Os ataques mais recentes do auto-proclamado Estado Islâmico (EI) – não só os desta sexta-feira em Paris, mas também o atentado de quinta-feira no Líbano ou a queda de um Airbus russo no Egito em outubro, e não esquecendo os ataques de junho na Tunísia – sugerem que o grupo terrorista está a alterar a sua estratégia. E quem o diz é o Wall Street Journal. O auto-proclamado Estado Islâmico não se concentra unicamente na edificação de um califado no Iraque e na Síria, mas está apostado, mais do que nunca, em atacar o ocidente ou os países, ainda que não-ocidentais, que com eles se relacionem. Desde logo, militarmente. Mas não só. 

Há, contudo, outras duas razões que explicam esta aparente mudança de estratégia do EI. A primeira terá a ver com as dificuldades do grupo em financiar-se, a qual já aqui explicámos. A outra, e é possível encontrar uma correlação entre ambas – é que na ausência de financiamento do grupo para pagar aos combatentes, há deserções; e não havendo dinheiro, também não há com o que combater, pois o armamento e as munições de guerra vão-se esgotando aos poucos –, está relacionada com as mais recentes derrotas do EI nos territórios sírio e iraquiano. Na semana passada, o EI confrontou-se com duas derrotas, a primeira na Síria, quando as forças leais ao regime de Assad quebraram o cerco do EI à base aérea de Kweiras, no noroeste do país. E nessa mesma semana, mas no Iraque, as forças curdas retomaram o controlo da cidade de Sinjar, que o EI havia conquista há precisamente um ano.

Os ataques em Paris foram, portanto, os mais recentes de uma horda de terror fora dos territórios do auto-proclamado califado. Em todos os atentados, o EI, mais cedo ou mais tarde, acabou por assumir a responsabilidade dos mesmos. Foi o que aconteceu ontem, quando um comunicado afirmava que os ataques tinham sido perpetrados por “oito irmãos que carregavam cintos de explosivos e armas, e que atingiram o coração da capital francesa.” O mesmo atentado falava dos ataques em Paris como uma retaliação do EI à recente intervenção área francesa que “atacou os muçulmanos do califado”, lê-se. O presidente francês, François Hollande, já este sábado, não só confirmou o número (oito) de bombistas suicidas e atiradores que o EI avançou, como acrescentou que os ataques foram “organizados e planeados desde fora.”

Contudo, há no comunicado do EI uma informação que levantou dúvidas sobre se o ataque fora isolado (ainda que com relações ao auto-proclamado califado sírio-iraquiano), ou concertado e planeado há meses. É que o comunicado falava de ataques a três bairros parisienses: 10º, 11º e 18º. E a verdade é que não houve nenhum atentado perpetrado neste último, o que levou muitos especialistas em contra-terrorismo a crer que, das duas uma: ou esse ataque, tal como os restantes dois, fora planeado a partir do califado, mas falhou. Ou o EI assumiu os atentados como tendo sido planeados por si, mas estes tiveram origem, isso sim, em células do grupo terrorista, não tendo sido planeados pelos seus líderes. Terá sido uma assumir de responsabilidades a posteriori — só que com um erro à mistura. 

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Uma coisa é certa: o Estado Islâmico, cada vez mais encurralado nos territórios que controla na Síria e no Iraque, voltou-se a ocidente. O ataque de quinta-feira, em Beirut, e lê-se num outro comunicado do EI a reivindicar esse mesmo ataque no Líbano, não foi tanto um ataque ao ocidente, mas está relacionado com os combates na Síria. É que o alvo principal era o Hizbollah, a organização política e paramilitar xiita, sediada no Líbano, que participou na guerra civil síria ao lado do governo de Bashar al-Assad.

O ataque de 31 de outubro, que derrubou um Airbus A321 russo na Península do Sinai, no Egito, também ele reivindicado pelo EI, surgiu numa altura em que a aviação russa bombardeava diariamente posições suas nas regiões de Alepo e Hama, a norte da Síria. Ataques que visavam enfraquecer o EI na região e abrir caminho a uma ofensiva militar das forças de Bashar al-Assad em larga escala, apoiada por milhares de soldados iranianos. A verdade é que o ramo egípcio do auto-proclamado Estado Islâmico nunca tinha realizado um ataque do género, menos ainda tendo a Rússia como alvos. As causas da quebra do Airbus ainda são desconhecidas, mas os especialistas em aviação acreditam que o Airbus se terá desintegrado ainda no ar, provavelmente devido à explosão de uma bomba a bordo.

E há, claro, ainda que menos recentes, os ataques do EI ao museu do Bardo, em Tunes, e a dois resorts na costa oriental da Tunísia, frequentados sobretudo por turistas europeus, maioritariamente alemães e franceses. Uma coisa é certa, no comunicado onde o EI reivindicava os atentados desta sexta-feira, o grupo alertava que este ataque seria o primeiro de uma “tempestade” e um “aviso”. O qual foi dado. Se concertado com os restantes, não se sabe.