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O general Lucas Rincón Romero (à esquerda) foi embaixador da Venezuela em Lisboa durante 18 anos. Ricardo Salgado terá corrompido o militar/diplomata a troco de cerca de 9,6 milhões de dólares
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O general Lucas Rincón Romero (à esquerda) foi embaixador da Venezuela em Lisboa durante 18 anos. Ricardo Salgado terá corrompido o militar/diplomata a troco de cerca de 9,6 milhões de dólares

Rodrigo Mendes/Observador

O general Lucas Rincón Romero (à esquerda) foi embaixador da Venezuela em Lisboa durante 18 anos. Ricardo Salgado terá corrompido o militar/diplomata a troco de cerca de 9,6 milhões de dólares

Rodrigo Mendes/Observador

Corrupção. “Mr. Z”, o embaixador em Portugal que abriu as portas da Venezuela a Ricardo Salgado (a troco de 9,6 milhões)

O ex-embaixador da Venezuela em Lisboa terá aberto as 'portas do tesouro' e servido de intermediário entre Salgado e o poder chavista. Recebeu cerca de 9,6 milhões de dólares do saco azul do GES.

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Um dos 20 altos responsáveis venezuelanos que terá sido alegadamente corrompido por Ricardo Salgado viveu durante 16 anos em Lisboa mas é pouco ou nada conhecido da opinião pública portuguesa. Lucas Rincón Romero é general do Exército e foi embaixador venezuelano em Lisboa entre 2006 e 2022. Segundo o Ministério Público (MP) terá sido alegadamente corrompido pelo líder do BES para facilitar os contactos com Rafael Ramirez, então ministro da Energia e do Petróleo e presidente da Petróleos da Venezuela (PDVSA) e restantes membros do poder político e empresarial chavista.

Rincón Romero era conhecido na alegada associação criminosa liderada por Ricardo Salgado como “Mr. Z”. O ex-embaixador venezuelano em Lisboa teve, segundo o MP, um “papel imprescindível no estabelecimento e subsequente manutenção da relação comercial existente entre o GES/BES e as empresas públicas venezuelanas” que investiram mais de 10 mil milhões de euros nas entidades da família Espírito Santo.

Em troca, e segundo a acusação assinada pela procuradora-geral adjunta contra Ricardo Salgado e mais seis altos responsáveis do Grupo Espírito Santo por 20 crimes de corrupção ativa no comércio internacional, Rincón Romero terá recebido um total de cerca de 9,6 milhões de dólares da sociedade offshore Espírito Santo (ES) Enterprises através de contas bancárias abertas no Dubai e no BES Madeira tituladas por outras duas sociedades offshore que pertencerão ao militar/diplomata.

O “alemão”, o “barril” e o “velho”. Como o ex-n.º 2 de Chávez e mais 19 “clientes da terra dos chacais” terão sido corrompidos por Salgado

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Rincón Romero só não foi acusado de corrupção porque estava duplamente protegido: por uma lacuna da lei (que não lhe dava a categoria de funcionário) e porque beneficiava de imunidade diplomática.

Pelo meio, Mendola Sanchez, ex-procuradora-geral da Venezuela, e depois assessora da embaixada em Lisboa, terá sido testa-de-ferro de Rincón Romero numa das sociedades offshore abertas pelos próprios operacionais de Ricardo Salgado no GES, com o argumento de que era herdeira de um centro comercial em Caracas.

Mas no final, o resultado é sempre o mesmo, como avançou o Observador em 2018. O capital dos clientes investidos no BES ou no grupo da família Espírito Santo é a origem dos fundos do saco azul do GES. E os fundos dos clientes do BES e do GES foram usados para corromper 20 altos responsáveis venezuelanos e os altos quadros do GES que são acusados de pertencerem a uma associação criminosa liderada por Ricardo Salgado.

Quem é Lucas Rincón? Ex-chefe militar e ex-ministro do Interior e da Justiça de Chavéz

“Solicitámos ao senhor presidente da República [Hugo Chávez] a sua renúncia ao cargo, o que foi aceite”. Estamos a 11 de abril de 2002 e está em curso um golpe de Estado na Venezuela para depor Hugo Chavéz. O general Lucas Rincón Romero, inspetor-chefe das Forças Armadas da Venezuela e o militar mais sénior no ativo naquela altura, acaba de dar uma conferência de imprensa a anunciar a renúncia de Chávez e a submeter-se à nova ordem política que levará à tomada de posse de Pedro Carmona como presidente interino — e que é conhecido na Venezuela como “Pedro, o Breve”.

Hugo Chávez (à esquerda) em conversa com general Lucas Rincón, poucos dias depois do golpe de 2002. Rincón tinha sido nomeado por Chávez como chefe do Estado-Maior das Forças Armadas/ AFP Juan BARRETO

E breve foi, de facto, o mandato de Carmona. É verdade que Chávez foi preso, mas em menos de 48 horas estava de regresso à sua cadeira no Palácio de Miraflores, a sede oficial da Presidência. Mais surpreendente: o general Rincón Romero que antes tinha anunciado a sua renúncia (que Chávez sempre negou que tivesse feito) acabará por tornar-se um dos mais importantes militares chavistas no pós-golpe de estado. As informações da época sobre o papel de Lucas Rincón Romero são ambíguas:

  • Jornais como o The Guardian garantiam que os Estados Unidos tinham dado a sua aprovação ao golpe de Estado e que o general Rincón Romero tinha visitado a sede do Pentágono dias antes do golpe;
  • Já a BBC noticiava que o inspetor-chefe tinha sido um dos oficiais do Exército leal a Chávez até ao último momento.

Certo é que o golpe falhou e, no período imediatamente a seguir, Hugo Chávez consolidou o seu poder, passando a controlar efetivamente a sociedade venezuelana em todas as suas vertentes: nacionalizando o poder económico, controlando o poder judicial e a linha editorial da comunicação social pública, ordenando o fecho dos media privados. Muita da oposição a Chávez teve de se exilar.

A revolução bolivariana estava em marcha e o general Lucas Rincón Romero passou a ser o novo ministro do Poder Popular da Defesa e, mais tarde, ministro do Poder Popular do Interior e da Justiça da República Bolivariana da Venezuela. A designação do “Poder Popular” foi imposta por Chávez e fazia parte do nome de cada Ministério do Governo venezuelano.

Como é que um golpista virou um lealista? É algo que nunca foi esclarecido de forma cabal. Apenas se sabe que Rincón Romero era um militar com poder efetivo e real influência nas Forças Armadas e Hugo Chávez preferiu tê-lo a seu lado, do que contra si.

Como é que um homem que anunciou ao país a renúncia de Hugo Chávez ‘virou’ ministro do novo Governo? É algo que nunca foi esclarecido de forma cabal. Apenas se sabe que Rincón Romero era um militar com poder efetivo e real influência nas Forças Armadas e Hugo Chávez preferiu tê-lo a seu lado, do que contra si.

Em maio de 2006, Rincón Romero ‘virou’ diplomata e foi colocado na Embaixada da Venezuela em Lisboa, onde permaneceu até dezembro de 2022.

Pensava-se que era um exílio mas, na realidade, a aproximação do Governo de José Sócrates à economia venezuelana de Hugo Chávez — aproveitando-se da tempestade diplomática que assolou as relações entre a Venezuela e a Espanha após o célebre episódio do “por que no te callas” entre o Rei Juan Carlos e Hugo Chavéz na Cimeira Ibero-Americana de novembro de 2007 —, abriu novas portas para a influência do general.

Os primeiros contactos entre o embaixador e Ricardo Salgado

Nem as pazes entre Juan Carlos e Hugo Chávez, seladas com dois encontros em julho de 2008 em Maiorca e pouco depois em Madrid, impediram a aproximação entre Portugal e a Venezuela. Ou melhor, entre Sócrates e Chávez, visto que o primeiro-ministro português já apostava desde 2005 num incremento das relações comerciais com a Venezuela.

Três meses antes de Sócrates visitar Hugo Chávez em Caracas, o ministro Manuel Pinho recebia o seu homólogo Rafael Ramirez no Ministério da Economia para assinar um memorando de entendimento bilateral para levar as exportações de 12 milhões de euros para 200 milhões de euros logo em 2008.

Venezuelan President Hugo Chavez Swears In General Rincon

General Lucas Rincón Romero presta juramento em frente ao presidente Hugo Chávez como o novo ministro do Interior e da Justiça a 22 de janeiro de 2003, no Palácio Miraflores / Getty Images

Miraflores/Getty Images

Ironicamente, Pinho e Ramirez serão acusados mais tarde de terem sido alegadamente corrompidos por Ricardo Salgado com fundos do saco azul do GES, como pode verificar aqui e aqui. No caso de ‘Rafa Ramirez’, terá sido o general/embaixador Romero a abrir as portas. “O início das relações comerciais entre o Grupo Espírito Santo/Banco Espírito Santo ocorreu no âmbito dos contactos preliminares entre Ricardo Salgado e o embaixador da Venezuela, o general Lucas Rincón, o qual também facilitou o contacto entre o primeiro e Rafael Ramirez”, lê-se na acusação do MP a que o Observador teve acesso.

É a partir desses contactos que ‘Rafa’ Ramirez, que acumulava a pasta ministerial da Energia e do Petróleo com a liderança da Petróleos da Venezuela (PDVSA), que o BES inicia a sua relação com a então 8.ª petrolífera do mundo, com uma linha de crédito de 350 milhões de dólares aprovada pelo banco português em outubro de 2008 e, também, com cartas de crédito emitidas em nome da PDVSA para a importação de bens agrícolas.

Manuel Pinho começou a receber do saco azul do GES a partir de 1994

Lucas Rincón Romero terá igualmente intermediado os contactos entre a PDVSA e o BES para a abertura de uma segunda linha de crédito no valor de 100 milhões de dólares, tendo tido contactos diretos com Ricardo Salgado a 16 de junho de 2008 e a 18 de julho de 2008, tal como está assinalado na agenda do ex-líder do BES, apreendida nos autos do processo Universo Espírito Santo.

As relações que Ricardo Salgado e do seu grupo de operacionais, liderado por João Alexandre Silva (então responsável pela Sucursal Financeira Externa do BES Madeira), vieram a ter com altos responsáveis da PDVSA terão sido igualmente intermediados por Lucas Rincón Romero, segundo a acusação do MP.

As relações que Ricardo Salgado e o seu grupo de operacionais, liderado por João Alexandre Silva (então responsável pela Sucursal Financeira Externa do BES Madeira), vieram a ter com altos responsáveis da PDVSA terão sido igualmente intermediados por Lucas Rincón Romero, segundo a acusação do MP.

Há oito responsáveis da PDVSA que são acusados pelo MP de terem sido alegadamente corrompidos por Ricardo Salgado para investirem no BES e no GES várias dezenas de milhares de milhões de dólares entre 2008 e 2014. Para tal, Salgado terá ‘investido’ cerca de 214 milhões de dólares no pagamento de ‘luvas’ a esses oito responsáveis da PDVSA e a mais 12 gestores públicos de outras empresas do setor público energético da República Bolivariana da Venezuela.

As sociedades offshore do embaixador: Seamud, Paratus e Davenport

No caso de Lucas Rincón Romero, Ricardo Salgado terá dado ordens a Jean-Luc Schneider, o operacional do saco azul do GES, para transferir uma parte importante dos 9,6 milhões de dólares que o então embaixador venezuelano veio a receber nas suas contas bancárias abertas em nome de três sociedades offshore.

A transferência desses montantes é contextualizada da seguinte forma: “Para garantir por parte de Lucas Rincón a adesão ao plano criminoso que delineou e que implicava que este, utilizando indevidamente o seu cargo público, movesse influências para assegurar o sucesso das relações de negócio entre o GES, o BES e as empresas públicas venezuelanas, Ricardo Salgado garantiu ao embaixador o pagamento periódico de montantes em dinheiro”, lê-se na acusação do MP.

No caso de Lucas Rincón Romero, Ricardo Salgado terá dado ordens a Jean-Luc Scneider, o operacional do saco azul do GES, para transferir uma parte importante dos 9,6 milhões de dólares que o então embaixador venezuelano veio a receber nas suas contas bancárias abertas em nome de três sociedades offshore.

Tais pagamentos terão sido realizados através de um circuito que, numa primeira fase, começou no Banque Privée Espírito Santo — o banco suíço do GES onde a ES Enterprises tinha várias contas — e acabou no Espírito Santo Bankers Dubai. Era neste banco dos Emirados Árabes Unidos que cada um dos ex-responsáveis venezuelanos alegadamente corrompidos tinha uma conta bancária.

Contas essas que eram abertas em nome de sociedades offshore que escondiam os nomes dos verdadeiros beneficiários económicos. No caso de Lucas Rincón Romero, a primeira sociedade offshore chamou-se Seamud Investments e foi criada nas Ilhas Virgens Britânicas a pedido de Paulo Murta por um escritório de advogados especializado em paraísos fiscais.

A Seamud Investments era formalmente detida por um trust, o “The Seamud Trust”, que tinha como donos formais Vasco Gonçalves Cortes e Pedro Krauss Correia Rosa. Contudo, estes dois empresários ligados à importação de bens alimentares para a Venezuela em nome de uma sociedade inglesa apenas tinham ‘dado o nome’ — o verdadeiro beneficiário económico era o general Lucas Rincón Romero, segundo o MP.

O “Grande”, o “Mr. Z” e a ex-procuradora-geral que teria um centro comercial em Caracas

Nos documentos apreendidos a Jean-Luc Schneider, na Suíça, consta a documentação da criação do “The Seamud Trust” e numa nota de rodapé sobre o primeiro beneficiário aparece o nome de Lucas Rincón Romero, com o respetivo contacto telefónico.

Também Paulo Murta tinha na sua agenda o mesmo contacto de telemóvel associado à alcunha “Z” que, por sua vez, estava associado às moradas da Embaixada da Venezuela e à residência oficial do embaixador na zona do Restelo. Refira-se que havia ainda outro nome de código para Rincón Romero: “O Grande”.

Como foi desmascarado o carrossel do GES com a Venezuela que tornou Salgado suspeito de associação criminosa

Em novembro de 2009, a beneficiária da conta bancária da Seamud — offshore que veio a mudar de nome para The Paratus Investments — no Espírito Santo Bankers Dubai passa a ser uma nova testa-de-ferro: a venezuelana Margarita Luísa Mendola Sanchez, uma adida da Embaixada da Venezuela.

Mas Mendola Sanchez não era uma adida qualquer. Mais tarde, em 2011, veio a ser procuradora-geral da República Bolivariana da Venezuela por nomeação de Chávez, tendo regressado depois à embaixada de Lisboa, para estar ao lado de Lucas Rincón Romero.

Como o Dubai tem uma legislação de combate ao branqueamento de capitais inspirada na lei norte-americana e europeia, os bancos já tinham de aplicar os princípios “Know You Customer” e investigar a origem dos fundos dos seus clientes, para evitar que fossem depositados fundos com origem ilícita — como eram os fundos da Seamud.

Os funcionários do GES tiveram de justificar a origem da fortuna de Margarita Mendola Sanchez e acrescentaram que a jurista queria constituir aquela "estrutura" porque tencionava "transferir fundos com origem na venda de um centro comercial em Caracas" do qual iria "receber no mínimo USD 2M [dois milhões de dólares]. O centro comercial pertence ao seu pai e segundo a cliente a venda está iminente por um valor de USD 4/5 M [4/5 milhões de dólares]".

Assim, os funcionários do GES tiveram de justificar a origem da fortuna de Margarita Mendola Sanchez. Apesar de dizerem a verdade (de que se tratava de uma diplomata venezuelana a residir em Lisboa), acrescentaram que a jurista queria constituir aquela “estrutura” porque tencionava “transferir fundos com origem na venda de um centro comercial em Caracas”, do qual iria “receber no mínimo USD 2M [dois milhões de dólares]”. O alegado centro comercial pertenceria ao seu pai e, segundo a cliente, a venda estaria “iminente por um valor de USD 4/5 M [4/5 milhões de dólares]”, lê-se na acusação.

O nome do beneficiário económico do trust que era dono das ações da The Paratus Investments voltou a mudar em outubro de 2009: saiu Margarita Mendola Sanchez e entrou Francisco José Perez Dias. O dono real, de acordo com a prova indiciária recolhida pelo MP, é que continuava a ser o mesmo: Lucas Rincón Romero.

Como os valores pagos ao embaixador foram calculados

O cálculo das alegadas contrapartidas pagas ao 20 altos responsáveis venezuelanos, tal como o Observador explicou no primeiro trabalho sobre esta acusação que encerra o processo Universo Espírito Santo, era feito com quase rigor cientifico e obedecia a fórmulas pré-definidas que foram criadas e eram calculadas pelo Departamento Financeiro, Mercados e Estudos (DFME) do BES liderado por Isabel Almeida — acusada na principal acusação do Universo Espírito Santo de pertencer à alegada associação criminosa liderada por Salgado.

Havia quatro critérios essenciais que eram aplicados numa folha Excel construída pelo DFME:

  • Os valores da receita venezuelana bruta e líquida obtida pelo BES;
  • O respetivo peso na atividade do BES;
  • O volume de investimento venezuelano no GES;

Após a aplicação destes critérios, eram feitos cálculos sobre os pagamentos trimestrais que deveria ser feitos para as contas da Espírito Santo Bankers. Isto é, depois de apurado o lucro do BES e do GES, eram feitos cálculos sobre 50% desse lucro para determinar as alegadas ‘luvas’ a ser pagas.

Os cálculos realizados chegavam a incidir sobre investimento concretos do Grupo PDVSA e de outras empresas energéticas venezuelanas para determinar efetivamente qual a percentagem sobre a receita que era devida ao gestor público que tinha contratado o BES ou investido em dívida do GES. Assim, o embaixador Lucas Rincón Romero terá recebido um total de cerca de 9,6 milhões de euros no ES Bankers Dubai entre 2008 e 2014 como alegada contrapartida pela sua influência.

Os cálculos realizados chegavam a incidir sobre investimento concretos do Grupo PDVSA e de outras empresas energéticas venezuelanas para determinar efetivamente qual a percentagem sobre a receita que era devida ao gestor público que tinha contratado o BES ou investido em dívida do GES.

Assim, o embaixador Lucas Rincón Romero terá recebido, por ordens de Ricardo Salgado, dois grandes grupos de valores em diferentes períodos como alegada contrapartida pela sua influência:

  • Entre dezembro de 2008 e abril de 2013, o general venezuelano recebeu do saco azul do GES um número de “15 pagamentos” que renderam o valor total de 6.960.319,00 dólares americanos na conta que a Seamud/Paratus detinha no ES Bankers Dubai;
  • E entre fevereiro de 2013 e junho de 2014 recebeu mais 2.682.146,82 dólares.
  • Total recebido: 9.642.465,82 dólares americanos.

Este último valor já inclui uma nova sociedade offshore, a Daventer — que terá sido criada após rebentar uma grande ‘bomba’ no Dubai.

Em 2011, terão sido igualmente apresentadas despesas do embaixador Lucas Rincón Romero ao BES, pagas pelo banco liderado por Ricardo Salgado, lê-se na acusação.

Autoridades do Dubai fazem detonar uma ‘bomba’ e obrigam a mudança para a Madeira orquestrada pelo “Indiana” e pelo “Coxo”

A Autoridade de Serviços Financeiros do Dubai, conhecida pela sigla em inglês DFSA, começou a realizar auditorias e a trocar comunicação com o ES Bankers desde 2011. Os principais sinais de alerta sempre estiveram relacionados com o risco e, nomeadamente, com os procedimentos de combate ao branqueamento de capitais.

Em maio de 2011, por exemplo, o diretor de supervisão da DFSA enviou um email ao próprio Ricardo Salgado em que avisava que uma “análise por amostragem a um conjunto de clientes revelara documentação insuficiente quanto à origem dos fundos do mesmos, a par da inexistente efetivação e procedimentos da política “Know You Customer” [conheça o seu cliente].

Salgado e BES envolvidos em esquema de corrupção de 3,5 mil milhões de euros na Venezuela

E, de facto, os responsáveis do ES Bankers não respeitavam as regras. Com o conhecimento de Salgado, a equipa liderada pelo administrador Humberto Coelho escondia, por exemplo, os nomes dos reais beneficiários das 30 sociedades offshore dos venezuelanos que tinham contas bancárias no ES Bankers — e que à luz da legislação do Dubai eram vistas como “personal investment companies” [empresas de investimento pessoal].

Ora, os beneficiários económicos dessas sociedades eram Pessoas Politicamente Expostas (PEP) na Venezuela e a origem dos fundos daquelas contas eram, no mínimo, suspeitos. Logo, o ES Bankers deveria ter recusado o depósitos de tais fundos.

Em abril de 2013, os supervisores da DFSA  exigiram a conclusão do procedimento de implementação das regras de prevenção e combate ao branqueamento de capitais. As regras tinham de começar a ser cumpridas — o que nunca tinha acontecido.

Dado o alerta vermelho, e chamados reforços de Lisboa (como João Martins Pereira, diretor de auditoria e do compliance do BES, que foi igualmente acusado no processo), o grupo de Ricardo Salgado criou uma nova estratégia com a ajuda de uma consultora inglesa para continuar a pagar aos venezuelanos:

  • A holding Espírito Santo International (ESI) assinou em maio de 2013 um acordo com a ICG Private Wealth Managemente, uma sociedade de Michel Ostertag (um ex-quadro do GES) e da qual Paulo Murta também era um dos representantes. Mais tarde, a sociedade Shu Tian Limitada, com sede em Macau, juntou-se a este circuito financeiro.
  • Através de tal alegado acordo, a ICG passaria a angariar novos clientes para o Grupo Espírito Santo, sendo remunerada em função de tal angariação;
  • A ESI reconheceu junto da ICG pagamentos anteriormente feitos às sociedades offshore alegadamente detidas pelos PEP’s venezuelanos.
  • E os pagamentos passaram a ser feitos através de contas bancárias da Sucursal Financeira Externa do BES Madeira, dirigido por João Alexandre Silva.
  • Isto é, a ES Enterprises, o saco azul do GES, pagava à ICG e esta pagava aos PEP’s venezuelanos através de novas contas bancárias abertas no BES Madeira.

Assim, 19 pessoas venezuelanas  publicamente expostas foram pagas dessa forma entre 2013 e julho de 2014 — data em que o BES foi alvo de resolução determinada pelo Banco de Portugal. A lista é a seguinte e os valores totais correspondem aos valores pagos entre 2008 e 2014:

Esta nova estratégia foi orquestrada e executada por João Alexandre Silva (o “Indiana”), Paulo Murta (o “Coxo”) e Michel Ostertag (o “Fininho”) e Jean-Luc Schneider, o operacional do saco azul do GES.

Alguns desses PEP’s criaram novas sociedades offshore para continuarem a receber do saco azul do GES. Terá sido o caso de Lucas Rincón Romero. De acordo com a acusação do MP, o general venezuelano é o beneficiário económico da sociedade Daventer International Corp., constituída a 17 de janeiro de 2012 no Panamá pelo escritório ALCOGAL – Alemán, Cordero, Galindo & Lee, a sociedade de advogados que está na origem do caso dos Pandora Papers.

Foi através da Daventer que o general Rincón Romero terá recebido mais 2.682.146,82 dólares entre 2013 e 2014, além dos cerca de 6,9 milhões de dólares que recebeu entre dezembro de 2008 e abril de 2013.

A Shu Tian de Salgado, os ramos da família Espírito Santo e o saco azul do GES

O ES Bankers Dubai foi intervencionado pela Autoridade de Serviços Financeiros do Dubai em julho de 2014 e foi encerrado. Após tal intervenção, foi descoberto que os clientes daquele banco da família Espírito Santo tinham sido lesados em cerca de 630 milhões de euros por os seus responsáveis terem desviado dinheiro, sem o conhecimento dos clientes, para investir em dívida das várias holdings do GES — que vieram a falir ao longo do verão de 2014.

Refira-se, por último, que a Shu Tian Limitada, com sede em Macau, foi fundada por Michel Ostertgag (um ex-quadro do GES que é tido pelo MP como um membro da alegada associação criminosa liderada por Ricardo Salgado) e por um advogado local chamado Ricardo Gaspar Rosado Carvalho. Além de estar referenciada na acusação da Operação Marquês, também foi detetada pela investigação que o Observador fez às contas bancárias da ES Enterprises no Banque Privée Espírito Santo.

Como tudo começou: o financiamento do saco azul do GES

Os fundos que financiaram os pagamentos dos alegados subornos pagos pela ES Enterprises a PEP’s portugueses (como o MP imputa a José Sócrates, a Armando Vara, a Zeinal Bava e a Henrique Granadeiro na acusação da Operação Marquês) e agora aos PEP’s venezuelanos tiveram uma única origem: os clientes do Banco Espírito Santo, como o Observador avançou logo em 2016.

Tal como o MP evidencia na acusação agora deduzida, o saco azul do GES foi financiado a partir de um complexo circuito financeiro que envolveu um conjunto alargado de entidades. E é aqui que esta acusação se une com a acusação original do Universo Espírito Santo de julho de 2020, na qual a alegada associação criminosa liderada por Ricardo Salgado começou por ser denunciada — e cujo julgamento deverá começar em breve.

A acusação. Anatomia de uma associação criminosa que destruiu o Grupo Espírito Santo

De um lado, estão os arguidos Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires (ex-chief financial officer), Isabel Almeida (diretora do DFME – Departamento Financeiro, Mercados e Estudos) e a equipa desta última. Do outro lado, está a Eurofin de Alexander Cadosch. Todos eles foram acusados no processo principal do caso Universo Espírito Santo.

Porque criaram um mecanismo de financiamento fraudulento das várias sociedades do Grupo Espírito Santo (em falência técnica desde 2009) entre meados da década de 2000 e até 2014. Um dos instrumentos dessa alegada fraude era uma sociedade veículo, a Zyrcan Hartan Corporation — havia mais sociedades, como o Observador explicou aqui e aqui.

O alegado esquema de fraude que prejudicava os clientes e beneficiava a ES Enterprises funcionaria assim:

  • As sociedades BES Finance (com sede no paraíso fiscal das Ilhas Caimão), a sucursal do BES de Londres e a sucursal do BES do Luxemburgo emitiam títulos de dívida;
  • A Zyrcan Hartan Corporation — que era controlada pela Eurofin de Alexander Cadosch e que, segundo o MP, estava em conluio com Ricardo Salgado e a sua equipa do DFME — apresentava-se como cliente na compra e venda de tais títulos;

Como Salgado usou o ‘saco azul’ para implementar um esquema de financiamento fraudulento do GES

  • Utilizando valores fictícios que servem para ilustrar a alegada fraude descrita pelo MP na acusação, a Zyrcan comprava os títulos por 33 euros e revendia-os aos clientes institucionais e de retalho do BES por 100 euros. O MP afirma na acusação que os “preços de passagem destas obrigações à Zyrcan, recebidos pelo BES, foi em regra de 1 /3, ao valor pelo qual os mesmos títulos foram colocados pela Zyrcan nos clientes do Grupo bancário BES”.
  • A diferença de 77 euros servia para Zyrcan transferir para as contas bancárias da ES Enterprises que terão servido para pagar os alegados subornos aos PEP’s venezuelanos e a outros.
  • Para justificar as transferências desses valores, terão sido forjados contratos de instrumentos financeiros entre a ES Enterprises e a Zyrcan.

A procuradora-geral adjunta Olga Barata calcula que, entre 2009 e julho de 2014, o grupo de Ricardo Salgado tenha angariado com este alegado esquema fraudulento cerca de “mil milhões de euros” — o MP tinha indiciado anteriormente transferências superiores a 3,2 mil milhões de euros.

Tudo com dinheiro dos clientes do BES e graças ao balanço do BES.

Corrigida a informação relativa aos sócio da empresa Shu Tian Limitada no dia 3 de novembro, às 12h59

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