É uma dificuldade que tenho no mundo atual. Numa idade de extremismos – onde os meios termos, as nuances, a tentativa de perceber o argumento contrário e a vontade de obter compromissos estão todos fora de moda – alguém que se esforça, e cada vez mais me esforço, por ser moderada tem a vida dificultada. Praticamente toda a gente prefere a simplicidade monocromática dos extremos, onde tudo é absoluto, não há necessidade de questionar ou ponderar, existem hordas acéfalas nas redes sociais prontas a ulular para qualquer posição radical e, de preferência, carregada de ódio ao extremo oposto. Não estão tempos famosos para a defesa do meio termo, esse bom princípio que veio quer da filosofia grega quer do confucionismo.

Um dos temas em que os extremistas pululam são as alterações climáticas. Por um lado temos os que ainda não se convenceram que há urgências a serem atendidas, desde as ilhas de plástico nos oceanos, ao aceleramento da deflorestação na Amazónia (quando uma das melhores estratégias para anular as emissões de carbono é plantar mais árvores por todo o planeta e vários países fazem-no ou pretendem fazê-lo), aos microplásticos que estão em todo o lado e, sim, ao aumento das temperaturas e esperadas consequências. É obra.

Por outro há os que preferem uma calamidade ambiental e o fim da espécie humana a aceitar que os Estados e os governos intervenham de alguma forma para contrariar os perigos ambientais, desde incentivar ou desincentivar atividades económicas através da fiscalidade até gastar dinheiro dos contribuintes em pesquisa científica, regular ou proibir consumo de certos materiais e por aí adiante. Antes desaparecermos todos que reconhecermos algum papel necessário ao Estado.

Depois há os que também parecem querer que a humanidade pereça e se extinga, não por amor à ideologia libertária, mas como sacrifício em prol das plantas e dos animais e das calotes polares. O messianismo ambientalista sempre esteve carregado de pretensões religiosas – o ascetismo da recusa do consumo, um modo de vida tão natural quanto possível sem permeabilidade às tecnologias (novas e velhas), o localismo mais que o globalismo, alimentos proibidos. Alguma razão até podem ter, contudo a beatice da mensagem é tal que temos de refrear a vontade de ir extinguir uma espécie ou duas de insetos.

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Mas agora suspeito que há quem queira imolar a espécie humana para que o planeta Terra e os seus ecossistemas regressem a um perfeito funcionamento. Dentro deste grupo estão os ativistas pela não reprodução da espécie humana. O projeto The Great Decrease tem colocado cartazes pela Europa celebrando as baixas taxas de natalidade, incluindo em Portugal. E pelas redes sociais vêem-se repetidos memes e publicações dando conta de como afinal a atitude mais responsável e magnânima é decidir não ter filhos.

Atenção: não me espanto com casais pensando muitas vezes antes de procriarem, dado o ambiente tóxico ambiental e político em que vivemos. E, evidentemente, filhos ou fazem parte do projeto de vida de alguém ou não fazem, e não há lugar a julgamentos por terceiros. Mais: é verdade, a evolução tecnológica – mesmo que de futuro orientada para a sustentabilidade ambiental – permite mais produção com menor mão de obra. Donde, a inovação tecnológica compensará diminuições de população (até certo ponto).

Em todo o caso, não aceito este incentivo a não ter filhos – tal como reviraria olhos se alguma organização religiosa colocasse cartazes pelo país prometendo o inferno a quem não se reproduzisse.

É conveniente lembrar a necessidade de novas gerações para a sustentabilidade da segurança social e para a continuação do crescimento económico (que a evolução tecnológica não faz tudo). Existirem crianças e jovens numa comunidade também se traduz num maior espírito de inovação, vivacidade cultural e social, dinamismo das artes e – não é de somenos – sentido de esperança, de perenidade, de longo prazo. Temos mais incentivo em salvar os ecossistemas e os oceanos e os icebergs se tivermos filhos que nos tragam vontade de lhes legar um ambiente são que se julgarmos a humanidade desaparecendo numa geração ou duas

Historicamente, épocas de crescimento populacional são tempos de ascendência civilizacional, e as épocas de diminuição das populações são de decadência.

De resto, há pesquisa contraditória sobre os efeitos na felicidade dos pais que os filhos trazem – se a aumentam ou diminuem – mas aparentemente é certo que são as populações mais felizes as mais propensas a reproduzirem-se. Baixa natalidade é tanto sintoma como causa de uma sociedade tristonha, infeliz e decadente. Não há nada para celebrar.