso de Passos no PSD e o Chega.

Passos Coelho teria aqui a hipótese de vingar 2015 e impedir que o país tivesse Pedro Nuno Santos como primeiro-ministro. Mas, se não faltasse legitimidade constitucional, faltaria legitimidade política ao antigo líder do PSD: até mesmo o Costa derrotado tinha sido candidato a eleições. Passos nem isso.

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Tendo em conta o histórico (de pensamento e ação política) do antigo primeiro-ministro, provavelmente Passos Coelho só aceitaria uma solução desse género de forma provisória, com o álibi do interesse nacional (a salvação do ouro europeu do PRR e afins), e exigindo eleições logo que fosse possível (a Constituição só permitiria depois de setembro/outubro de 2024).

O cenário pode parecer quimera de comentador, mas não é ao acaso que o assunto já é falado no bas-fond de, pelo menos, dois partidos (a esquerda também o usará, certamente, como cenário-papão). E Passos Coelho, de certa forma, colocou-se na pole position para ser simultaneamente o salvador da direita e anti-Cristo do PS de Pedro Nuno Santos ao dizer num evento semi-público com alguns dos maiores conspiradores e fofoqueiros do regime que estava na “reserva”. Além disso, o antigo primeiro-ministro tem a singularidade de aceitar o Chega — partido a quem nunca colocou linhas vermelhas nem afasta do arco da governação.

Não deixava de ser a maior ironia da política portuguesa que Passos governasse após o PSD ficar em segundo lugar e sem sequer ir a votos. Outra ironia é que, olhando a este cenário, Luís Montenegro — ao contrário do que é acusado pelo PS — é o maior garante de que a raposa Chega não entra no galinheiro da governação. Passos não tem medo de ser o lobo, mesmo que haja um outro carnívoro em Belém (Marcelo) que teria de aprovar tudo isto. Mas, uma coisa é certa: a rua (com protestos, greves, manifestações à esquerda) ia uivar. Para já, é só um cenário, mas há coisas do diabo.