1 Na passada sexta-feira, 5 de Março, completaram-se 75 anos sobre o célebre discurso de Winston Churchill sobre a “Cortina de Ferro”, no Westminster College, em Fulton, Missouri, na presença do Presidente Truman, em 1946. Ficaram inesquecíveis as palavras de Churchill denunciando a ditadura soviética após a vitória sobre o nazismo:

“De Stettin no Báltico a Trieste no Adriático, uma cortina de ferro está a descer através do Continente [europeu]. Por detrás dessa linha ficam todas as capitais dos antigos Estados da Europa central e oriental. Varsóvia, Berlim, Praga, Viena, Budapeste, Belgrado, Bucareste e Sofia, todas estas famosas cidades e a população em seu redor estão no que devemos chamar a esfera soviética, e todas estão sujeitas, de uma forma ou de outra, não apenas à influência soviética mas a um muito elevado e, nalguns casos, crescente controlo de Moscovo.
[…] Quaisquer que sejam as conclusões a retirar destes factos — e de factos se trata — esta não é certamente a Europa Libertada que nós lutámos por construir. Nem ela contém os ingredientes essenciais de uma paz permanente.”

2 O discurso de Churchill em Fulton foi alvo de muitas críticas. Vale a pena recordar que Winston era então apenas o líder da Leal Oposição Conservadora no Parlamento britânico. Um ano antes, em Junho de 1945, depois de ter liderado a vitória na II Guerra Mundial, perdera as eleições (por larga margem) para o Partido Trabalhista. Quando discursou em Fulton, Missouri, falou apenas como líder da oposição e antigo líder da resistência britânica ao barbarismo nazi.

Foi, no seu país, acusado de “belicismo reaccionário” e de “anti-comunismo primário”. Cerca de 93 deputados trabalhistas publicaram uma carta aberta contra o discurso de Fulton. Mesmo nos EUA, a imprensa de uma certa esquerda criticou-o duramente, considerando-o ultrapassado e nostálgico do império inglês vitoriano. A reacção foi tão forte que o próprio Presidente Truman — que viria a desempenhar um papel crucial na guerra fria — optou por não defender o discurso. Chegou mesmo a deixar saber que desconhecia o discurso antes de o ter ouvido proferir por Churchill. No entanto, Churchill convidara-o a ler o discurso durante a viagem de comboio que ambos fizeram para Fulton.

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3 Em bom rigor, o discurso de Churchill em Fulton constituiu o ponto de partida para a ulterior fundação da NATO, em 1949. E inspirou o Plano Marshall, em 1948, como expressão da fundamental aliança das democracias euro-atlânticas.

Mas a inspiração de todos estes cruciais eventos vinha de antes: a Carta do Atlântico, tornada pública a 14 de Agosto de 1941. Fora assinada pelo Presidente Roosevelt e o Primeiro-Ministro Churchill — que se tinham encontrado solenemente a bordo do navio Prince of Wales, em Placentia Bay.

O documento era à primeira vista vago, uma vez que apenas exprimia “determinados princípios comuns das políticas nacionais dos respectivos países em que baseiam as suas esperanças num futuro melhor para o mundo”. Eram basicamente princípios subjacentes às democracias liberais, contra todas as formas de ditadura. E a verdade é que essa Carta do Atlântico foi a seguir  subscrita pelos governos no exílio da Bélgica, Checoslováquia, França Livre, Grécia, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Polónia e Jugoslávia. A máxima ironia residiu em que a própria ditadura soviética se sentiu obrigada a subscrever.

4 Talvez seja oportuno recordar que Churchill tinha solitariamente defendido os princípios definidores das democracias ocidentais ainda antes do início da II Guerra — que, convém recordar, começou com a dupla invasão da Polónia pelos nazis e pelos soviéticos, após o acordo Molotov-Ribbentrop de Agosto de 1939. Disse Churchill em Paris, em Setembro de 1938:

“Não temos nós uma ideologia própria — se tivermos de usar essa palavra horrível, ideologia, — não temos nós uma ideologia própria na liberdade, numa Constituição liberal, no Governo democrático e parlamentar, na Magna Carta e na Petição de Direitos?”

5 Todas estas efemérides estão a ser intensamente recordas num muito animado debate público internacional. De certa forma, este debate terá sido retomado a propósito das declarações do novo Presidente norte-americano, Joe Biden: sobre o regresso da América ao compromisso atlântico e ao reforço da NATO; e até sobre uma possível Cimeira das Democracias e uma possível Aliança Mundial das Democracias.

Estes temas serão abordados entre nós — num seminário em três sessões, com início já na próxima sexta-feira, — por Marc Plattner, fundador do “Journal of Democracy”, com sede em Washington, DC. E serão o tema global da 29ª edição anual do Estoril Political Forum, que acaba de ser adiado de 28-30 de Junho para 18-20 de Outubro — sob o título global “On the 80th Anniversary of the Atlantic Charter: Structuring a World Alliance of Democracies?”.

Voltarei seguramente a este tema.