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TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Urgências. Hospitais com dificuldade em captar médicos para equipas dedicadas (mesmo com o dobro do salário)

Fim da atividade em enfermaria e exigência do trabalho na urgência estão a afastar os médicos do novo modelo de Centros de Responsabilidade Integrados. Indicadores de desempenho também criticados.

Os maiores hospitais do país estão com dificuldade em recrutar médicos para integrarem os novos Centros de Responsabilidade Integrados (CRI) das urgências, um novo modelo que conta com equipas dedicadas nestes serviços e que o governo espera que venha a melhorar a resposta à população e os resultados em saúde. Os médicos alertam que, apesar do aumento remuneratório superior a 40% (e que pode chegar a 100%), está a ser difícil captar profissionais para estas estruturas.

O que são Centros de Responsabilidade Integrados

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São estruturas orgânicas de gestão intermédia, que dependem dos hospitais, com autonomia funcional e que estabelecem um compromisso de desempenho assistencial e económico-financeiro, negociado para um período de três anos.

Têm como objetivo melhorar a acessibilidade e os tempos de resposta, aumentar a produtividade e melhorar os resultados em saúde

Criados por iniciativa dos próprios profissionais de saúde, já existem cerca de 40 CRI em todo o país, em áreas tão diferentes como a Ortopedia, Cirurgia da Obesidade, Gastroenterologia, Esclerose Múltipla ou Oftalomologia.

“Entrámos na fase de captação de recursos humanos, mas estamos a ter dificuldades“, admite ao Observador  Catarina Pereira, diretora do serviço de urgência do Hospital de São José. Em Coimbra, a realidade é semelhante. “A única forma de atrair os médicos é pagar-lhes melhor, mas mesmo assim temos tido pouca adesão”, lamenta João Porto, diretor do serviço de urgência dos Hospitais da Universidade de Coimbra. As dificuldades são, de resto, transversais a todo o país e atingem também a zona do Porto.

O Hospital de Santo António “não tem tido sucesso em captar para o CRI os médicos que trabalham no serviço de urgência”, diz ao Observador o médico André Carvalho, delegado sindical da Federação Nacional dos Médicos, acrescentando que a unidade hospitalar “não tem conseguido sequer captar médicos dentro do quadro do hospital”.

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Fim da atividade em enfermaria e “trabalho duro” na urgência afastam médicos

A contribuir para a fraca adesão estão vários fatores, entre os quais o próprio modelo do CRI, que obriga os médicos a dedicarem todo o tempo ao serviço de urgência, abdicando da atividade assistencial normal. “Isto implica a saída da atividade profissional normal, para fazer 40 horas no serviço de urgência. Em certas especialidades, é complicado”, diz Catarina Pereira.

Uma opinião partilhada pela Presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna. “É muito redutor ser médico só na urgência“, diz ao Observador Lèlita Santos, acrescentando que os internistas — que são a base dos serviços de urgências e deverão também constituir o núcleo central dos CRI — “acompanham o doente como um todo, em várias fases”, algo que não poderão fazer nas equipas dedicadas das urgências. A especialista reconhece, por isso, que “há muitas dificuldades” na captação dos internistas para os CRI.

Em Coimbra, está previsto inaugurar o CRI em abril, mas adesão dos médicos tem sido reduzida

PAULO NOVAIS/LUSA

Para além da questão do fim atividade assistencial normal, o nível de exigência do trabalho na urgência, aliado ao desgaste associado, pode estar a afastar profissionais, admitem os responsáveis. Neste modelo, “os médicos deixam de fazer as 18 horas semanais de urgência, para passarem a fazer o horário todo na urgência. Ora, este é um trabalho duro, que inclui trabalho noturno e ao fim de semana. A rotina fica alterada, não é o mesmo de trabalhar numa enfermaria”, sublinha João Porto, ao Observador, sublinhando que os médicos, e principalmente os mais jovens, já não tomam decisões só com base no vencimento, mas também avaliam as “condições de trabalho e a qualidade de vida”, fatores que têm vindo a ganhar preponderância.

“A urgência é pesada, é desorganizada, e isso não é atrativo”, reforça Lèlita Santos. “Fazer urgência todos os dias é um desgaste enorme”, sublinha, por seu lado, o presidente da associação que representa os Centros de Responsabilidade Integrados, João Varandas Fernandes.

Santa Maria diz que seriam precisos 100 médicos para garantir equipas dedicadas nas urgências

Para contrariar esta realidade, transversal a todo o país, o Hospital de São José quer flexibilizar os horários do médicos que vierem a integrar o CRI da urgência. “Temos um modelo de rotação de escala que permite alguma flexibilidade nos horários (uma vez que sabemos que este trabalho é violento) de modo a permitir alguns períodos de descanso”, explica a internista Catarina Pereira.

Em São José, já existe uma equipa dedicada à urgência, inserida num outro modelo, e que o hospital vai convidar a integrar o CRI. Numa primeira fase, a nova equipa dedicada vai funcionar das 8h às 20h, o período de maior afluência. Para isso, a ULS de São José (que integra o hospital com o mesmo nome e cinco outros) precisa de recrutar 16 médicos, uma tarefa que não se afigura simples. Catarina Pereira admite que possa ser necessário recrutar médicos que não pertencem aos quadro daquela unidade hospitalar. “Queremos avançar depois para as 24 horas de CRI, dependendo da captação de médicos. Nessa altura, vamos precisar de 24 especialistas”, avança.

"A urgência é pesada, é desorganizada, e isso não é atrativo"
Lèlita Santos, Presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna

Em Coimbra, a intenção é iniciar o projeto em abril, com cinco médicos. Ao contrário do São José, os Hospitais de Coimbra não têm uma equipa dedicada à urgência. “Vamos ter de começar do zero”, diz o internista João Porto, reconhecendo a fraca adesão registada até ao momento.

Outro fator que está a contribuir para essa fraca adesão dos médicos é a atual situação de incerteza e instabilidade quanto ao funcionamento do SNS, numa fase de transição para um novo governo. “O clima político também não é favorável, há algum receio de que os planos podem não ter continuidade com o novo governo”, diz a diretora da urgência do São José. Já João Porto frisa que, nesta fase inicial, e ainda com as urgências em fase de reformulação, a instabilidade não ajuda à atração de especialistas.

Indicadores são difíceis de atingir e deontologicamente “reprováveis”, diz a FNAM

As dificuldades na captação de médicos contrastam com o incentivo remuneratório oferecido, que varia consoante o desempenho. Desta forma, e segundo a portaria publicada no final de janeiro, os especialistas que integrarem as CRI das urgências podem receber mais 40 a 100% do vencimento, ou seja, poderão dobrar a remuneração mensal, atingindo os seis a oito mil euros brutos por mês. Um incentivo “muito bom”, admite João Porto. No entanto, para atingirem o máximo, as equipas dos cinco hospitais abrangidos pelos CRI na urgência (Santa Maria, São José, Santo António, São João e Coimbra) terão de cumprir todos os onze indicadores de desempenho definidos.

Os indicadores englobam questões como o acesso, a qualidade dos cuidados, a eficiência e a integração de cuidados. Na dimensão do acesso, as equipas dos CRI vão ser avaliadas pela percentagem de doentes fora da área de influência direta que chegam à urgência, pela percentagem de doentes atendidos dentro do tempo previsto na triagem, pelo tempo que decore desde a 1.ª observação médica até à alta clínica e pela taxa de abandono do serviço de urgência.

Na dimensão da qualidade, será avaliada a taxa de resolutividade, a percentagem de episódios de urgência que originam internamento e a taxa de readmissões. No que diz respeito à eficiência, o gasto médio com meios complementares de diagnóstico e tratamento por doente sem internamento é um dos fatores de ponderação. Finalmente, na dimensão da integração dos cuidados, será avaliada a percentagem de doentes orientados diretamente para ambulatório programado, a taxa de utilizadores frequentes e a taxa de internamentos evitáveis.

Indicadores que a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) considera serem “difíceis de concretizar”, apesar de os valores concretos de cada variável poderem ser definidos pelos próprios hospitais.“As métricas não são aceitáveis. Os médicos que aderirem são prejudicados se atenderem doentes de fora da área de influência do hospital, se prescreverem muitos exames e passarem muitas receitas. São metas reprováveis do ponto de vista deontológico”, diz ao Observador a presidente da FNAM, Joana Bordalo e Sá, acrescentando que “o médico tem de escolher a terapêutica e passar os exames que o doente precisa e não pode decidir consoante isso vá melhorar ou não o seu vencimento”.

Sem os acréscimos salariais associados à produtividade, os médicos regridem em termos de condições de trabalho. Não é atrativo“, diz o médico André Carvalho, adiantando que o projeto para CRI da urgência no Hospital de Santo António está parado, sem avanços.

O Presidente da Associação que agrega os CRI alerta que, sem um reforço da resposta nos centros de saúde, as equipas dedicadas na urgência nada vão resolver

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

O Presidente da associação que representa os Centros de Responsabilidade Integrados admite que alguns objetivos são difíceis de atingir, mas lembra que o processo será “evolutivo”. “O objetivo é aproveitar a experiência já adquirida noutros CRI, cerca de 40, potenciando ganhos em saúde e fixando profissionais”, explica João Varandas Fernandes. Numa primeira fase, e por um período que ainda não se encontra definido, os profissionais vão receber um incentivo correspondente a 75% do salário — depois, tudo dependerá do cumprimento dos indicadores.

Sem resposta dos centros de saúde, CRI não vão resolver problema, avisam os médicos

Ao Observador, o especialista que dirige o CRI de Traumatologia Ortopédica do Hospital de São José alerta, no entanto, que, sem um aumento da capacidade de resposta nos cuidados de saúde primários, os CRI não vão, por si só, resolver os problemas dos serviços de urgência. “Não são a única solução para aliviar e reorganizar os serviços de urgência mas são um dos caminhos que podem melhorar muito a assistência. Contudo, sem uma consulta resoluta nos cuidados de saúde primários, só com os CRI não são suficientes“, vinca.

Falsas urgências aumentaram 20%: são mais onde há menos médicos de família

O mesmo diagnóstico faz a médica Lèlita Santos. “Duvido que os CRI venham a contribuir para uma melhor organização das urgências. Os problemas a jusante e a montante mantêm-se e não são os CRI que os vão resolver”, alerta. “Há aqui um grau de dificuldade grande“, reforça também Varandas Fernandes.

Apesar das tentativas, o Observador não conseguiu perceber como está a decorrer a implementação dos CRI junto dos diretores dos serviços de urgência dos Hospitais de Santa Maria, Santo António e São João — João Gouveia, Isabel Almeida e Cristina Marujo. A norte, a ordem, para já, é para manter o silêncio, até o modelo estar em andamento. “É um processo que consideramos que necessita de recato“, diz fonte oficial da ULS de Santo António. Já a ULS de São João adianta que “para já” não se vai pronunciar sobre o tema.

No final de janeiro, o diretor da Urgência do Hospital de Santa Maria admitia à Lusa ser impossível garantir 100 médicos de todas as especialidades para integrar o CRI da urgência, deixando antever as dificuldades em fazer arrancar o projeto durante o mês de fevereiro.

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