O dia era de descanso para os ciclistas poderem voltar ao Giro em força, mas para Fernando Gaviria pode ter sido o fim da corrida. O ciclista colombiano da equipa UAE Team Emirates testou positivo para o SARS-CoV-2, esta segunda-feira, e está fora da prova italiana, confirmou o Observador com fonte oficial da equipa.

Gaviria foi dos primeiros atletas a ser infetado com o novo coronavírus, ainda em fevereiro, durante a prova nos Emirados Árabes Unidos — na altura, a Covid-19 ainda não tinha este nome nem tinha sido declarada pandemia. Agora, em pleno Giro d’Italia, o ciclista volta a ficar em isolamento enquanto os colegas de equipa continuam a corrida. O atleta de 26 anos “têm uma segunda infeção” e “está assintomático”, confirmou Jeroen Swart, médico da equipa ao Observador.

“Não é um falso positivo, visto ter feito um segundo teste que confirmou a reinfeção”, respondeu o médico da equipa Jeroen Swart.

Na primeira vez que ficou infetado, a equipa não foi tão clara quanto à situação, o que fez com que, no dia 12 de março, depois de muitos rumores, Fernando Gaviria tenha decidido esclarecer de uma vez como estava a sua saúde. Numa publicação no Instagram confirmou que tinha testado positivo, mas que se encontrava bem — mais tarde viria a reconhecer que passou por momentos difíceis. Estava internado num hospital como medida de precaução, para que não colocasse outras pessoas em risco.

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Nessa altura, com poucos casos em todo o mundo, a opção ainda era manter internados todos os casos positivos mesmo que apresentassem sintomas ligeiros. Fernando Gaviria só teve alta a 26 de março, depois de três testes negativos.

O facto de ser um atleta e de ter uma vigilância apertada em termos de saúde não impede que uma pessoa seja infetada com o vírus, tal como vimos com Cristiano Ronaldo e muitos outros atletas. “Esperamos que estes atletas estejam em muito boa forma física, mas isso não significa necessariamente que tenham um sistema imunitário acima da média”, disse Marc Veldhoen, virologista no Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa. A boa notícia é que, à partida, uma segunda infeção terá sintomas mais ligeiros.

E será mesmo uma segunda infeção ou o primeiro vírus estará novamente ativo? Só uma análise genética do vírus o poderá dizer, mas, passados mais de seis meses, é pouco provável que seja um ressurgimento da primeira infeção, disse o investigador. Quanto à possibilidade de reinfeção, ainda há poucos casos registados e dependem de vários fatores, como “quão grave foi a primeira infeção, quão bem o sistema imunitário respondeu, quanto tempo passou desde a primeira infeção e qual foi o nível de exposição para ao vírus na segunda vez”.

“A resposta dos anticorpos ao vírus mostrou ser transitória, com os anticorpos a começar a diminuir ao fim de 3-4 meses [como acontece noutras respostas imunitárias] e ser praticamente indetetável ao fim de seis meses em muitos indivíduos”, disse o médico Jeroen Swart. “Houve muita discussão sobre a imunidade com as células T — ainda que seja muito difícil de medir. Agora tornou-se claro que a imunidade com as células T é igualmente transitória ou variável e que o risco de reinfeção é real.

Mesmo os sintomas ligeiros podem ter consequências de longo prazo

Numa publicação de 28 de abril, cerca de um mês após de ter deixado o hospital, Gaviria dizia que estava de volta aos treinos, em casa por causa da pandemia. Em julho, estava de volta às corridas com a equipa UAE Team Emirates. Nas provas em que participou desde então o desempenho foi variável, alcançou algumas vitórias, mas no Giro estava com uma prestação abaixo do esperado.

Gaviria não denunciou dificuldades, antes felicidade, no regresso aos treinos e às provas. Mas muitos atletas têm revelado que é difícil voltar ao regime de treinos que tinham, com problemas respiratórias ou fraqueza física, que se traduz depois em ansiedade sobre se vão conseguir recuperar o desempenho que tinham antes da doença, reporta o jornal The New York Times.

Também os médicos, nomeadamente da área do desporto, se preocupam com as consequências de longo prazo para os atletas infetados, incluindo para aqueles que estiveram assintomáticos ou com sintomas ligeiros, como mostrou um estudo publicado na revista JAMA. Em 100 doentes recuperados, os investigadores verificaram que 78 apresentavam insuficiência cardíaca e 60 tinham uma inflamação do músculo cardíaco, independentemente de terem ou não doenças prévias ou da gravidade da doença. Considerando que a inflamação do músculo cardíaco é uma das causas de morte súbita em atletas de alta competição, identificar estas sequelas torna-se muito relevante.

Covid-19. Mais de metade dos pacientes com casos moderados e graves continuam a sentir sintomas dois a três meses após terem alta

No caso dos doentes que estiveram internados com sintomas moderados ou graves, as consequências da doença podem continuar a sentir-se ao fim de dois a três meses. Um estudo da Universidade de Oxford, com 58 doentes, verificou que, ao fim deste período, 64% dos pacientes continuavam a sentir falta de ar e 55% continuavam a sentir fadiga. A inflamação causada pode ainda provocar lesões duradouras em vários órgãos, como pulmões, rins, coração ou fígado, concluiu o estudo ainda em pré-publicação.

Além das inflamações, há outras consequências da doença que podem ser particularmente debilitantes para os atletas. Para aqueles que sofreram de doença grave, estiveram internados muito tempo ou até ventilados, pode haver uma grande perda de massa muscular — até 10% por dia, disse Panagis Galiatsatos, pneumologista na Universidade de Johns Hopkins (Estados Unidos), citado pelo New York Times. Outra consequência, que os especialistas ainda não conseguiram compreender a origem, é a formação de coágulos sanguíneos nos doentes Covid-19 — e quem toma anticoagulantes, para tornar o sangue menos espesso, é aconselhado a não praticar desportos de contacto.

Que impacto tem a Covid-19 na saúde de um atleta como Cristiano Ronaldo? E pode deixar sequelas?

É certo que as várias modalidades se têm esforçado por criar regras que mantenham os atletas em segurança, como as bolhas, que evitam que tenham contactos fora de um grupo restrito de pessoas. Mas os 10 casos positivos no Giro — assim como os vários casos no futebol e em outras modalidades — mostram que não são medidas totalmente eficazes. “O que é um pouco preocupante”, desabafou Marc Veldhoen.

O virologista está agora atento à La Vuelta, que começou esta terça-feira, onde diz que os protocolos em relação à bolha foram alterados. “Mas mais importante será que não vão permitir público ao longo das estradas”, disse o investigador do IMM. “Cantar ou gritar liberta muitas partículas, que com o tempo frio e mais húmido permanecem no ar por muito tempo. E é muito difícil proteger disso.”

Artigo atualizado às 11h55 de dia 21 de outubro com as declarações do médico da equipa UAE Team Emirates, Jeroen Swart.