Perante a situação pandémica que atravessamos, o direito à manifestação, consagrado no nosso ordenamento jurídico, pode encontrar algumas limitações. O estado de alerta, de emergência ou de calamidade, ao não proibir o direito à manifestação, à semelhança do que já aconteceu anteriormente com eventos de natureza política, permitiria a realização da Marcha do Orgulho LGBTI+ de Lisboa prevista para o passado sábado, seguindo as regras impostas pela Direção Geral de Saúde (DGS). Cabe a esta entidade dar o seu parecer sobre os eventos a realizar, de acordo com as regras estabelecidas e sugerindo um conjunto de normas a aplicar.

Segundo a comissão organizadora da Marcha de Orgulho LGBTI+ de Lisboa, a DGS que tardiamente emitiu parecer desfavorável para que se realizasse o evento, deu nota de um conjunto de regras que deveriam ser levadas a cabo.

Por se considerarem, ainda segundo a comissão organizadora, regras inexequíveis, o que levou à suspensão do evento, há uma que é de gritante ilegalidade.

Exigia a DGS, que fosse elaborado um registo de todas as pessoas participantes na manifestação. Por outras palavras quer isto dizer, o nome de quem participaria na Marcha.

A inconstitucionalidade desta exigência é por demais evidente, comportando-se a DGS de uma forma totalmente contrária à lei e ao direito individual que cada um tem de participar anonimamente em qualquer manifestação. Nada disso é compatível com as regras do Estado de Direito democrático.

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Esta imposição, que não levanta dúvidas de ilegalidade na minha opinião, sugere várias questões.

Entre elas, qual o racional desta exigência? A comissão organizadora do evento teria que remeter para esta entidade pública a tal lista de participantes, tornado-se desta forma uma espécie de “delatora”?

Em qualquer país democrático, civilizado e respeitando o mais basilar princípio constitucional da liberdade individual, esta regra imposta por parte da DGS ultrapassa todos os limites do razoável, demonstrando, assim, um enorme trabalho que ainda há a desenvolver no que concerne ao entendimento do que é a liberdade individual e os direitos constitucionalmente previstos em situações como a que agora atravessamos, que neste momento estão a ser tratados como “letra morta”, isto é, como se não existissem. Há, e todos temos o direito de ir a uma qualquer manifestação de rua e pública, sem que para isso tenhamos que informar previamente, significando ao contrário que, e como desejaria a DGS, a liberdade de manifestação estaria condicionada a uma lista de nomes de participantes. A única coisa que todas as entidades públicas devem saber, mormente a DGS na situação que ainda atravessamos, é conhecer a entidade organizadora e não os participantes. Creio que, se perguntarmos ao PCP pela lista dos participantes da Festa do Avante!, ou à Iniciativa Liberal quem foi ao arraial liberal, só podemos obter uma resposta, que é desnecessária aqui revelar.

Numa altura em que vemos os nossos direitos, liberdades e garantias,” encolhidos” sob a égide de uma gestão da pandemia, não podemos aceitar, de modo algum, que queiram saber para onde vamos, com quem vamos e o que andamos por aí a fazer.

Concordando-se ou não com a realização do evento neste momento (pessoalmente discordo), devemos questionar o modo e a forma como estamos a ser tratados, não podendo permitir que uma entidade pública, como é a DGS, queira saber o nome de quem pretendia ir a uma manifestação LGBTI.

O que está em causa é somente isto: o constante desrespeito por cada um de nós, enquanto cidadãos livres no exercício pleno dos nossos direitos. E isto, todos concordarão que estamos mesmo no mau caminho.