Na primeira semana da campanha eleitoral já muito foi dito pelos principais protagonistas — os oito líderes partidários, mas também por quem os acompanha nas arruadas, comícios e demais ações de campanha. As palavras de Pedro Passos Coelho sobre imigração e segurança ecoaram e levaram à defesa da reputação de Portugal como um dos países mais seguros do mundo por Rui Tavares. André Ventura aproveitou o discurso do antigo primeiro-ministro para se colar à sua posição, assegurando que nunca defendeu o encerramento de fronteiras a refugiados, mesmo que recusasse quem chegava de “iphone na mão”.

A nove dias da votação e a ainda menos do voto antecipado e com a coligação PSD-CDS a liderar sondagens, a socialista Luísa Salgueiro defendeu que estas não são determinantes. Segundo a socialista, o PSD vencia por esta altura em 2022. O debate sobre a posição da AD em relação à Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) começou com Paulo Núncio a recordar o processo dos dois referendos — o de 1998 e o de 2007. Antes disso, já Joana Mortágua dava conta da posição imutável de Montenegro sobre a matéria enquanto parlamentar.

Pai de Mariana Mortágua foi condenado a prisão perpétua?

O meu pai foi condenado a prisão perpétua pela PIDE”
Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda

Mariana Mortágua, à semelhança dos restantes candidatos, foi convidada do programa “Dois às 10”, na TVI. Falou sobre a sua vida pessoal e a família e sobre o exemplo que o pai, que lutou contra o regime ditatorial do Estado Novo, lhe deixou. “Quando as coisas estão mais difíceis e mais duras e mais exigentes, penso que o meu pai fez política na clandestinidade, que foi condenado a prisão perpétua pela PIDE. Viveu fora deste país, emigrou quando tinha 17 anos e só pode voltar a Portugal no 25 de abril. Sentou-se na Avenida da Liberdade”.

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[Já saiu o primeiro episódio de “Operação Papagaio”, o novo podcast plus do Observador com o plano mais louco para derrubar Salazar e que esteve escondido nos arquivos da PIDE 64 anos. Pode ouvir também o trailer aqui.]

Nas redes sociais são muitos os que estão a colocar em causa a afirmação, já que, segundo registos históricos, a prisão perpétua já teria sido abolida em Portugal nessa altura. Será mesmo assim?

“Essa informação é falsa, porque essa pena não existia em Portugal nessa altura”, afirma o historiador José Miguel Sardica em declarações ao Observador. “O que talvez Mariana Mortágua quisesse dizer é que nas prisões no Estado Novo, muitos dos condenados acabavam por lá ficar anos a fio sem uma acusação. Não era uma pena perpétua, mas era uma pena indefinida. No Estado Novo, muitas vezes os presos eram mantidos detidos e o prazo de interrogatório ia sendo prorrogado e havia pessoas que ficavam lá anos a fio”, acrescenta.

O historiador considera que esta é uma “afirmação política para tentar heroizar o pai, mas que não corresponde à verdade dos factos”. António Araújo, também historiador e jurista, recorda que Portugal “aboliu a pena de prisão perpétua em 1884“, sendo que o Estado Novo começou em 1933. “Fomos um dos primeiros países a aboli-la, senão o primeiro”, assegura, classificando como factualmente “errada” a afirmação de Mortágua.

Entretanto, na manhã desta sexta-feira, em declarações aos jornalistas, a líder do Bloco referiu que “nas várias ações que fez contra o fascismo foi condenado”. “Foram várias, o que quer dizer que as penas se foram acumulando. Foi condenado a penas de dezenas de anos que, todas juntas, significariam que não poderia voltar ao país”, justificou ainda.

Ou seja, defende que o acumular das penas do pai resultaria, na prática, numa prisão perpétua. “A acumulação de sentenças na prática quereria dizer isso mesmo”, argumenta. “Se alguém acha que essas sentenças deviam ter sido cumpridas, que havia alguma razão na perseguição fascista dos lutadores pela liberdade, que venha dizê-lo”.
Apesar das justificações de Mortágua, como explicam os historiadores ouvidos pelo Observador, a informação dada pela líder do BE é factualmente errada.

ERRADO

Chega nunca defendeu “fechar as portas a quem foge da perseguição, da guerra ou da fome”?

Nunca dissemos para fechar as portas a quem foge da perseguição, da guerra ou da fome” 

André Ventura, presidente do Chega

A aparição de Pedro Passos Coelho em Faro, logo no primeiro dia de campanha, marcou a narrativa dos últimos três dias. O líder do Chega, André Ventura, dirigiu-se aos “idiotas úteis” da Aliança Democrática (AD) para pedir que “acordem” em relação à política de imigração e à alegada insegurança associada à mesma. “O Chega tem razão nesta matéria”, assegura.

Foi mais longe e colou-se às exatas palavras de Passos, que na segunda-feira defendeu um “país aberto à imigração”, desde que “seguro”, garantindo que atualmente as pessoas “sentem insegurança”. O líder do Chega foi mesmo mais longe e afirmou que o partido que lidera nunca defendeu “fechar as portas a quem foge da perseguição, da guerra ou da fome, ou de qualquer ataque à sua vida ou à sua família”. Mas não é verdade.

Desde a sua fundação que o Chega dedica uma fatia considerável dos seus programas políticos e intervenções públicas à crítica à imigração. No programa eleitoral de 2019, as linhas gerais ficavam definidas. O partido propunha “quotas de origem privilegiando as nacionalidades que compartilhem com Portugal o idioma e a cultura” e a criação de “uma lista de países seguros na origem, ou seja, países que têm sistemas políticos democráticos e onde, de forma geral e consistente, não há perseguição política, tortura ou tratamento ou punição desumano ou humilhante, ameaça de violência ou conflito armado“. Ou seja, defendia precisamente restringir a imigração de pessoas vindas de cenários de guerra e de perseguição política. As restrições à imigração islâmica e à construção de mesquitas também proliferavam nos objetivos políticos do Chega em 2019.

Em março de 2022, deu a volta a este discurso perante a invasão da Ucrânia pela Rússia e da crise de migrantes ucranianos que fugiam da guerra que irrompera. “Neste conflito, estamos do lado daqueles que defendem as fronteiras, a soberania e a civilização” de “um tirano louco”, defendeu na altura Ventura. Coisa diferente para o líder do Chega eram os “refugiados que chegam de iPhone e telefones de alta gama” e os que “querem tornar as nossas mulheres um objeto e a andar de burca”. “Recebemos aqueles que vierem por bem, que se vierem integrar, que não vierem dominar-nos, aqueles que vêm logo procurar trabalho e não a Segurança Social”, afirmou.

Em março de 2023, após o ataque ao Centro Ismaili, em Lisboa, André Ventura e Hugo Soares debateram na CNN sobre imigração. “Sabemos que há países no mundo — o Iraque, o Afeganistão, a Somália, a Nigéria, o Iémene e o Paquistão, onde o fundamentalismo islâmico tem problemas sérios, onde há violência armada e terrorismo”, afirmou, garantindo que devia existir um controlo restrito à entrada de imigração destes países. Defendeu mesmo mesmo: “Um imigrante do Brasil não é o mesmo que um imigrante do Paquistão.”

Ou seja, é falso, como Ventura diz, que o Chega “nunca tenha defendido fechar as portas aos migrantes que fogem da perseguição, da guerra ou da fome”. O partido defende, desde a sua fundação a seleção de migrantes na sua origem, querendo até restringir com mais veemência aqueles que chegam de zonas de conflito armado.

ERRADO

Montenegro esteve contra o direito ao aborto sempre que pôde no Parlamento?

Luís Montenegro esteve contra o direito ao aborto sempre que pôde no Parlamento”

Joana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda

Ainda não era conhecida a notícia que dá conta da posição de Paulo Núncio, candidato da Aliança Democrática por Lisboa, em relação à realização de um novo referendo sobre o aborto e já Joana Mortágua, a participar na noite de terça-feira num comício em Almada, se referia à posição do líder da coligação em relação à Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG).

A cabeça de lista do Bloco de Esquerda pelo distrito de Setúbal, em jeito de premonição, falou sobre as dificuldades no acesso ao procedimento médico e recordou que Luís Montenegro aproveitou todas as ocasiões que teve enquanto parlamentar para se colocar contra o aborto.

“Quem impôs reversões à lei do aborto assim que pôde, quem utilizou a sua maioria absoluta para penalizar as mulheres que pretendiam aceder ao aborto, quem quis que fossem aconselhadas por profissionais objetores de consciência, quem obrigou as mulheres a estatutos de menoridade na sua decisão, quem, por fim, impôs disciplina de voto à sua bancada contra o direito das mulheres quando uma maioria de esquerda quis retomar o direito das mulheres ao aborto em pleno e essa pessoa tem um nome: Luís Montenegro”, acusou.

A afirmação tem fundamento? Comecemos pelo início, que neste caso é a entrada de Montenegro no Parlamento, na IX Legislatura, com Durão Barroso como primeiro-ministro. Um projeto de resolução que propunha a “realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez realizada nas primeiras dez semanas”, apresentado em janeiro de 2004, foi rejeitado com os votos contra do PSD, CDS-PP e de três deputados socialistas. Luís Montenegro fazia parte da bancada parlamentar social-democrata pelo círculo de Aveiro. A realização do referendo acabou por vingar em 2006 no Parlamento e foi realizado em 2007.

Após a descriminalização do aborto, e com Pedro Passos Coelho no poder, em 2015, Luís Montenegro, o deputado e presidente da bancada parlamentar, surge como o segundo autor do projeto de lei que procedia à alteração legislativa para a “aplicação do pagamento de taxas moderadoras na interrupção de gravidez, quando realizada por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas de gravidez”.

Maioria aprova alterações à lei do aborto. “Vergonha!”, ouviu-se das bancadas

Foi por mão da coligação PSD-CDS que também foi aprovada a alteração do estatuto do objetor de consciência, os médicos que até então ficavam fora dos processos das IVG passavam a participar nas consultas de acompanhamento psicológico e social. Passava a ser obrigatório haver um aconselhamento psicológico e social mais rigoroso às mulheres, assim como o fim do registo dos médicos objetores de consciência.

Poucos meses depois, a 18 de dezembro de 2015, a Assembleia da República aprovou, em votação final global, a revogação à lei da interrupção voluntária da gravidez (IVG) que tinha introduzido taxas moderadoras e a obrigatoriedade das mulheres irem a consultas com um psicológico e um técnico social. A votação foi clara, toda a bancada parlamentar do PSD, então liderada por Montenegro, votou contra a revogação, com exceção da deputada Paula Teixeira Da Cruz.

CERTO

Em 2022 as sondagens davam a vitória ao PSD na última semana da campanha?

Há dois anos as sondagens davam a vitória ao PSD mesmo na última semana de campanha, mas o PS teve maioria absoluta”

Luísa Salgueiro (PS), presidente da Câmara de Matosinhos e da Associação Nacional dos Municípios Portugueses

Pedro Nuno Santos arrancou a campanha a Norte, antes de se dirigir às ilhas, e foi lá que Luísa Salgueiro, presidente da autarquia de Matosinhos aqueceu o almoço-comício a recordar que se vivem “dias decisivos”. “São propícios a algum nervosismo, mas as pessoas não se esquecem. Há dois anos, as sondagens davam a vitória ao PSD, mesmo na última semana de campanha, mas o PS teve maioria absoluta”, afirmou.

Recuemos até às sondagens de janeiro de 2022, tendo como ponto de partida o início da campanha eleitoral só duas sondagens apontam para a vitória do PSD. Ao final da primeira semana de campanha, o partido então liderado por Rui Rio protagonizou uma viragem na sondagem diária CNN/TVI, passando a ser o partido que reunia mais intenções de voto, 34,5%. Estava um ponto percentual acima de António Costa na sondagem divulgada a 22 de janeiro. Depois disso, a 24 de janeiro, uma sondagem do DN/JN/TSF divulgava que Rio (34,4%) ultrapassava Costa (33.8) pela primeira vez nas intenções de voto, separavam-nos o,6% das intenções de voto.

De resto, todas as sondagens realizadas durante a última semana de campanha, referida por Luísa Salgueiro, davam a vitória ao PS ou mostravam cenários de empate técnico, mas nenhuma a vitória do PSD. A dois dias das eleições, a sondagem da Pitagórica para a CNN Portugal e para a TVI mostrava que o PS ganharia as Legislativas de 2022 com 36,6% dos votos, elegendo 98 a 113 deputados. No entanto, o PSD reúne 32,9% das intenções de voto, o que quer dizer uma eleição de 82 a 100 deputados. Tal significava um cenário de empate técnico — estavam separados por 3,7 pontos percentuais. No dia 30 de janeiro, o PS venceu com maioria absoluta.

Assim, mesmo que tenham existido duas sondagens a dar a vitória ao PSD em 2022, a maioria e, acima de tudo, as que foram divulgadas na última semana da campanha davam a vitória ao PS e, no máximo, a possibilidade de um empate técnico entre os dois maiores partidos. Não eram, assim, inequívocas a prever a vitória social-democrata.

ENGANADOR

“Não” venceu no referendo ao aborto de 1998 como recordou Núncio?

A única forma de revertemos [a lei do aborto] passará por um novo referendo para conseguirmos ganhar como ganhámos em 1998″

Paulo Núncio, dirigente do CDS e candidato da AD por Lisboa

Abriu o terceiro dia da campanha, mas depressa passou para segundo plano com o ataque de tinta por um ativista a Luís Montenegro. Paulo Núncio, dirigente do CDS e candidato da AD por Lisboa quer “convocar um novo referendo no sentido de reverter” a legalização do aborto. Garante que para “ganhar como ganhámos em 1998”, referindo-se ao “Não”, seria preciso realizar um novo referendo em que o não vencesse.

O primeiro referendo sobre a legalização do aborto foi realizado em junho de 1998. O seu resultado não foi vinculativo, já que votaram menos de 32% dos eleitores — 68,1% da população absteve-se de ir às urnas, ganhando então o “Não”, mas como com uma margem mínima, sendo que 1.308.130 votaram “Sim” e 1.356.754 votaram “Não”.

Só oito anos depois, em 2006, no governo de José Sócrates, foi convocado um novo referendo, que acabou por se realizar em fevereiro de 2007. Desta vez o “sim” venceu, com 59,25% dos eleitores a optarem pela legalização da IVG. A taxa de participação subiu para os 43,61%. Assim, o resultado deste referendo também não foi vinculativo, embora a participação fosse maior, não chegava aos 50% do voto do eleitorado exigidos pela Constituição. A Assembleia da República ficou, assim, com liberdade para alterar a legislação, o que viria a ser feito pela Lei nº 16/2007 de 17 de Abril.

Paulo Núncio diz a verdade quando refere que, em 1998, quando foi lançado o primeiro referendo ao aborto, a resposta que venceu foi o “Não”. É factualmente correto. No entanto, tal aconteceu com uma margem mínima em relação ao referendo de 2007, que foi posterior.

CERTO

Portugal é mesmo um dos países mais seguros do mundo?

Revela uma ignorância muito grande em relação aos dados no terreno, indesculpável para um ex-primeiro-ministro (…) Somos dos países mais seguros do mundo”

Rui Tavares, co-porta-voz do Livre

No segundo dia de campanha, Rui Tavares esteve em Matosinhos a visitar centros de investigação e tecnologia e foi a partir destas instalações que rejeitou a propagação de uma cultura de “medo da imigração”, assinalando que no CEiiA, onde falava, estavam “turcos a trabalhar com portugueses para lançar satélites portugueses”.

A associação de um clima de insegurança ao aumento da imigração é, para o porta-voz do Livre uma revelação de “ignorância muito grande em relação aos dados no terreno”, que considera até “indesculpável para um ex-primeiro-ministro, referindo-se a Pedro Passos Coelho e às declarações que fizera na véspera. Concluiu que “Portugal é dos países mais seguros do mundo” e até afirmou que “é mais fácil encontrar gente com cadastro, suspeita de crimes, alguns deles violentos, nas listas de certos partidos políticos nestas eleições do que entre os imigrantes”.

Existem dados que comprovem que Portugal é, de facto, dos países com índices de segurança mais elevados? De acordo com a edição de 2023 do “Global Peace Index“, Portugal está na sétima posição enquanto um dos países mais seguros do mundo. O estudo abrange 163 países, compreendendo 99,7%
da população mundial, considerando três indicadores: o nível de Segurança e Proteção da Sociedade; a extensão dos conflitos internos e internacionais em curso e o grau de militarização do país.

Assim, é correto afirmar-se que Portugal é, de facto, um dos países mais seguros do mundo, ocupando a sétima posição de um conjunto de mais de 160 países. A título de comparação, a Islândia ocupa o primeiro lugar do ranking, sendo considerada o país mais seguro do mundo. França situa-se na 67ª posição da lista de países ao nível.

Da mesma forma, olhando para o Relatório de Segurança Interna 2022, no último dia desse ano, mantia-se estável a relação entre reclusos estrangeiros (15,3%) e portugueses (84,7%), tendo o valor relativo dos reclusos estrangeiros caído 3,8% na última década.

CERTO