Na tradicional Festa do Pontal, Luís Montenegro optou por enfatizar a ideia de que o PSD não é “nem socialista nem liberal”, mas sim social-democrata – recuperando aliás uma das principais linhas de força do posicionamento estratégico e doutrinário de Rui Rio. Uma tese bastante interessante no domínio da ciência política porque o partido em Portugal que mais alinhado está com a social-democracia europeia contemporânea é o… PS.
Curiosamente, no seu discurso no Pontal o actual líder do PSD optou também por enaltecer Sá Carneiro e Cavaco Silva, mas omitiu ostensivamente Pedro Passos Coelho. Montenegro foi no entanto credível e consistente na sua rejeição do liberalismo, aliás concorrendo com o PS no populismo e no estatismo. O foco do discurso foram os funcionários públicos e os pensionistas – dois segmentos eleitorais que o PSD parece apostado em tentar recuperar ao PS através de medidas populistas focadas no curto prazo. Uma lógica compreensível do ponto de vista eleitoral mas que não augura nada de bom a médio e longo prazo para a recuperação do atraso do país. Como bem resumiu Jorge Teixeira:
“No que toca a manobras de compra de votos, o PSD conseguiu ultrapassar o PS nuns meros cinco meses. Estamos todos de parabéns. Quem vier a seguir que pague os danos no sistema fiscal, no orçamento do Estado e na qualidade dos serviços públicos, nomeadamente ferrovia.”
De facto, todas as medidas anunciadas se enquadram numa lógica de retirar margem de manobra à oposição – nomeadamente ao PS e ao CH – aumentando o custo político de chumbar o Orçamento do Estado e, em caso de chumbo e subsequente crise política, posicionar o melhor possível a AD para novas eleições. O anúncio de novos cursos de Medicina em Trás-os-Montes e Évora não resolve nenhum dos problemas estruturais da saúde em Portugal mas dá um sinal de atenção ao interior de uma forma que é popular para a generalidade do país (formar mais médicos). O suplemento extraordinário para as pensões mais baixas é um verdadeiro suplemento extraordinário eleitoral – fazendo coincidir uma transferência directa para milhares e milhares de pensionistas com um momento político crítico. Sem esquecer, claro, o novo passe ferroviário nacional por 20 euros mensais, que subsidiará fortemente a procura num sector que enfrenta problemas gravíssimos e crescentes na oferta.
Se do ponto de vista eleitoral o suplemento extraordinário para as pensões é claramente a aposta mais forte, o anunciado novo passe ferroviário nacional é ainda assim simbolicamente mais ilustrativo do desvario social-democrata aplicado às políticas públicas – neste caso no sector dos transportes – o que justifica alguma atenção adicional. Sem mais detalhes sobre a sua concretização – que só deverão ser conhecidos em Setembro quando for divulgado o também anunciado “plano de mobilidade verde” – não é possível avaliar completamente a medida, mas com base no que já se sabe é ainda assim possível avançar com uma análise preliminar do novo passe ferroviário nacional.
Antes de mais, impõe-se um elogio a Rui Tavares. O passe ferroviário nacional tem sido uma das principais bandeiras eleitorais do Livre e o governo AD não só reconhece o pioneirismo de Rui Tavares (a imitação é a melhor forma de elogio) como vai aparentemente bem mais longe do que o Livre propunha. No entanto, infelizmente para o país e em especial para os portugueses que utilizam transportes públicos, a medida, apesar de intuitivamente apelativa, é francamente má.
Importa salientar que já existe um passe ferroviário nacional, com custo mensal de 49 euros mas válido exclusivamente nos comboios regionais, o que limita o seu alcance e número de utilizadores. Estava previsto o seu alargamento aos comboios inter-regionais e a alguns comboios urbanos e intercidades mas tudo isso fica agora – presumivelmente – ultrapassado pelo novo passe ferroviário que promete aplicação a toda a rede ferroviária nacional (com a única excepção dos Alfa) e por apenas 20 euros mensais.
Recordando o grande Frédéric Bastiat, em discussões sobre políticas públicas é fundamental distinguir entre o que se vê e o que não se vê. No caso do novo passe ferroviário nacional, o que se vê é uma benesse generosamente concedida pelo Estado que permitirá a quem o deseje viajar sem limite por toda a rede ferroviária nacional (com excepção dos Alfa) por menos do que custa hoje normalmente uma única viagem do Porto a Lisboa no serviço intercidades em segunda classe.
O que não se vê é mais complexo de perceber mas não menos importante. Desde logo o impacto directo da redução de receita nas contas da CP. Esse impacto será – presumivelmente – compensado pelo Estado, o que implica inevitavelmente que menos recursos estarão disponíveis para outras áreas, como a educação, a saúde ou a segurança. Mas mesmo que a compensação financeira à CP não implicasse um custo de oportunidade, a medida seria ainda assim danosa por desligar a oferta da procura. O passe ferroviário nacional tal como foi anunciado coloca a oferta de transporte ferroviário em Portugal a caminhar ainda mais no sentido errado, cada vez mais longe de uma lógica de mercado ou quase-mercado e reforçando o carácter monopolista, estatista e desligado da procura do sistema vigente.
Um sistema monopolista e estatista que torna também extraordinariamente difícil e custoso aquilo que deveria ser a principal prioridade para Portugal neste momento: reforçar a oferta. A rede ferroviária deveria poder expandir-se em vez de continuar a encolher, a oferta de serviços precisa urgentemente de mais abrangência e concorrência, grande parte das estações precisam de ser requalificadas e há muito por fazer no que diz respeito às ligações intermodais.
Tudo isso exige mais – e não menos – recursos, assim como exige uma gestão racional da procura e o alinhamento de incentivos entre procura e oferta, desejavelmente com abertura à concorrência e novos investidores – nacionais e internacionais – no sector (os efeitos benéficos da liberalização do transporte rodoviário são a este respeito um excelente exemplo).
Pode ser impopular afirmá-lo, mas o passe ferroviário a 20 euros não ajudará a concretizar qualquer dos objectivos enunciados. Muito pelo contrário. Infelizmente, como os arautos nacionais da social-democracia bem sabem, a lógica populista e demagógica de oferecer benesses é difícil de contrariar.