Suponho que os elogios ao passeio ucraniano do prof. Marcelo se devem menos à excelência do comportamento do que às expectativas face ao mesmo. Em Kiev, o prof. Marcelo não fez ou disse nada de especial, e isso, por comparação com o que se temia que fizesse ou dissesse, já não foi mau. Note-se que falamos de um homem que passara as semanas anteriores a comunicar com os cidadãos meio despido e a partir da praia. Se descontarmos as prévias mesuras que dedicou ao sr. Lula, que em boa medida comprometem a sinceridade da retórica, o simples facto de o prof. Marcelo ter usado roupa junto ao sr. Zelensky chegou para emprestar uma apreciável dignidade à visita. Se somarmos ao traje protocolar a ausência de rábulas, “selfies”, afirmações esdrúxulas e demais folguedos, a visita correu com uma normalidade que, nos dias que correm, não é normal.

Infelizmente, a visita à Ucrânia não permitiu esquecer o que é normal no prof. Marcelo, leia-se uma noção peculiar do cargo que ocupa desde 2016, e que ocupa com a irresponsabilidade e a jovialidade do entertainer que essencialmente é. Para ele, a chefia do Estado é uma oportunidade de executar em escala maior os números que o celebrizaram no jornalismo, na política e principalmente na televisão. O país não conta, e os catastróficos danos que o governo inflige ao país também não deviam contar. Tudo são maçadas, ligeiros obstáculos a que o prof. Marcelo possa exibir o seu brilho e receber a popularidade de que se julga merecedor, idealmente sem consequências nem preço. Salvo quando se irrita com os enxovalhos a que o dr. Costa o submete e que ele, com a sua leveza, legitimou, o prof. Marcelo não está ali para se aborrecer, mas para montar um espectáculo e banhar-se na adoração do público.

Ora, ainda que pequenito, eu ainda sou do tempo em que a política, aqui e lá fora, não era apenas um espectáculo, o tempo em que um esboço de sorriso do general Eanes era manchete no dia seguinte, e um desabafo malcriado do dr. Soares era debatido durante semanas. Portugal mudou, e mudou com o mundo: eu sou do tempo em que se achava inconcebível, ou no mínimo um bocadinho esquisito, que um ex-actor de cinema chegasse à presidência dos Estados Unidos. A presidência, nos EUA, em Portugal e em qualquer lugar da Cristandade, era uma coisa séria. Ou que, admito, convinha parecer séria. Fundamentada ou não, havia uma aparência de credibilidade institucional (desculpem). Hoje, não só a própria aparência não é credível como é inacreditável. Que gente é esta que ocupa, ou se candidata a ocupar, os mais elevados postos das nações? Porque é tão ridícula ou simplesmente bizarra? Que dimensão alternativa representa? Quem a escolheu, e tolera, e aplaude?

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