A política, sobretudo em momentos de campanha eleitoral, é pródiga em grandes truques. E os três principais protagonistas destas eleições legislativas não têm desiludido. Mas o problema do ilusionismo é que, mais cedo ou mais tarde, alguém percebe que o que está em causa é isso mesmo: uma ilusão, um truque. Veja-se, para começar, André Ventura. O líder do Chega anda há meses (anos, na verdade) a dizer que só aceitará viabilizar um governo do PSD se tiver assento no Conselho de Ministros. À primeira oportunidade, quando foi confrontado com uma realidade chamada José Manuel Bolieiro, que dispensou alegremente o Chega de qualquer acordo de governação, enfiou a viola no saco e veio desdizer tudo aquilo que tinha dito até então. Como grande ilusionista que é, apressou-se a tentar convencer todos que, apesar de ser o Chega – e não o PS – a permitir a governação de Bolieiro, foi, na verdade, o PSD quem correu para os braços dos socialistas. Como sempre, a ilusão supera a lógica. Mas, por esta altura, já só acredita quem quer. O bluff de Ventura falhou.

Foi sempre esse o grande risco de André Ventura. A menos que o Chega se torne a primeira ou segunda força mais votada, e enquanto o líder do PSD (Montenegro ou outro) mantiver o cordão sanitário, Ventura poderá crescer muito, mas será sempre confrontado com a necessidade de tomar uma decisão: ou permite à direita governar ou a derruba, perpetuando o PS no poder e assumindo as consequências eleitorais dessa decisão. Nos Açores, a opção do líder do Chega foi evidente; no continente, se a escolha for entre a Aliança Democrática e uma geringonça com Pedro Nuno Santos ao leme, é muito improvável que Ventura venha a impedir Montenegro de governar. Os 20, 30 ou 40 deputados que o Chega pode eleger serão, por isso, inconsequentes. Sem chão, Ventura, o tal que se estava a “moderar”, veio dizer que o PSD  é uma “espécie de prostituta política”. Acabou-se o disfarce.

Uma careca destapada destapou outra, a de Pedro Nuno Santos. O líder socialista partiu para estas eleições apostado em repetir o truque de António Costa: agitar muito o papão do Chega para que as pessoas tivessem medo de votar em Montenegro, como antes tiveram medo de votar em Rui Rio. Acontece que, já depois de Montenegro ter dito “não é não” a Ventura, os Açores vieram provar que é possível à direita governar sem o Chega. E metade da estratégia do PS foi pelo cano abaixo.

A outra metade da estratégia consistia em mascarar-se daquilo que não é: um homem moderado, sereno, ponderado, de centro. Resultou tão bem que, aparentemente, o fato vai ser lançado às urtigas mais cedo do que tarde para que Pedro Nuno possa ser e parecer aquilo que sempre foi: combativo, convicto, radical, disposto a cair com as suas ideias, concorde-se ou não com elas.

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Justiça lhe seja feita, manteve-se irredutível em relação à possibilidade de ser o PS a ajudar a viabilizar um governo da AD nos Açores, como lhe exigiam muitos no partido – os mesmos que há menos de dois meses tentavam iludir outros tantos com falsas promessas de lealdade. Achar que o PS está condenado, em qualquer circunstância, a viabilizar um governo do PSD para impedir que o Chega vá para o poder, é estender o tapete a Ventura e desresponsabilizar por completo os sociais-democratas, a quem cabe (tem de caber) a opção de escolher os seus aliados.

Com um único gesto, uma única ordem, a partir dos Açores, Montenegro fez o leão – Ventura – passar pelo aro e deixou a foca – Pedro Nuno – a segurar a bola com o nariz. O espanto foi tal que quase toda a gente se esqueceu que Luís Montenegro já disse e repetiu que não viabiliza um governo minoritário do PS, que não fará aquilo que agora todos exigem a Pedro Nuno Santos que faça em nome de uma suposta higienização do regime.

É o segredo mais mal guardado pela direção do PSD: se ficarem em segundo e se existir uma maioria de direita no Parlamento (com Chega, portanto), os sociais-democratas apresentarão uma moção de rejeição para derrubar o PS. Montenegro disse-o na CNN, já depois de Nuno Melo ter sido publicamente humilhado por ter fugido ao guião — a partir da cúpula do PSD, chamaram-lhe “infantilidade” e sugeriram que Melo tinha “ensandecido”. “Não vejo forma de viabilizar um governo minoritário do PS”, disse Montenegro.

Mas nunca mais voltou a mostrar as cartas que tem na manga. No debate com Paulo Raimundo, que fez à distância, Montenegro ficou em silêncio largos segundos quando foi desafiado a esclarecer o que pretende fazer: deixa o PS governar ou alia-se ao Chega para o derrubar? Montenegro não esclareceu. No frente a frente com Ventura, agora já sentado em estúdio, fugiu à pergunta apesar das várias insistências. Para já, com as coisas a correrem aparentemente bem à AD, importa manter a ilusão. E é possível que nunca tenha de responder à pergunta.