Para quem não é versado em ciências políticas, como eu, os novos tempos de abstração ideológica parecem-me um pouco confusos. Esta coisa das ideologias, transformadas em rótulos que já não correspondem aos modelos precisos que foram desenhados no século XIX, é conveniente para podermos chamar nomes aos adversários, “você é um fascista”, “meu grande comuna”, mas já não têm a utilidade do passado. Perguntem aos “coletes amarelos”, manifestantes muito zelosos da prevenção rodoviária, qual é a ideologia que professam. Não devem fazer ideia nenhuma. Juntaram-se, inventaram um uniforme identificativo, barato e disponível em qualquer estação de serviço, obrigatório em caso de acidente, porque julgam ter interesses comuns. Provavelmente, nem isso. As ideias não os movem. Os que partem montras e incendeiam carros são energúmenos que dificilmente serão ideólogos.

Na novilíngua do politicamente correto os criminosos passaram a ser “extremistas” como se o crime fosse uma forma extrema de exprimir uma opinião. Não é. Um criminoso é um criminoso, mesmo que possa ter atenuantes no seu julgamento. Não há liberdade que possa tolerar o abuso violento de uma minoria. Lamento, a “esquerda” que me desculpe, lá estou eu a cair nos clichés, mas isto dos ismos está a voltar a ser tudo religiões e clubes, espaço e hierarquia, “in” ou “out”, pertencer ou ser excluído, “bora lá” porque sim. Os etólogos explicam.

Enfim, vamos lá seguir o hemiciclo da nossa AR, voltar aos jacobinos e montanheses, e chamar, como é clássico, “esquerda” aos que se sentam à esquerda da mesa, do ponto de vista do Presidente da AR, e “direita” aos que se sentam, vejam lá, à esquerda dos que estão à direita, do ponto de vista dos deputados. Digamos que há mais “cravates” do lado da direita e um estilo mais “urban casual” no lado da esquerda. Mas há comunistas bem-postos e os bloquistas também usam Pepe Jeans e sapatilhas Nike… uma confusão. As fardas enganam, embora os bloquistas tenham mais necessidade de ir fardados para não se confundirem com a restante tropa da mesma “rive”. O engenheiro do PAN, embora nem sempre se perceba bem onde está o seu ponto de vista humano, ficou encravado no meio. Quando chegou ainda não se tinha percebido que era um fito-zoo-bloquista. Os verdes? Bem, esses são vermelhos como o nome indica. E a ecologia lá se arrumou entre o PCP de que são um ramo, entenda-se, verde.

Para lá da incapacidade de encontrar ideias diferenciadoras (para lá do “menos Estado” e modesto conservadorismo social), a direita nacional tem falta da extrema-direita. A direita não tem um comparador extremo, à sua direita, que lhe permita conquistar o centro. A extrema-direita, se existisse, recentraria a direita.

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Torna-se fácil, para o PS e congéneres, atirar tudo e todos para direita quando lhes convém. Os da “esquerda”, seja lá o que isso for, são bons. O resto são “fascistas”, coisa horrorosa, porque comunista que se preze sempre soube que o Gulag foi uma invenção do Oeste e a Coreia do Norte é uma democracia, pois claro. O PS instala-se no centro, quando pode, porque há a extrema-esquerda com quem se alia ou repudia em função das conveniências. O PS pode exercer políticas de direita porque, obviamente, é de “esquerda”. O PS é o centro, naturalmente, porque PSD e CDS são de “direita” e que ninguém duvide da palavra de uma pessoa da “esquerda”. Esperar que não haja o aparecimento de extrema-direita em Portugal, quando há extrema-esquerda com assento parlamentar, é a melhor estratégia dos socialistas para encostar PSD e CDS em terrenos que não são os seus e permitir que alguma militância acabe feita por pessoas que suspiram pelo partido que gostariam de ter e ainda não têm.

A realidade é que os dois partidos não socialistas com assento no parlamento são moderados, quase irmãos. Não havendo um referencial de extrema-direita que permita as comparações, necessariamente reveladoras de que o PSD e o CDS não são verdadeiramente a direita, é mais fácil meter todos no mesmo saco. Acima de tudo CDS e PSD não são a direita como ela existe no resto do mundo com democracias parlamentares efetivas. Não são partidos contra o Estado, liberais na defesa absoluta da livre escolha, promotores de sistema não progressivo de impostos, defendendo o abandono da responsabilidade e intervenção pública na protecção social e sanitária, a favor de um sistema educacional que esmague os mais pobres, isolacionistas, economicamente proteccionistas, racistas. Hoje, com toda a clareza, não fosse a questão dos lugares que não chegam para todos, se houvesse extrema-direita, os do PSD e CDS caberiam todos na mesma agremiação de vocação centrista.

Em Portugal há uma direita soft que vai à missa e expressa, de forma inconsistente, princípios morais que se consideram mais conservadores. E, mesmo assim, já têm deputados que assumem a sua homossexualidade, defensores da eutanásia e activistas pró-aborto. Nenhum dos partidos da “direita” é abertamente xenófobo e são tipicamente tímidos na defesa de penas maiores para crimes como homicídio. Em suma, são “a direita” porque não há mais nada à sua direita. É a referência histórica que o pós-25/4 lhes deixou. “Direita”, o que não é nem comunista, nem socialista, não milita com eles, assim é denominada por exclusão de partes. Ou seja, é da “direita” quem a esquerda entende que não é da “esquerda”.

As ideias políticas e a sua aplicação não podem ser vistas como variáveis discretas. São contínuos que se interligam e se sobrepõem em vários momentos. Já não há a “luta de classes” do final do século XIX. Há grupos de interesses, tribos, culturas, educações, aspirações diversas. Há claques. Ainda há pobres, é certo, ainda há quem tenha mais e possa ser chamado de “rico”, há milionários, mas o alargamento da classe média e o desaparecimento do proletário industrial esvaziou a “luta”. E também já não há “camponeses” na Europa ocidental, com especial enfoque para Portugal que assiste a uma desertificação do interior campestre. Nos campos restam velhos, pobres, os pais dos novos urbanos.

A pobreza é, cada vez mais, um fenómeno de estirpe, de migrantes, de desalojados, de menos capazes, de abandonados. A classe urbana, maioritária, mesmo que economicamente frágil, dependente de empregos precários e de ordenado mínimo, já tem, quase sempre graças ao Estado, um conjunto mínimo de garantias que não quer perder, nem se lhes pode tirar – daí que a verdadeira direita não singre em Portugal. A classe média, por sinal já de si empobrecida, olha para os mais pobres, que pressentem como “estranhos”, como uma ameaça ao seu parco bem-estar. É um eleitorado que quer segurança e vai votar naquele, não é naqueles, que lhe pareça ser menos mau.

A direita nacional precisa de se reinventar. Precisa de liderança. Precisa daquele em quem se queira votar. Tem de ser popular, sem precisar de ser populista. A direita, para agregar todos aqueles que não são comunistas ou socialistas, tem de se afirmar em todos os extractos sociais – conceito bem diferente das classes marxistas – através de um espírito positivo, promotor da iniciativa e da ideia de que todos somos capazes de mais. A direita tem de ser motor para a reforma política, sem dogmas, começando por defender melhores remunerações para os mais diferenciados, um meritocracia que seja acompanhada de reconhecimento. A direita deve querer que sejam os melhores dos melhores a ocupar cargos políticos e que estes sejam aliciantes pela remuneração pecuniária, pelo desafio, pela satisfação de servir e não pelas oportunidades de compadrio, de promoção social ínvia ou pelos negócios acessórios.

Tudo isto, além de obrigar a uma mudança da suposta ideologia para a prática, implica que a direita se distinga por apresentar soluções consequentes que respeitem os indivíduos, inclusivas e que promovam ascensores sociais, garantam uma economia geradora de riqueza pessoal e social, estabeleçam padrões de bem-estar que não estejam só dependentes da ilusão de afluência financeira, defendam a educação livre e conservem a liberdade da imprensa, zelem por uma cultura identitária mas não isolacionista, assegurando a liberdade das pessoas e, também por isso, mantendo a segurança pública e a defesa do território nacional, promovendo a saúde individual e colectiva, eliminando a corrupção, mantendo um aparelho judicial que seja justo, transparente, célere e capaz de penalizar de forma proporcional à falta cometida.

A direita tem de se corporizar em torno de pessoas de excelência que sejam modelos de cidadania, exemplos de retidão e de competência profissional. A direita precisa de ter valores e princípios que não sejam só para exibir em discursos. Em suma, a “direita” tem de conquistar o centro, o campo do bom senso, para governar a partir da posição de fulcro que agora a esquerda julga poder ocupar. Portugal precisa de um centro político forte, onde o PS já não cabe, cujos alicerces sejam um Estado Solidário, bem mais amplo do que apenas Social, com raízes fundas numa sociedade não sectária e livre. Precisamos de um centro que agregue ideias novas, não-socialistas, e verdadeiramente progressistas. A direita que sustentará o novo centro, desalojando a velha esquerda, será a base do progresso desejável, a recusa do conservadorismo em que a esquerda se cristalizou.

A “direita”, para ser direita, tem de ser a proposta de um País, um Estado e uma Sociedade inclusiva e mais educada, respeitadora de cada um, mas que não ceda a demagogias, a grupos de pressão, à corrupção, à imposição cultural externa não desejada e, acima de tudo, construa um Portugal aberto e Europeu, sem dúvida, mas que não deixe de ser de Portugueses.