Vou ser direto: Portugal seria um país muito mais pobre se não pertencesse à União Europeia. Vou ser insistente: Portugal seria um país muito menos livre se não pertencesse à União Europeia. E vou repetir porque, por estes dias, não há um único candidato a eurodeputado pelos grandes partidos que queira ou saiba defender as vantagens do projeto europeu para o nosso país. Cá vai: fora da UE, tristemente entregues a nós próprios, seríamos muito mais pobres e seríamos muito menos livres.

E nem sequer é preciso falar dos fundos europeus, que efectivamente ajudaram a tirar-nos de um persistente atraso mas que, ao contrário do que parecem pensar os grandes partidos portugueses, não são o princípio e o fim da nossa relação com a UE. O mais importante de tudo é que o simples facto de estarmos num espaço de capitalismo livre e vibrante obriga-nos a sermos um país melhor. Imaginem que as nossas únicas referências — e os nossos parceiros preferenciais — eram o capitalismo de Estado da China ou a autocracia económica de Angola. Seria um susto, não seria?

Houve um tempo em que os líderes dos dois maiores partidos políticos percebiam a importância vital da Europa para Portugal. Logo a seguir ao 25 de Abril, PS e PSD ficaram justamente obcecados com a necessidade de empurrar a todo o custo o país para dentro da então CEE, Comunidade Económica Europeia. Ficar de fora seria um desastroso falhanço; entrar seria a garantia de que nos tornaríamos finalmente um país normal — sem delírios colectivistas (que jamais seriam aceites num mercado comum sem fronteiras) e sem ditadores militares (que jamais passariam da porta principal numa reunião em Bruxelas).

Durante anos, isto foi evidente para qualquer líder político que habitasse no planeta Terra (excluo, portanto, Vasco Gonçalves e outros fantasistas similares). Em 1979, o Presidente francês Valéry Giscard d’Estaing deixou cair em público a remota possibilidade de atrasar o processo de adesão de Portugal porque, depois da entrada da Grécia, a CEE poderia ter dificuldades em absorver a nossa economia. Isto acendeu todos os alertas em Lisboa e pôs Sá Carneiro a correr várias capitais europeias, alternando entre os lamentos e as súplicas.

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Passadas décadas de desenvolvimento e progresso, tudo mudou inexplicavelmente. Esta semana, o último debate com os principais candidatos ao Parlamento Europeu parecia uma entrevista de emprego para cangalheiro da UE. Vindo do PCP, não surpreende: os comunistas são os mais genuínos representantes do populismo eurocrítico que une a extrema-esquerda à extrema-direita. Vindo do BE, não espanta: os bloquistas têm oscilado, como sempre sem grandes convicções, entre um euroentusiamo internacionalista e um eurocepticismo envergonhado. Vindo do CDS, não impressiona: os centristas mostram uma permanente (e incompreensível) dificuldade em conjugar o patriotismo político com a globalização económica. Mas pelo menos o PS e o PSD — que sempre foram o cimento e a gasolina do projeto europeu em Portugal — tinham a missão e a obrigação de explicar que, para um país como o nosso, o putativo fim da Europa seria uma pesada calamidade.

Lamentavelmente, não conseguem. Pedro Marques passou horas infinitas de campanha a atribuir todos os nossos problemas a Manfred Weber, “o principal rosto do pedido de sanções contra Portugal”; e Paulo Rangel atribuiu-os a Jeroen Dijsselbloem, que quer “cortar nos fundos aos portugueses” porque acha que eles “só servem para pagar copos e mulheres”. Mostrando que nos têm em pouca conta, Marques e Rangel parecem querer convencer-nos que o único obstáculo que existe entre os portugueses e um paraíso com rios de mel são os malvados estrangeiros, que pretendem oprimir-nos, e castigar-nos, e ridicularizar-nos.

Todos os candidatos dos principais partidos falam da “troika” e da “austeridade” com o horror de quem foi uma vítima inocente da peste negra. Mas nenhum nos lembra, com a devida crueza, uma verdade simples: quando todos nós, coletivamente, levámos o nosso país à bancarrota o dinheiro que nos salvou e redimiu veio, precisamente, da “troika” e da Europa.

A UE está muito, muito longe (muito longe mesmo) de ser uma construção perfeita. Pode ser atacada e criticada — e melhorada. Mas também não é de certeza uma fórmula mágica que faça desaparecer os nossos defeitos e deficiências. Em 1981, os GNR (ainda sem Rui Reininho) lançaram a música “Portugal na CEE” e cantaram: “E agora, que já lá estamos/ vamos ter tudo aquilo que desejamos/ um PA p’ras vozes e uma Fender/ Oh boy, é tão bom estar na CEE”. Obviamente, estavam a ser irónicos. Ninguém de bom senso esperaria que pudéssemos ter “tudo aquilo que desejamos” — dentro ou fora da Europa. A UE tem problemas e injustiças mas convém não esquecer que Portugal também. Se os candidatos a eurodeputados quiserem, podemos um dia falar sobre isso. Mas é melhor preparem-se: vai ser uma longa, deprimente e penosa conversa.

Nota: um leitor atento chamou a atenção para um erro no texto original deste artigo. As reservas de Giscard D’Estaing à eventual entrada de Portugal na CEE aconteceram em 1979 e não em 1974.