Em Portugal, a vida da oposição nunca foi fácil. Agora, até está mais difícil, ao ponto de nem mesmo o colapso da governação socialista em Novembro parecer suficiente para garantir que haverá outro partido no governo em Março. Em grande parte, isso é assim porque o BCE desmontou o único mecanismo de alternância que conhecemos desde 1995 – a crise financeira externa. A mudança no poder terá, agora, de vir de dentro. Mas a oposição tem pela frente um poder socialista que pôde dedicar-se à criação e alimentação de clientelas eleitorais sem recear rupturas como em 2010. Não faltando o dinheiro, como convencer o eleitorado a mudar?

No tempo de Rui Rio, o PSD quis acreditar na lógica dos turnos: depois de uns anos de PS, seria tempo de uns anos de PSD. Não funcionou. Agora, o PSD fez uma nova AD. Os velhos parceiros, porém, não têm para somar o que tinham no passado: em 1979, o CDS trazia 16% dos votos; agora, traz 1,6%. Como é óbvio, a AD interessa ao PSD pelo efeito mobilizador da antiga sigla. Convinha, então, que os dirigentes do PSD percebessem donde vinha esse efeito. Até agora, não deram sinais de ter percebido.

Os dirigentes do PSD parecem acreditar que a AD de 1979 consistiu apenas num apelo ao “voto útil”. Foi o que deram a entender ao ameaçar a IL de que perderia eleitores por não alinhar na coligação. Os dirigentes do PSD estão muito enganados. A força da AD em 1979 não veio do terrorismo eleitoral permitido pelo método de Hondt.  A força da velha AD veio da súbita clareza que injectou na vida portuguesa: a AD propôs-se tirar a esquerda do poder, e garantiu que todos os partidos importantes da direita, cientes da urgência nacional de uma mudança, estavam concertados para isso.

Os actuais dirigentes do PSD ainda não foram capazes de igual clarificação. Parece-lhes importar menos o problema do país, sujeito ao poder socialista, do que o problema do PSD, atormentado pela concorrência da IL e do Chega. Tentaram assim tirar autonomia à IL, através da proposta de coligação, e agora esperam, com exigências bizarras, tirar votos à IL e ao Chega: Luís Montenegro só formará governo se ganhar e se não depender do Chega. O objectivo da nova AD não parece ser o de dar ao país uma alternativa ao socialismo, mas o de esvaziar os outros partidos parlamentares de direita. Deste modo, os dirigentes do PSD estão a reduzir a AD a uma questão doméstica da direita, e a diminuir o seu poder mobilizador.

Em 1979, Francisco Sá Carneiro não fez a AD para engrandecer o PSD, mas para formar um governo que rompesse com o poder da esquerda. Por isso, esteve disponível para se entender com o CDS, com quem o PSD nunca se dera bem: não tentou submeter ou esvaziar o CDS. Também não teve medo, ao integrar o PPM, do labéu de “bloco conservador-monárquico” que o PS tentou colar à AD. Há quem agora lembre que a velha AD não incluiu o MIRN. A lembrança é ridícula. O MIRN valia 0,40% dos votos. Não tinha 12 deputados nem sondagens a augurar-lhe 15% da votação. Uma alternativa ao poder socialista tem de ser construída com as direitas tal como existem, e através dos protocolos possíveis, diferentes em cada caso (coligação ou acordo).

O sectarismo e a demagogia dos novos partidos são certamente penosos. Mas não é razoável esperar que desistissem de contar votos, nem confiar em que o “voto útil” desfaça em Portugal uma pluralidade que se está a afirmar em todo o Ocidente. Excluí-los à partida, ainda por cima nos termos da esquerda, como acontece com o Chega, apenas servirá para tornar uma alternativa ao poder socialista menos credível, e convencer os eleitores de que, do ponto de vista da alternância no governo, o voto na nova AD pode ser inútil.

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