Se pensarmos bem, o que se passou em Portugal em 2023 é de uma enorme irresponsabilidade política. E será ainda maior se perdermos fundos do PRR e a economia, em vez do previsto abrandamento, entrar em recessão. O desprezo pelos cidadãos a quem o Estado presta cada vez piores serviços públicos, com um Governo a contentar-se a distribuir cheques, é, esperemos, o epílogo de uma trajetória em que a forma se sobrepôs ao conteúdo, em que a politiquice venceu as políticas, em que a compra e infantilização dos eleitores condenou a exigência, a responsabilização e o pensamento crítico. E, apesar das eleições, nada nos garante que existam condições para fazer diferente. Quem quiser e puder viver numa sociedade mais exigente pode estar condenado a emigrar.

O PS deu-se ao luxo de desperdiçar uma maioria absoluta com recursos financeiros como nunca o país teve e um controlo do aparelho do Estado como nunca se viu em democracia. Apenas a justiça lhe sai (ainda) do controlo o que, por muitas asneiras que faça, é a válvula de escape que resta, num regime em que o aparelho socialista se tornou no novo Dono Disto Tudo. Como têm dito vários analistas políticos, o PS precisa de uma cura de oposição. Mas essa cura, a acontecer, vai sair-nos cara. Porque quem chegar ao poder vai confrontar-se com muito contra-vapor de um Estado capturado pelos socialistas.

O problema não está em Pedro Nuno Santos como líder do PS. O problema está no partido em que boa parte do PS se transformou, rentista do Estado, perseguidor dos críticos, sem ideias nem capacidade de servir os cidadãos, pensando apenas nas suas pequenas carreiras e com muita conversa de Estado Social que é mais o género “coitadinhos dos pobrezinhos”. Contrariamente ao que se possa antecipar, Pedro Nuno Santos seria, com elevada probabilidade, um primeiro-ministro com uma agenda transformadora e mais liberal do que intervencionista.

O que fez na TAP no tempo da pandemia, mostra isso. Quando José Rodrigues dos Santos, na RTP, lhe faz uma pergunta dizendo que prometeu fazer tremer as pernas dos banqueiros, mas as únicas que tremeram foram as dos trabalhadores da TAP, vemos que quando teve oportunidade de fazer tremer os banqueiros, não os escolheu. Fez aquilo que um governo de centro faria – até porque dificilmente algum partido com responsabilidades deixaria falir a TAP. Pelo menos Pedro Nuno Santos decidia. O pior que nos aconteceu nestes últimos pouco mais de oito anos liderados por António Costa foi a não decisão, que na maioria dos casos é pior que uma má decisão.

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O tempo que se assiste neste momento é de elogios a António Costa. Sim, merece ser elogiado pela sua enorme capacidade de se manter à frente do Governo do país fixando-se apenas nas ditas contas certas, obtidas através de cortes na despesa que não se via, e que agora se vê que faltou, para gastar no que era visível. Houve uma total e absoluta ausência de políticas públicas, como se revela hoje na degradação na saúde, nos maus resultados na educação, no mau funcionamento da justiça, nos atrasos nas políticas ambientais. Além disso, a sucessiva desvalorização que foi fazendo dos processos que iam envolvendo governantes, já com a maioria absoluta, degradou ética e moralmente a sociedade. E desde que teve a maioria absoluta só começou a tentar governar quando o Presidente da República aumentou a pressão.

O PSD tem aqui uma oportunidade única. Será capaz de a aproveitar? Nesta fase não parece. A falta de energia e convicções que Luís Montenegro transmite nas suas intervenções, a par do facto de se ter deixado armadilhar pelo PS no caso do Chega, não indicam, nesta fase, que seja capaz de capitalizar o descontentamento destes anos de não decisão e degradação.

Mesmo que consiga ganhar eleições, o PSD tem pela frente o enorme desafio de governar a partir do ponto em que António Costa deixou o país, com o aparelho de Estado capturado, os serviços públicos degradados e parte do país viciado em subsídios. Mesmo as ditas contas certas podem desaparecer num ápice se a economia entrar em recessão e, especialmente, se um dos sectores que mais tem contribuído para o crescimento e o emprego, o turismo, se começar a retrair.

O regime só tinha a ganhar se as eleições de 10 de Março produzissem uma alternativa que levasse o partido que tem estado no poder, o PS, a regenerar-se, depois do que não fez, e tanto que podia ter feito, pelo país e após o cisne negro em que nos meteu neste ano de 2023. Tudo poderia ter sido muito diferente para muito melhor se António Costa gostasse mais de políticas, de governar, do que de política, de jogos de poder. Perdemos quase uma década, quando se poderia ter aproveitado a prosperidade, depois dos sacrifícios impostos pelo programa de ajustamento, para desenvolver o país e aumentar o seu crescimento.