A Comissão Europeia prevê uma quebra de 9,8% do PIB português neste ano de 2020. De acordo com o INE, a taxa de desemprego é de 8,1%, embora a realidade possa ser muito mais grave, com previsões, como a do economista Eugénio Rosa, que ultrapassam os 600 mil desempregados. Isto, em Julho. Como sabemos estamos em início de Outubro e ainda faltam três meses até este ano terrível terminar. Não vai ser fácil para ninguém; não vai ser fácil para os que perdem o emprego, para os que perdem a sua empresa, nem para os restantes que vão sofrer os efeitos de uma economia mais pequena. E desta vez também não vai ser fácil para os socialistas e para os bloquistas. Agora estes dois partidos vão ter de escolher: ou ficam ou saem. Se ficarem, pagam o preço da crise; se saírem, correm o risco de levar consigo a vergonha dos que primeiro abandonam o barco. Porque desta vez é a sério. Desta vez um verdadeiro dilema desafia a habilidade política de António Costa e de Catarina Martins. Se passarem politicamente ilesos disto tiro-lhes o chapéu, não por serem bons governantes ou bons dirigentes partidários, mas por serem espertos.

O dilema que se coloca ao PS e ao BE (O PCP propõe resolver a crise através da contratação de mais 100 mil funcionários públicos) é agravado com a promessa dos fundos de Bruxelas. Qualquer governante que queira colher os frutos de uma boa governação, sem passar pelas dificuldades que uma boa governação implica, sonha com os fundos de Bruxelas. É o ouro do Brasil novamente para ser gasto como se não houvesse amanhã. De preferência, como se não houvesse controle. Para PS e BE esses fundos são um dilema, precisamente porque, por um lado, é mais fácil governar com tanto dinheiro a fundo perdido, mas, por outro, a crise económica que esses fundos visam ultrapassar vai ser dura.

Se os dirigentes do PS e do BE têm o dilema que mencionei, um comentador político apresenta-se perante outro: o que é que António Costa e Catarina Martins vão fazer? Vão ficar e usar os fundos ou sair? Ninguém consegue prever o futuro, mas através da leitura do que temos pela frente, bem como do comportamento e do posicionamento dos dirigentes políticos, é possível intuir o que possa vir a acontecer. Vamos lá então.

Quem quer governar precisa, antes de mais nada, de ter um orçamento. Precisamente o que está a ser negociado entre o Governo, o BE e o PCP. De momento, os três traçam linhas vermelhas que, oportunamente, serão ultrapassadas. Até porque, para que o orçamento passe, basta que BE e PCP se abstenham. Como a abstenção é fácil, é provável que o PCP, ao ver como aceites certas propostas suas, esqueça outras. A realização da festa do Avante e do primeiro de Maio pela CGTP não aconteceram por acaso, mas para que não se criasse um atrito desnecessário num acordo necessário. Qualquer comunista sabe que não há almoços grátis. É também provável que o BE não vote contra o orçamento porque a inviabilização do mesmo criaria uma crise política que não seria resolvida até Junho do próximo ano, em virtude das eleições presidenciais em Janeiro. Até lá, a responsabilidade pela crise económica, aumentada pela crise política, cairia toda em cima do partido que impediu a aprovação do orçamento, quando bastava que se abstivesse.

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Outro sinal de que estes partidos não querem sair já, são os fundos. Ou melhor, o comportamento que antecede a chegada destes. Refiro-me à não recondução do presidente do Tribunal de Contas, feita através do telefone, e ao novo regime da contratação pública. Estes dois factos até poderão estar ligados, porque o presidente do Tribunal de Contas foi uma das vozes críticas à alteração do dito regime, que prevê agilizar os procedimentos através da implementação de medidas especiais de contratação pública, com o risco sério destas deixarem de ser devidamente escrutinadas. Para um melhor conhecimento do que está em causa sugiro a leitura do artigo do Professor Mário Aroso de Almeida, no Público. Lê-se o artigo e parece que estamos em 2009, mas não. Estamos mesmo em 2020, embora a cometer os erros de 2009. Tirando o segundo 0, que passou a ser um 2, e o 9, que passou a 0, pouco mais terá mudado em Portugal.

Estes são sinais que nos levam a crer que o Governo está de pedra e cal, pelo menos até Junho de 2021. Na verdade, além do que temos pela frente, temos também de ter em conta a personalidade, o comportamento e o posicionamento político de António Costa. O actual Primeiro-Ministro venceu as eleições há um ano. Não consegue sair agora porque Portugal não pode assumir a presidência do Conselho da União Europeia com um Governo que só não cai definitivamente, porque as eleições só teriam lugar em Junho. Altura em que tudo muda. A partir desse momento, cessa a presidência do Conselho da União Europeia, as presidenciais já foram há 6 meses e aproximam-se as negociações para o orçamento de 2022. Nessa altura, a meio de uma legislatura sem maioria, quase ano e meio após o início da pandemia, António Costa sentir-se-á em condições de dizer que deu o seu melhor. Se sairá pelo seu pé ou se se fará de vítima, orquestrando uma crise política com vista a atribuir a responsabilidade ao BE ou o PSD (o PCP tem condições para ser poupado), dependerá do jeito que quiser fazer ao seu sucessor. Independentemente do que Costa decidir, a esquerda já se está a posicionar para daqui a um ano, quando discordarem sobre a velocidade a que o défice deve ser reduzido. O certo é que, por ora, teremos Governo e orçamento. Daqui a um ano, a narrativa dominante será outra.

Se agora as eleições são de evitar, daqui a um ano é muito provável que a maioria diga que são inevitáveis. Porquê? Não haverá qualquer razão aparente, apenas a aparência de uma razão. Os argumentos serão bem fundamentados e a pose de quem os profere, séria. No próximo Verão, a pandemia terá terminado (ou está controlada), Marcelo cumpre o último mandato (se se candidatar) e o efeito Ventura poderá ter acalmado. De qualquer modo, a última palavra será de Costa. Seis anos como Primeiro-Ministro pode chegar como curriculum. Nessa altura, o desafio dentro do PS será saber qual o socialista que avança, até porque os riscos de derrota, e de governação em caso de vitória, são elevados. Como também o da continuidade de algumas decisões. Por exemplo, se a esquerda sair, é provável que a TAP não fique tal qual Pedro Nuno Santos a deseja. O que fará ele nessa altura?

O artigo desta semana saiu-me assim, um pouco seco, talvez severo demais, mas é o que é. Em Portugal, são poucos os que governam; a maioria tem como desafio passar o dilema para os que vêm a seguir.