Nos últimos dois anos, a imprensa internacional publicou artigos sobre famílias e poder político em três países: nos EUA de Trump, no Brasil de Bolsonaro e no Portugal de António Costa. Será necessário acrescentar mais alguma coisa para sublinhar a gravidade das relações familiares no interior do poder socialista?

Mas o PM não entende a seriedade do que se passa, o que só mostra como tudo isto é mesmo muito grave. A negação e a insistência no erro (depois das notícias iniciais, o governo continuou a nomear familiares para lugares políticos) foram o maior sinal que o governo socialista deu até hoje de que vive numa bolha, a isolar-se gradualmente do país. Os socialistas poderão estar sob influência da sua própria propaganda. É uma explicação possível. Contentes com as reposições salariais e das pensões, os portugueses não dariam importância à multiplicação de familiares no ‘Estado socialista’.

Se é essa a explicação, Costa está enganado. As reposições não melhoraram a vida da maioria dos portugueses. Beneficiaram aqueles que se movem nos mundos socialista e do Estado, mas Portugal é muito mais do que isso. A maioria dos portugueses continua a viver com dificuldades, com preocupações e sem grandes perspectivas para o futuro. Portugal não é mais do que um país remediado, e a maioria dos portugueses sabe.

Num país onde a maioria das pessoas chega ao fim do mês com dificuldades financeiras, e onde os impostos são maiores do que as poupanças, como é possível que o PM não entenda o impacto de encher o governo de familiares e de amigos? Pois, senhor PM, não custa perceber: muitos portugueses pensarão hoje que o PS está no governo para ajudar os seus e não para trabalhar para o bem do país.

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Talvez haja uma segunda explicação para o autismo de Costa e dos seus pares no governo. Eles já não sabem fazer política de outra maneira. Por isso, nomearam mulheres e maridos e não poderiam escolher outros. Casaram-se uns com os outros porque não conhecem mais ninguém. A vida deles começa e acaba no partido. Não há mais nada para além do Largo do Rato e das distritais e concelhias espalhadas pelo país. Mesmo que Costa admitisse o problema, não saberia o que fazer. Não tem outras pessoas para convidar. O PS fechou-se ao país. Será uma questão de tempo até o país abandonar o PS.

No meio de tantos espantos, há mais um um. A falta de capacidade para atrair pessoas novas acontece normalmente a partidos depois de três ou quatro legislaturas, e não passados menos de quatro anos no poder. Costa fez tudo para convencer os portugueses que poderiam confiar no PS para manter as contas públicas em ordem. Seria a melhor maneira de afastar a imagem negativa do PS de Sócrates. As teias familiares estão a dar cabo do esforço de Costa. Na verdade, este PS está no poder desde 1995, com duas breves interrupções de governos de direita. A família socialista é a família de Guterres e de Sócrates, mais envelhecida e estendida às novas gerações.

Não será por mera coincidência que a descida do PS nas sondagens aconteceu ao mesmo tempo das notícias sobre as nomeações familiares. Desde aí, o PS está entre os 36 e os 37%. Pode perder as eleições europeias e nada há para fazer até Outubro. O programa da geringonça está concluído. Os portugueses sabem que os socialistas nada têm para oferecer nos próximos anos. Não se pode restituir o que já foi restituído. E a aliança com o PCP e com o Bloco não os deixa fazer mais nada.