António Costa foi entrevistado pelo Jornal de Notícias e, como é normal em entrevistas, disse várias coisas. No dia seguinte, toda a imprensa destacava esta: “Um cata-vento tem uma grande vantagem sobre o dr. Rui Rio: é que um cata-vento ao menos tem pontos cardeais, o dr. Rui Rio não tem.” É bem destacado. Quando o PM recorre a metáforas tão exuberantes para caracterizar o líder da oposição como alguém que não tem orientação, isso é notícia. Para Costa, Rio é uma espécie daqueles sacos de plástico que flutuam ao sabor do vento, esvoaçando para um lado, depois guinando para outro, às voltas sobre si mesmo, até se estatelar no meio da rua. É natural que a comunicação social tenha realçado esta frase. Aliás, não era outro o objectivo do PM.

Com a acusação de sub-cataventismo, António Costa usou Rui Rio como manobra de diversão, para ninguém reparar noutras coisas que ele dissesse. Como um ilusionista faz manigâncias com lenços para que o público não se aperceba na mecânica do truque, Mandrakosta acenou com Rio à frente de toda a gente, não fosse alguém topar que, mais uma vez, evitou falar sobre José Sócrates. Ao dizer que Rui Rio tem menos préstimo que um galo de ferro a girar no cimo de um campanário, passou despercebido que Costa também disse isto sobre o silêncio em relação a Sócrates: “O PS fez o que é correto. Porque qualquer coisa que o PS fizesse, das duas uma: ou seria uma pressão inadmissível sobre a Justiça ou seria uma desconsideração inaceitável do princípio da presunção da inocência. (…) Portanto, não tenho nada a acrescentar sobre o caso do eng.º Sócrates, para além do que disse em outubro de 2014, e só voltarei a falar sobre esse assunto quando houver uma decisão transitada em julgado. (…) Se o PS há-de tirar conclusões sobre a matéria, seguramente que sim, mas acho que as deve tirar no momento próprio. E o momento próprio é quando este caso terminar. Aí, sim, o PS pode e deve falar.”

Quando conjugamos primeiros-ministros do PS e o verbo furtar, é óbvio que em primeiro lugar se destaca Sócrates e aquilo que furtou. Porém, logo a seguir vem Costa e aquilo a que se furtou. Impressiona ver a pinta com que o actual PM se tem furtado a comentar a Operação Marquês, especialmente desde que o juiz de instrução confirmou que José Sócrates recebeu pagamentos milionários de um empresário enquanto era PM de um Governo do qual Costa fazia parte.

É que isto não é apenas o proverbial elefante na sala. António Costa partilha uma divisão da casa com um paquiderme e finge não o ver, até aqui já chegámos. Mas este convívio é muito mais do que isso. Para já, não chega a ser uma sala, é uma despensa. Depois, não se trata de um elefante qualquer. O caso da corrupção de José Sócrates é um mamute. E está especialmente descontrolado. É uma mistura entre a mãe do Dumbo quando está enfurecida e aquele elefante do Jardim Zoológico que toca o sino quando lhe dão uma moeda – sendo que este só estende a tromba quando lhe oferecem fotocópias. Perante um bicho destes, António Costa consegue não o encarar uma única vez. O sangue-frio que é preciso para fingir que não está ali um mastodonte. Para este nível de fingimento, não basta ter cara de pau, é preciso ser o Pinóquio.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nem sempre foi assim. Costa já foi mais cândido a falar sobre Sócrates. Em 2015, num perfil sobre o então candidato a PM, Maria João Avillez cita Costa sobre o pacto que firmou com José Sócrates, em que combinaram nunca disputar a liderança do partido um ao outro. Quando surgisse a oportunidade, procederiam assim:

“Não há avaliações absolutas. O que há é pessoas que, pelas suas características podem ser mais adequadas num determinado momento para concorrer a isto ou aquilo. Ou serem até as mais bem preparadas, mas por circunstâncias várias não estarem nas melhores condições para disputar eleições. Tão claro era isto entre nós que fizemos uma espécie de acordo não escrito: cada um de nós apoiaria aquele que no momento da escolha estaria nas ‘tais’ melhores condições.”

Dois aspectos sobressaem. O primeiro é que, já na altura, José Sócrates preferia não deixar registo escrito das combinações que fazia. O segundo é que houve um dia em que, depois de Ferro Rodrigues sair da liderança, Costa e Sócrates avaliaram as suas características, fizeram as contas, e concluíram que o Partido Socialista ficava mais bem servido com Sócrates. Das duas, uma: ou acharam que o PS precisava de um aldrabão; ou julgaram que um aldrabão ia ser mau para o partido e, olhando para os dois, optaram por Sócrates como mal menor. Nenhuma das alternativas é lisonjeira para Costa. Mas não vale a pena perguntar-lhe nada sobre o assunto. Se lhe falarem disso, o PM vai dizer: “E este cata-vento do Rio, hein?”

Se queremos mesmo saber a opinião de Costa, esperemos pelo trânsito em julgado. Em princípio, ouvi-lo-emos lá para 2040. Tenho alguma curiosidade em saber como é que o ancião Costa vai reagir:

Avô, o julgamento acabou. O Sócrates foi condenado.
Quem?
O Sócrates!
Quem?
O Sócrates, avô! O Sócrates!
Quem é o Sócrates?
O antigo Primeiro-Ministro. Foste Ministro do Governo dele.
Eu fui Ministro?

Enquanto o processo decorrer, António Costa está safo pela demora; depois de acabar, vai safá-lo a demência. Se Costa tiver mesmo muita sorte com a lentidão da justiça, então a única forma de ouvi-lo sobre o tema vai ser através de uma tábua ouija. Não vai falar pelos média, vai falar por um médium.