O Estado deverá fechar o ano de 2023 com um superávite das contas públicas de 1,1% do PIB, calculou o Banco de Portugal, que ainda em junho previa um pequeno défice. Mário Centeno, governador do Banco de Portugal e ex-ministro das Finanças, recusa “alvitrar” sobre se um excedente desta dimensão faz sentido num ano em que o próprio supervisor reconhece que, a dada altura, a economia “estagnou”. Mas sublinha que não se deve assumir custos “permanentes” quando se beneficia de aumentos de receita que podem ser apenas transitórios.

O excedente comercial em 2023 é justificado pelo “desaparecimento das medidas relacionadas com a pandemia e, em menor medida, do contributo positivo cíclico“, diz o Banco de Portugal no Boletim Económico de dezembro, apresentado esta sexta-feira.

É um superávite ainda maior do que os 0,8% previstos pelo Governo no Orçamento do Estado para 2024, embora o Conselho de Finanças Públicas já tivesse antecipado que o saldo orçamental de 2023 pode chegar a 1% do Produto Interno Bruto (PIB). O Conselho das Finanças Públicas tinha afirmado que esse excedente maior do que o previsto devia-se à “evolução projetada para a receita fiscal“, sobretudo nos “impostos diretos, muito em particular no IRC“.

Centeno, que enquanto ministro das Finanças apresentou o primeiro excedente das contas públicas em democracia (0,1%, em 2019), recusou alongar-se na resposta a uma pergunta dos jornalistas sobre se o Estado deveria ter gastado este excedente (ou parte dele) a estimular mais a economia e atenuar as dificuldades de boa parte da população perante o aumento rápido da inflação e do custo de vida.

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Não se deve “alvitrar” sobre esta matéria, porque a gestão orçamental é um “exercício complexo“, afirmou Centeno, na conferência de imprensa em Lisboa onde apresentou o Boletim Económico. “Guardemos algum respeito face a aumentos da receita que podem não ter uma característica permanente muito forte”, frisou o governador do Banco de Portugal, sublinhando que “não devemos assumir responsabilidades que, sendo permanentes, possam vir a causar desvios, no sinal contrário, nos momentos seguintes”.

“A manutenção de excedentes orçamentais é necessária para a redução da dinâmica da dívida pública a que temos assistido“, afirmou Mário Centeno, indicando que o rácio da dívida pública deve atingir um valor próximo de 100% do PIB no final de 2023, continuando a reduzir-se até 2026. Esse é um caminho, sublinhou o governador do Banco de Portugal, que “permite a melhoria da classificação da dívida portuguesa [rating] e a redução do custo da dívida para todos”.

“Política expansionista” em 2024 vai levar a superávite de 0,1%

Em 2024, as contas públicas também devem escapar ao sinal vermelho, prevendo-se, porém, um excedente de apenas 0,1% do PIB. “A diminuição do excedente [em 2024] resulta do abrandamento da atividade económica e de uma política expansionista“. Em ano de eleições, marcadas para 10 de março, dá-se como adquirida essa “política expansionista” no próximo ano – porque é isso que o Banco de Portugal vê no Orçamento do Estado.

Aliás, Mário Centeno quis, mesmo, destacar a “natureza permanente” das novas medidas adotadas no Orçamento do Estado, onde se inclui a perda de receita fiscal associada às mudanças no IRS previstas para 2024 (que vão levar a que a generalidade das pessoas pague menos imposto sobre o rendimento). O Boletim Económico inclui uma análise sobre o impacto que estas descidas do IRS vão ter e conclui que elas vão beneficiar mais quem tem rendimentos acima da média em Portugal.

Mudanças no IRS em 2024 vão beneficiar mais as famílias com salários a rondar os 1.739 euros

Esta é uma análise que, a confirmar-se, também terá um impacto macroeconómico. O Banco de Portugal considera, no Boletim Económico, que o consumo privado em 2024 vai ser limitado pelo facto de que “uma das medidas de maior impacto do Orçamento do Estado para 2024 — as alterações ao IRS — beneficia de forma mais significativa as famílias de maior rendimento, que terão menor propensão a despender esses ganhos“.

E mais: num contexto de juros elevados (tanto nos créditos como, agora também, nos depósitos) o Banco de Portugal diz que “o impacto negativo sobre o consumo resultante do aumento das prestações de empréstimos das famílias endividadas deverá sobrepor-se ao impacto positivo dos maiores rendimentos financeiros das famílias com poupança acumulada”. Ou seja, este saldo é desfavorável: “as famílias com poupanças acumuladas deverão aumentar relativamente pouco o consumo face aos maiores rendimentos das aplicações financeiras, enquanto as famílias endividadas deverão reduzir mais expressivamente as suas despesas em reação aos custos mais elevados dos empréstimos”.

Fonte: Banco de Portugal

A boa notícia, sublinhou o governador do Banco de Portugal, é que está no horizonte (de Centeno) o momento em que as taxas diretoras do BCE vão descer.

“A questão não é se mas, sim, quando“, disse Mário Centeno, num comentário um pouco desalinhados com aquelas que foram as principais mensagens transmitidas pela presidente do BCE na véspera. Se Christine Lagarde afirmou que não se pode “baixar a guarda” em relação à inflação, Centeno diz que desde setembro que há “previsibilidade sobre não haver mais aumentos dos juros” – e não só não irão subir mais como vão acabar por descer.

É claro na análise de Mário Centeno que se atingiu o “topo das taxas Euribor no quarto trimestre de 2023” e, por isso, alguns detentores de créditos hipotecários vão começar já a sentir nos primeiros meses do ano, à medida que os contratos de créditos vão sendo recalculados com base nos indexantes contratados (Euribor a três, seis ou 12 meses). “Se não houver nenhum choque adicional esta vai ser a trajetória ao longo de 2024”, acredita o governador do Banco de Portugal.

“Taxas de juro vão descer. Não é questão de ‘se’ mas, sim, de ‘quando’”, diz Mário Centeno

Previsão de crescimento económico (1,2%) é “exigente”

Ainda assim, o consumo privado deverá crescer apenas 1,0% em 2024 (o mesmo que em 2023), sendo um peso negativo para um crescimento do PIB que será de 1,2% no próximo ano, segundo o Banco de Portugal.

Essa foi uma revisão em baixa em comparação com a anterior projeção do Banco de Portugal, feita em outubro. A anterior projeção apontava para um crescimento de 1,5% em 2024, tal como prevê o Governo no Orçamento do Estado, mas o Banco de Portugal passou a estimar que o crescimento irá ficar-se pelos 1,2% – e há risco de que seja ainda menos do que isso.

“A economia portuguesa estagnou nos trimestres recentes e as perspetivas a curto prazo são incertas, predominando os riscos em baixa“, o que é uma forma de dizer que é mais provável que a economia cresça menos do que os 1,2% previsto do que cresça mais. “A recuperação da atividade será gradual ao longo do próximo ano, beneficiando da aceleração da procura externa, do efeito da descida da inflação no rendimento das famílias e do impulso dos fundos europeus no investimento”, escreve o supervisor financeiro no comunicado.

Centeno recomenda que não haja "demasiada ansiedade" face às eleições

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“Os riscos de origem interna estão associados a um cenário de incerteza na condução da política económica e a eventuais atrasos na execução dos fundos europeus”, afirmou o Banco de Portugal, com Mário Centeno a repetir que “instabilidade política não rima com crescimento económico”.

Centeno, num curto comentário às eleições de 10 de março, disse que não deve haver demasiadaansiedade” e “as instituições estão a funcionar”.

As eleições “vão promover um processo de transição governativa que o país já assistiu muitas vezes no passado e vai saber dar-lhe boa resposta”, defendeu Centeno, lembrando que “uma das grandes conquistas das democracias foi apresentar-se com soluções estáveis de governo e que isso se traduza num aumento da credibilidade do País e da sua capacidade de crescer”.

Na conferência de imprensa, Mário Centeno disse que esta previsão de crescimento económico, de 1,2%, é “exigente”. “No cenário-base não há nenhum desenvolvimento recessivo, há uma forte desaceleração no final de 2023 e, de acordo com alguns sinais, no início de 2024”, afirmou o governador do Banco de Portugal, explicando que a descida do PIB em 2024 tem muito a ver com a descida da procura externa.

Contudo, o Banco de Portugal prevê que a economia beneficie em 2024 do “dinamismo do investimento e das exportações“. A formação bruta de capital fixo (investimento) deverá acelerar para 2,4% em 2024, expandindo-se em 5,2% e 4,1% nos dois anos seguintes, respetivamente. Já as exportações “deverão crescer a um ritmo mais contido do que em anos anteriores (3,4%, em média, em 2023-26), devido ao menor dinamismo da procura externa”, diz o Banco de Portugal, acrescentando que se projetam “ganhos adicionais de quota de mercado das exportações neste período”.

Por outro lado, o emprego continua a apresentar uma situação favorável”, mas Mário Centeno reconheceu que “começamos a ver os primeiros sinais de uma desaceleração visível do mercado de trabalho“.

Economia cresce 1,2% em 2024, menos do que o previsto no Orçamento do Estado, prevê o Banco de Portugal