O número de pré-avisos de greve mais do que triplicou entre Janeiro de 2022 e Janeiro de 2023 — passou de 91 para 309. Em relação a Janeiro de 2019, ainda muito longe da pandemia, o número mais do que duplica (133 pré-avisos). Quem segue a actualidade consegue antecipar que os números referentes a Fevereiro e Março de 2023 também ultrapassarão largamente os registados em anos anteriores. Eis o sintoma de um mal-estar transversal que não se dissipará tão cedo.

As razões para o mal-estar não escondem mistérios. Entre a inflação (que causa perda de poder de compra porque não é acompanhada de aumentos salariais proporcionais) e áreas a sofrer por anos de reformas adiadas, o país sobrevive à beira do abismo. Em vários sectores públicos, a ameaça de paralisação tornou-se real. Na Educação, as escolas abrem e fecham de forma intermitente desde há 4 meses — e com a promessa de mais greves às avaliações — após três anos de pandemia e danos profundos na aprendizagem. Na Saúde, o caos do SNS insufla a insatisfação de médicos e enfermeiros, sobre os quais recai uma enorme pressão de responsabilidades e horários, sem correspondência nas remunerações. Nos Transportes, as interrupções nos serviços são a nova rotina, expondo as insuficiências estruturais de empresas como a CP. Na Justiça, a greve em curso dos funcionários judiciais adiou mais de 15 mil diligências até ao momento, atrasando processos que, em condições normais, já se arrastam durante anos.

Os governos de António Costa converteram Portugal num campo minado. E, no horizonte, esta situação explosiva tem três grandes implicações: o PS perdeu o controlo político, vêm aí tempos de grandes adversidades e o regresso da direita ao poder (em 2024 ou 2026) será para apagar mais um fogo socialista.

A primeira implicação é para o governo de António Costa: o PS perdeu o controlo político sobre os acontecimentos. É, aliás, precisamente isso que a recente contratação de Luís Paixão Martins denuncia. Enquanto pôde, António Costa prometeu tudo a toda a gente e repetiu o mantra “a culpa é do Passos”. Com maioria absoluta e sete anos em São Bento, já ninguém se satisfaz com promessas e já ninguém compreende que o governo se esquive das suas responsabilidades. Chegou a hora de apresentar resultados — e os resultados mostram opções ruinosas (TAP) e o pré-colapso de serviços públicos. O caminho até às eleições europeias de 2024 vai ser uma longa agonia para os socialistas, que navegam à deriva e sem um rumo definido.

A segunda implicação é para a governação do país: vêm aí tempos muito difíceis. O endurecimento das acções sindicais, com o surgimento de novos sindicatos mais populistas e menos institucionais, anuncia um clima de tensão social duradouro, mais crispação e menor capacidade negocial. Num contexto de crise económica e inflação, na ressaca de uma pandemia, vários ministros estão sentados num barril de pólvora. Sendo que, como na Educação e na Saúde, estão em causa desafios complexos e de resolução lenta (porque ignorados ao longo de décadas), a probabilidade aponta para que tudo se arraste ainda mais até que, nos próximos meses ou anos, os barris comecem (ou continuem) a explodir.

A terceira implicação é para o PSD e uma eventual maioria de direita, que possa vir a governar a partir de 2026 ou 2024 (no cenário provável de António Costa ir para Bruxelas e o parlamento ser dissolvido): a direita continuará a ser o bombeiro do regime. Depois de herdar o pântano de Guterres (2002) e a bancarrota de Sócrates (2011), a direita arrisca-se a liderar o país num novo ciclo político de grandes adversidades, cumprindo a tradição de só ser chamada para o governo quando o edifício está em chamas. Se não se preparar devidamente, acabará como acabou antes: fora do governo assim que apagar o fogo.

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