O empresário Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República, nega ter cometido qualquer crime no contexto do caso das gémeas luso-brasileiras que receberam um tratamento dispendioso em Portugal, e garante que apenas tentou ajudar os pais das bebés a encontrar contactos que pudessem ser úteis para a urgência da situação que as crianças atravessavam — tal como ajudou várias outras pessoas que o procuraram, na qualidade de Presidente da Federação das Câmaras de Comércio Portuguesas no Brasil.

A revista Sábado revela esta quinta-feira o conteúdo de uma exposição enviada ao Ministério Público pela defesa do filho de Marcelo Rebelo de Sousa, liderada pelo advogado Rui Patrício, na qual Nuno Rebelo de Sousa narra a sua versão dos factos. É a primeira vez que é conhecido um posicionamento do filho do Presidente da República em relação ao caso, que já tem três arguidos (António Lacerda Sales, antigo secretário de Estado da Saúde, Luís Pinheiro, ex-diretor clínico do Hospital de Santa Maria, e o próprio Nuno Rebelo de Sousa) e no qual o Ministério Público investiga crimes como abuso de poder, prevaricação, burla qualificada e tráfico de influências.

O caso também envolveu o próprio Presidente da República, já que a versão do Ministério Público é a de que Nuno Rebelo de Sousa teria aproveitado a sua condição de filho de Marcelo Rebelo de Sousa para procurar influenciar decisões em Portugal no sentido de favorecer a família das duas crianças. O MP considera ainda que Lacerda Sales interveio diretamente na marcação de uma consulta para as gémeas luso-brasileiras, que seriam depois tratadas à atrofia muscular espinal com Zolgensma, um dos medicamentos mais caros do mundo (custa cerca de dois milhões de euros), totalmente custeado pelo Estado português.

Caso das gémeas. Nuno Rebelo de Sousa foi constituído arguido por carta rogatória

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Contudo, Nuno Rebelo de Sousa rejeita ter cometido qualquer crime — nomeadamente os crimes de prevaricação e de abuso de poderes, que lhe são imputados pelo Ministério Público. Além de, no início de maio, já ter sido ouvido sobre o caso pelas autoridades brasileiras na sequência de um pedido das autoridades portuguesas, Nuno Rebelo de Sousa enviou também um longo testemunho ao Ministério Público a explicar a condição em que interveio no caso.

De acordo com a revista Sábado, Nuno Rebelo de Sousa explica que vive no Brasil desde 2011 e, além do seu trabalho na EDP Brasil, já exerceu várias funções na Câmara Portuguesa de Comércio de São Paulo e chegou a ser, entre 2016 e 2020, presidente da Federação das Câmaras de Comércio Portuguesas no Brasil. Nessas funções, articulou contactos entre empresários, cidadãos, embaixadas e membros de governos, com vista a promover a cooperação entre os dois países.

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Nessas funções, diz a exposição redigida pelo advogado, Nuno Rebelo de Sousa “recebeu inúmeras solicitações de indivíduos e de empresas brasileiras, portuguesas e de outras nacionalidades, relativas a, entre outros, procedimentos de nacionalidade, contactos com hospitais e escolas e assuntos relacionados com turismo de Portugal”. Mesmo os contactos que teve com a Presidência da República foram nestas funções e nunca “a cabo em razão ou por força da sua qualidade de filho do Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, nem tendo em vista qualquer influência deste junto do Governo de Portugal ou dos hospitais públicos portugueses”.

Concretamente sobre o caso das gémeas, Nuno Rebelo de Sousa diz que não conhecia os pais das crianças e que só tomou conhecimento do caso quando “uma conhecida em comum” lhe enviou “por WhatsApp” a informação sobre a situação urgente das duas crianças.

Essa conhecida “sabia que [Nuno Rebelo de Sousa] exercia funções na Câmara Portuguesa de Comércio de São Paulo” e enviou-lhe”os documentos médicos das crianças e um pedido de informação sobre o médico especialista em AME em Portugal”. O objetivo seria apenas o de perguntar ao empresário “qual a melhor maneira para conseguir contactar o médico especialista que já havia atendido uma outra criança com a mesma doença, e com sucesso no respetivo tratamento, procurando ainda confirmar qual o hospital em que aquele atuaria” — uma vez que sabiam havia um novo tratamento para a doença das crianças.

Nuno Rebelo de Sousa garante foi só depois disso que contactou o casal, que entretanto também já tinha enviado aquela documentação médica para os médicos do Hospital de Santa Maria, procurando uma resposta. Assegura que simplesmente recebeu um pedido de ajuda para contactarem “um médico especialista”, “com a urgência que se impunha”. O filho de Marcelo diz que “sempre procurou ajudar todos aqueles que o procurassem para orientar, esclarecer dúvidas ou pedir contactos em Portugal” — e não quis deixar de ajudar aqueles “pais verdadeiramente angustiados”, em “solidariedade” com a sua situação.

Quanto aos contactos com a Presidência da República, Nuno Rebelo de Sousa assegura que “não solicitou” ao pai qualquer intervenção junto do governo. A única coisa que fez foi enviar a Marcelo, em 21 de outubro de 2019, aquilo que tinha recebido dos pais das crianças, para perguntar se o Presidente da República conhecia algum dos médicos especialistas, se haveria a possibilidade de tratamento em Portugal e se havia alguma informação relevante para o que classifica como um “caso humanitário”. Marcelo terá então encaminhado o caso para a Casa Civil, que informou Nuno Rebelo de Sousa que não competia à Presidência qualquer intervenção no caso.

Já no caso dos contactos com António Lacerda Sales, Nuno Rebelo de Sousa diz que na reunião que teve com ele em novembro de 2019 (quando o empresário esteve em Portugal a pretexto da Web Summit) não abordou o tema das gémeas, contrariamente ao que o ex-secretário de Estado disse. Só num contacto mais tardio é que comentou com ele o caso e lhe perguntou pela mesma informação sobre especialistas e possibilidades de tratamento em Portugal. Mas, garante, não pediu ao secretário de Estado “que exercesse qualquer pressão” no sentido de favorecer as gémeas. Lacerda Sales ter-lhe-á respondido que iria “levantar a informação pedida” — e, a partir daí, terá sido o próprio gabinete do secretário de Estado a contactar a família das gémeas.

A defesa de Nuno Rebelo de Sousa garante, por isso, que o filho do Presidente da República não pode ter cometido qualquer crime, uma vez que com o seu comportamento — que se teria limitado a enviar informações e pedir contactos e reuniões — não pode ter contribuído para eventuais crimes de favorecimento que tenham sido cometidos, depois disso, por titulares de cargos políticos.

Nuno Rebelo de Sousa já foi constituído arguido no caso das gémeas e já foi chamado à Comissão Parlamentar de Inquérito, mas já fez saber que não pretende falar nessa comissão. Lacerda Sales também já foi ouvido na comissão, onde também optou por manter o silêncio.