Rui Pinto terá nos seus computadores milhares de documentos que revelarão inúmeros crimes no mundo do futebol (e não só). Rui Pinto terá nos seus computadores provas graves de fuga ao fisco e outros desfalques nos impostos pagos por futebolistas (e não só). Rui Pinto terá nos seus computadores trocas de mails e mensagens que provarão inúmeros casos de corrupção no futebol (e não só). Rui Pinto terá nos seus computadores uma recolha fundamental para a maior investigação de sempre ao mundo do futebol (e não só).

As autoridades de França, Bélgica e Holanda copiaram todos os discos rígidos dos computadores de Rui Pinto com a informação que este recolhia enquanto vivia em Budapeste. As polícias desses países estão a reunir tudo o que podem para juntar ao muito que já foi sendo divulgado pelo Football Leaks e avançar com as investigações que considerarem necessárias.

Em Espanha as provas que Rui Pinto diz ter poderão vir a ser usadas em mais acusações, como as que já apanharam os casos de fraude fiscal de Ronaldo, Mourinho ou Messi. Os EUA reabriram a investigação à acusação de violação contra Cristiano por causa de documentos de Rui Pinto revelados pela Der Spiegel. E o empresário Jorge Mendes pode vir a ter complicações com as suas grandiosas, e não poucas vezes suspeitas, transferências se aquilo que Rui Pinto diz ter em sua posse se confirmar.

Mas haverá muito mais nos computadores de Rui Pinto. A começar pela rede de compra de resultados por causa das apostas desportivas online, provavelmente um dos maiores negócios obscuros da actualidade da qual só se conhece a ponta do icebergue. Provavelmente se o que Rui Pinto alega ter for verdade, descobrir-se-á uma rede de corrupção que se estende da Ásia à Europa e que já valeu condenações em Itália, Polónia, Alemanha e Espanha, mas que em Portugal por enquanto se resume a processos pífios e de pequena monta.

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Sou insuspeita em relação às posições de Ana Gomes: uma mão chega e sobra para contar as vezes que concordei com a eurodeputada socialista. Mas agora, na questão de Rui Pinto e dos segredos que ele guardará, não posso deixar de lhe tirar o chapéu pela forma frontal como colocou o dedo na ferida. Não consigo perceber o que Portugal não está a fazer com dados que podem revelar as mais graves tramóias do futebol internacional. Não consigo entender o silêncio que a detenção e extradição de Rui Pinto continua a merecer. Considero vergonhoso que o hacker Rui Pinto seja apenas usado como um peão numa guerra entre dois dos maiores clubes portugueses e por causa de uns mails que, goste-se ou não, revelam muito da promiscuidade entre futebol e Justiça (e não só).

Rui Pinto cometeu um crime? Claro que sim. A forma como os documentos foram obtidos são ilegais? É óbvio. As provas que tem em sua posse resultam de uma actividade proibida? Sem dúvida. Mas e os crimes que ele pode revelar, não são do interesse público? A forma como expôs e pode expor a corrupção entrincheirada num dos maiores negócios do mundo não é suficientemente relevante? As provas que tem não merecem que possa ganhar o estatuto de denunciante? Rui Pinto deve ser visto como um simples hacker que quer ganhar dinheiro com os dados que ‘rouba’ (quando só é acusado de uma destas situações, que nega por completo) ou protegido (algo de que ele desconfia) como um Whistleblower? O que impede que possa ser julgado pelo que fez e ao mesmo tempo protegido considerado como uma fonte credível de crimes à partida muito piores?

Não sei quem tem medo de Rui Pinto. Sei que, como não há muito tempo me dizia um procurador, é mil vezes mais difícil investigar o mundo do futebol que um ex-primeiro-ministro como José Sócrates, porque as pressões clubísticas são mais e mais fortes que as políticas. Desconfio que além do futebol, haja muitos poderosos que temam as revelações que guardou nos seus computadores. Fico mais descansada por saber que o acervo que reuniu está gravado e controlado pelo Eurojust e não pode ser destruído.

Rui Pinto não é um Robin dos Bosques. Mas sabermos ou não o que roubou a ricos (e não só), revelará muita coisa: da pobreza do nosso futebol, da nossa Justiça e do nosso País.

Só mais duas ou três coisas

  • As relações familiares do Governo fizeram a primeira vítima: o primo do secretário de Estado do Ambiente Carlos Martins, que este nomeou como adjunto para o seu gabinete, foi demitido. Mas se o nomeado caiu, o ‘nomeador’ ainda precisou de umas boas horas e muitas pressões para lhe fazer caminho. Agora, depois dos mais de 40 casos que já se conhecem e de António Costa achar que que só se trata de “uma questão ética se alguém nomear um familiar seu”, parece que vai haver um raio-x ao Governo para evitar mais surpresas. E claro, anunciou também com pompa que vão ser definidos critérios claros para evitar mais casos de ‘Familygate’: devem ser do género daqueles que impunham um tecto máximo de 150 euros para as prendas dos governantes — e que já caiu; ou então dos que a Comissão para a Transparência anda a tentar discutir há três anos.
  • Por falar em desplante do primeiro-ministro, o melhor exemplo é mesmo o comunicado com que justificou a denúncia de Joana Amaral Dias de que tinha onze motoristas ao seu dispor, a ganhar 2121 euros brutos. A culpa, segundo António Costa é do anterior Governo, do qual herdou sete destes funcionários. Ou seja, Costa não só não conseguiu anular aquilo que considerava um desperdício do seu antecessor em mais de três anos, como ainda juntou mais quatro condutores ao pacote inicial. Mas não tem culpa de nada, claro.