É um facto incontestável: as quotas de mulheres foram um sucesso. No mundo da política e nas empresas. Pelo que, diria eu, a discussão sobre as quotas – aprofundar as quotas de mulheres (no governo as mulheres são menos de 20%, por exemplo) ou quotas para outras partes da população – deveria passar por aqui: a introdução obrigatória de mulheres melhorou a qualidade dos políticos e trouxe melhor saúde às empresas. E, ao contrário do que as cassandras nos asseveravam, não existiu nenhuma pioria em termos de mérito e talento dos grupos sujeitos a quotas.

Mostra-nos isto a pesquisa académica já feita. Paula Profeta e os seus coautores, em Gender Quotas and the Quality of Politians, concluíram que com quotas se recrutam mulheres de mais qualidade que os políticos médios e até a qualidade dos políticos homens aumenta. Gender Quotas and the Crisis of Mediocre Man, analisando dados da Suécia, leva a conclusão semelhante. Outro estudo nos governos locais italianos descobriu até relação entre a participação de mulheres e um aumento de natalidade. (Não sabemos se é uma partida estatística se tal se deveu a alguma expetativa legítima que mais mulheres nos governos locais fossem mais amigáveis para as famílias e para as mães.)

Mas é também visível olhando para a realidade. Para ficarmos à direita (onde conheço melhor as mulheres políticas), por causa das quotas tivemos deputadas à Assembleia da República como Assunção Cristas, Ana Rita Bessa, Sandra Pereira ou Inês Domingos. Todas são ótimas, e muito melhores que o deputado masculino médio. Mas teriam sido preteridas em dois segundos, para homens, se os decisores não tivessem sido obrigados a procurarem onde andam mulheres de talento e competência. E todas elas têm noção disso mesmo e afirmam-no sem problemas.

Pelo que a contestação às quotas na política (nas empresas ficará para outro dia), mesmo com realidade observável e palpável de melhoria, se deve a duas razões. A primeira é evidente: há homens (sobretudo os menos talentosos e com menos capital intelectual, cultural e social) que querem manter a concorrência afastada. A segunda é evitar-se reconhecer que sim, o afastamento de mulheres – mesmo as que têm talento e mérito e competência superior aos homens até agora escolhidos – se deveu a incompetência grosseira e enviesamento preconceituoso e discriminatório dos decisores. Que, geralmente, têm sido homens (ainda que muitas mulheres também adorem repetir os enviesamentos estereotipados).

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Mas quaisquer que sejam as causas, o facto é que as quotas levaram para o Parlamento (e órgãos municipais) muito boas políticas. Não houve quebra de mérito, pelo contrário. Donde, qualquer discussão que não parta desta realidade observável, é desligada dos factos ou pior – prefere, por razões de ideologia, pouca participação feminina, mesmo com custos na qualidade média dos políticos. Ou então dogmática: não acreditam em mudar de opinião perante resultados que a contraditam.

Ora tenho para mim que temos a obrigação de ter na AR os melhores políticos. Se tal é obtido através de quotas, adotem-se as quotas. Não me espantará nada que o mesmo efeito suceda quando se escolherem pessoas de pele mais escura para as listas eleitorais.

Outro valor que um Parlamento deve preservar é a representatividade da população. E isso desde o início foi assumido, tanto mais que temos desde sempre quotas regionais na AR: os círculos distritais. É certo que a ideia é torpedeada pelos partidos, mas o objetivo primeiro era colocar no órgão legislativo gente com conhecimento direto e experiência em primeira mão das várias zonas do país. Independentemente de em Lisboa ou Porto existirem políticos mais qualificados tecnicamente, mas que desconhecem a realidade à qual aplicar as propostas políticas.

A motivação das quotas é exatamente a mesma: levar para o parlamento pessoas que tenham experiência direta e em primeira mão da vida enquanto mulher num mundo literalmente desenhado para homens (é ler o último livro de Caroline Criado-Perez) ou enquanto minoria inevitavelmente discriminada. Esta experiência de vida é uma mais valia para qualquer decisor político.

Os argumentos contrários não me convencem. Falar em meritocracia é tão real como debater a organização social do planeta Darkover de Marion Zimmer Bradley. E também não compro que os indivíduos são indivíduos para além do sexo e da raça, porque a verdade é que todos nós respondemos aos demais tendo em conta o sexo e a raça dos nossos interlocutores.

Se não tenho qualquer dúvida na defesa de quotas para minorias nas listas eleitorais, já não tenho posição fechada nas entradas na universidade. Desde logo porque desconheço os resultados. E gostava de ver uma discussão sólida sobre isso.

Já existem quotas para entrar na universidade em Portugal, e sempre existiram. Por exemplo para estudantes dos PALOP ou para portugueses filhos de emigrantes ou que tenham estudado no estrangeiro. Também existem em vários países, com minorias étnicas tradicionais ou para populações aborígenes. Num livro de Xiu Qiaolong, Red Mandarin Dress, a páginas tantas conta-se que um amigo de uma personagem, que sempre fora han (a etnia maioritária na China), foi buscar os seus antecessores manchús para se candidatar a uma qualquer posição com quotas para minorias.

Pois bem, gostava de saber quais os resultados das quotas nas universidades cá e noutros países. O sucesso escolar destes alunos como é? Terminaram os cursos com que notas? A empregabilidade? Contribuíram para maior mobilidade social destes alunos das quotas? A possibilidade de entrar na universidade com quotas aumentou as expetativas para o curso de vida, incluindo mais anos de estudo, dos que podem ser contemplados? Que efeitos negativos se observaram? Quando a discussão incluir estes dados, finalmente valerá a pena.