A última sondagem publicada no JN confirma a divisão da direita. Esta (com o PSD à volta dos 24%, o Chega nos 8% e a Iniciativa Liberal perto dos 5%) parece que se dividiu em vários partidos. Juntos estarão perto dos 38%, se tivermos em conta o valor atribuído ao CDS. Uma projecção não muito diferente do resultado das legislativas de 1976 quando PSD e CDS, somados, conseguiram 40,32% dos votos.

Nessa altura a direita encontrava-se dividida entre dois partidos, mas o processo de união não se fez esperar. Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Amaro da Costa concretizaram uma coligação pré-eleitoral que se manteve (com excepção das eleições de 1983 e 1985) até 1995. É verdade que PSD e CDS não mais concorreriam juntos, mas também não foi preciso já que uma direita eleitoralmente unida possibilitou as maiorias absolutas de Cavaco Silva. A partir de 1995 a direita também se uniu nos governos de Durão Barroso e Passos Coelho.

A única vez que a direita de juntou havendo um presidente da sua área política foi entre 2011 e 2015. Para o facto concorreram dois factores indispensáveis: a iminente bancarrota do Estado e o facto de o presidente ser Cavaco Silva. Este, além do horror que deve ter presenciado na pessoa de José Sócrates, exigia estabilidade. Fez por isso durante o governo de Passos/Portas, como o fez ao reclamar um compromisso escrito que sustentasse a geringonça. Mas Cavaco não é Marcelo; em 2011 Cavaco já tinha lugar na história recente e não precisava de provar o quer que fosse. Marcelo não tem essa segurança. E não há nada mais imprevisível que uma pessoa insegura.

Desde que chegou à presidência que não me canso de escrever sobre a forma como Marcelo tem exercido o cargo. É meu entendimento que o actual presidente visa governar a partir de Belém (e dentro dos limites constitucionais que ele próprio conta interpretar, como ultimamente já demonstrou ser sua intenção). Para o conseguir, Marcelo precisa um Parlamento dividido e de um governo fraco. Está à beira de obter ambos. Para todos os efeitos, António Costa era o seu único adversário. Por muito que o sucesso socialista nas contas públicas não seja verdadeiro, o certo é que a mensagem de Costa passou. É falsa, mas as pessoas acreditam nela e porque assim é Marcelo não se cansará enquanto não desgastar o líder socialista. A promulgação de uma lei popular aprovada pela oposição e contra vontade expressa do primeiro-ministro é apenas um passo nesse sentido. Outros se seguirão.

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Para que a sua ambição política se concretize o presidente da república precisa de um PSD fraco. Nessa medida o esforço para descredibilizar o trabalho feito pelo último governo PSD/CDS deu frutos: Rui Rio é a pessoa ideal para a concretização desse objectivo. Desde que chegou à liderança do PSD, Rio não obteve apenas um dos piores resultados do partido em eleições legislativas. Ele foi ainda mais longe: conseguiu ser mais eficaz na oposição que fez aos que se lhe opõem no PSD que ao governo PS. Mais: depois de ter afirmado e reafirmado que a política necessita de banho de ética, Rio prepara-se para apoiar Isaltino Morais à Câmara de Oeiras. Espero que ainda se consiga evitar o pior, pois se tal suceder pouco mais há que se possa dizer em abono de Rui Rio. Com um PSD fraco e que se diz de centro, a direita perdeu o núcleo à volta do qual se podia agregar. A dispersão não se fez esperar e são muitos os militantes que, nos últimos meses, deixaram o PSD.

Poderão dizer-me que não foi Marcelo quem escolheu Rui Rio, nem que é Marcelo quem define a estratégia do PSD. É verdade. Mas também não é mentira que Marcelo tudo tem feito para alimentar essa divisão. Como? Fê-lo quando afirmou, em 2015, que Portugal estava dividido em dois países e que era preciso ultrapassar divisões políticas. Cínica e subtilmente Marcelo responsabilizou Passos Coelho pela divisão do país, limpou Sócrates e depositou nele (presidente da república vindo do PSD) e em Costa (primeiro-ministro vindo do PS) o papel de unir os Portugueses. Ao fazê-lo desvalorizou o esforço de muitos que no PSD trabalharam para resgatar o Estado da falência em que o PS o deixou. Feridas como esta deixam marcas. Feridas como esta dividem. Feridas como esta, propositadamente provocadas e publicamente apresentadas como cura, são mortais. Politicamente mortais. Marcelo Rebelo de Sousa é um político experiente e um homem inteligente. Sabe muito bem, sempre soube, quais as consequências do que fez e do que disse. E de nada serve alegar que Marcelo incentivou as coligações entre PSD e CDS nas autárquicas, pois o CDS acabou. Este CDS não está a juntar forças com o PSD. Este CDS está simplesmente a lutar pela sobrevivência política dos seus militantes. A ideia de que se une a direita através de uma coligação entre um partido que se diz do centro e outro que está em vias de desaparecer é uma farsa. Oportuna, mas não deixa de ser uma farsa.

Para ser o líder incontestado da direita Marcelo tem de apagar Cavaco Silva. E o actual presidente tem sido incansável na concretização desse objectivo. O processo começou logo no início do mandato com a recusa, sob o pretexto de ser caro, do carro presidencial que Cavaco lhe deixou, no que mais não era que uma tradição de cortesia. Ou quando comentou com indirectas uma afirmação de Cavaco Silva acrescentando no fim que, como presidente, não lhe cabia comentar as declarações de outros presidentes. É o tal sim ao mesmo tempo que também é não a que Marcelo nos tem habituado. Tiradas inofensivas e com piada quando tudo está bem, mas que nos devem alertar para as características da personalidade do inquilino em Belém.

A tal sondagem com que iniciei este texto confirma a tendência de divisão na direita. Infelizmente,  aquando das presidenciais em Março, muitos à direita alinharam com o actual presidente por verem nele um elo agregador. Esqueceram-se (ou não quiseram saber, pois houve quem os avisasse do contrário) que se agregar alguma coisa Marcelo fá-lo-á à sua volta e à custa do tudo o resto. A divisão do PSD, a dispersão do seu eleitorado e o desaparecimento do CDS é o cenário ideal para Marcelo. Lamentavelmente, a direita recusou-se a ver isto. Resta-nos esperar que, à direita, surja finalmente quem enfrente o presidente. Até lá, o país continuará nesta maré pantanosa em que aparentemente andamos para a frente mas não saímos do mesmo sítio.