Este ano, por razões que não vêm ao caso, tenho passado boa parte do meu tempo numa cidade portuguesa que não aquela em que nasci, cresci, vivi e, parcialmente, ainda vivo. A minha cidade sempre foi socialista, ou seja, lá os residentes votam no PS para a autarquia e para o Parlamento. O PS distribui empregos, habitações “sociais” e demais benesses. O PS influencia os negócios particulares, os quais, se valerem a pena, não acontecem à revelia dos caciques locais. O PS é a rede inevitável a que vão parar as ambições, as ilusões e as esperanças de promoção social. Etc. É assim há 45 anos.

Na outra cidade de que falo não era assim. Vista ao longe, como eu a via, a cidade não parecia coutada de um partido. Além de um triunfo do CDS, o PSD vencia a maioria das eleições, o PS ganhava as restantes. Hoje, que estou aqui com frequência, descubro dia após dia que o PS controla a câmara, as freguesias, as escolas, as associações, as obras, as igrejas, o comércio, os semáforos, a “cultura”, a horticultura e por aí fora. Não é comigo. Graças a Deus, e a bem da higiene, o meu contacto com essa realidade limita-se aos testemunhos, indignados ou resignados, de interpostas pessoas. Através destas, vou conhecendo a existência de criaturinhas medonhas, sem escrúpulos nem letras nem vergonha, movidas exclusivamente pela ânsia de agradar ao partido e, no processo, realizar sonhos ridículos. É um universo repulsivo, repleto de boçalidade e prepotência, de ignorância e desonestidade, de vénias e humilhações. E se é um universo pequenino, não acho excessivo imaginar que constitui amostra razoável do país. Um país onde o PS está próximo de tomar conta de tudo.

Exemplos são inúmeros. Dou um. Esta semana, acabaram as reuniões periódicas no Infarmed. Porquê? Porque o dr. Costa, que na penúltima reunião se viu desautorizado pelos factos, o decidiu. Na altura, enxovalhou a ministra da Saúde (que agradeceu e merece o enxovalho) e bateu com a porta. Agora, terminou sumária e arbitrariamente com uma fonte perturbadora da propaganda acerca da Covid.

Não vale a pena comentar o carácter e a educação do dr. Costa, ambos nulos. O interessante é notar o puro despotismo. O interessante é perceber que o dr. Costa manda no PS, o PS manda no Estado e, é sabido, o Estado somos nós, que andamos a reboque de uma quadrilha com planos, em acelerado curso, de dominação absoluta. Quase sem oposição partidária, contraponto institucional, escrutínio jornalístico e a um passo de abolir qualquer dissensão pública, o dr. Costa e seus comparsas subjugaram-nos aos respectivos desígnios. É a concretização da política do quero, posso e mando, o chavão do PCP que os comunistas deixaram de usar a partir do momento em que se juntaram ao assalto. Escuso de referir a corrupção, o compadrio e os defeitos endémicos que hoje se exibem à luz do dia. Quando o autarca de uma capital resolve pintar o chão de cores bonitas e não é imediatamente internado, isto já não se assemelha em nada a uma democracia. As ditaduras começam pela trafulhice, evoluem com a arrogância e consagram-se na demência.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Com os subornos certos aos pelintras certos, nos partidos, nos “media” e no que calha, é claríssimo que o PS conquistou, no sentido bélico, os portugueses. A culpa é do PS? Lamento, mas a culpa é dos portugueses. Por muito que apreciassem o método, os socialistas não apontam uma pistola a ninguém para obrigar a apoiá-los nas sondagens, a tolerar asfixias fiscais, a aplaudir planeamentos leninistas, a subscrever a censura das opiniões, a rir “com” e não “de” palhaços, a respeitar as ordens de “autoridades” meramente grotescas, a admitir a transformação da vida em comum no quintal de um bando de matarruanos. O poder ilimitado do PS advém da ilimitada propensão dos portugueses para a submissão. E quanto maior o poder, maior a submissão, que é voluntária e não é particularmente incómoda. É preciso imaginar os portugueses felizes, ou no mínimo contentinhos.

Recentemente, perguntaram-me se eu via maneira de a “situação” mudar. Respondi que sim: a miséria. A descida do país a uma miséria tão avassaladora que subverta os fundamentos do que somos e nos atire para o desespero sem regras. Acrescentei que, não sendo um cenário improvável, não é um cenário desejável – mesmo que para varrer com o PS. A alternativa, enquanto houver dinheiro alemão para distribuir e impostos para pilhar, é o domínio do PS perpetuar-se. E crescer. Convém não ignorar o efeito avalanche: à medida que a bola de neve engorda, mais neve se junta ao todo. Os portugueses, dependentes e infantis, são os flocos de neve desta história, ávidos por se associarem aos que estão por cima – por cima deles, evidentemente. Está-nos na pele, e sai-nos do lombo.

Entre o totalitarismo e o caos, o destino pátrio é incerto e não se recomenda. A única certeza é a de que a democracia tem os dias contados. Era humilde, esfarrapada, coxa e burlesca, coitadinha. Mas era a nossa democracia, de qualquer modo preferível a três quartos dos regimes em vigor na Terra. O que virá, e está a instalar-se a cada momento, será bastante pior. Uma série deliberada e fortuita de circunstâncias favoreceu o casamento perfeito da vocação dos socialistas para sentirem donos da ralé com a vocação da ralé em servir. Uns 85% das intenções de voto vão para o PS e para as forças “colaboracionistas”. É pena que nas próximas “legislativas”, doravante um ritual dispensável, o PS sozinho não atinja essa marca: ao menos expunha-se a farsa. Entretanto, o PS vai estrangular-nos até ao último cêntimo, e pisar-nos até ao último assomo de humanidade. O PS não possui consideração nenhuma pelos portugueses que, por acção ou omissão, legitimam o PS. Eu também não.