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IGOR MARTINS/OBSERVADOR

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Em São João da Pesqueira ninguém sabe como o ADN cresceu, mas há muitas teorias. "Bruno quê? Fialho? Olhe, não sei, nunca ouvi falar"

ADN disparou em relação às últimas eleições e São João da Pesqueira teve um dos resultados mais expressivos. Houve enganos e moradores acreditam que crescimento do partido não se traduz em convicção.

“Já fui votar e foi rápido. Então, a AD estava logo em primeiro”

Não estava. A Aliança Democrática (AD) só aparecia no boletim de voto do círculo eleitoral de Viseu em 12.º lugar. O primeiro partido era mesmo a Alternativa Democrática Nacional (ADN). “A pessoa ainda deve estar a pensar que votou na AD, porque a gente ouviu, mas não disse nada”, conta Mário Sousa, à saída do Café Central, o único café da freguesia de Nagozelo do Douro, que pertence a São João da Pesqueira.

Nesta aldeia, onde moram pouco mais de 300 pessoas, já se prepara a Páscoa e o padre já é requisitado pelos membros da Fábrica da Igreja para começar a organizar a celebração. Mas ainda não passaram 24 horas desde que foram conhecidos os resultados das eleições e, por isso, há outro tema dentro e fora do café, onde se juntam os moradores depois do trabalho. O ADN — cujo líder, Bruno Fialho, é assumidamente contra o aborto, anti-imigração, contra a “ideologia de género” e nega alterações climáticas e a existência da pandemia — teve 12 votos, o que traduz numa percentagem de 5,2%.

E, numa terra que faz parte do território conhecido como cavaquistão – pelo histórico voto no PSD –, esta é a primeira vez que o ADN consegue votos. Mais: o PS conseguiu a vitória nesta aldeia com 72 votos, apenas mais nove do que o partido liderado por Luís Montenegro, que teve 63 votos. A diferença de votos entre “o partido da mão fechada” e o “partido da chaminé” – distinção repetida em Nagozelo do Douro –, é, por isso, menor do que o total conseguido pelo ADN.

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Mas Mário Sousa, à beira dos 61 anos e já com “muitos, muitos anos” de experiência nas mesas de voto, acha que nunca se vai saber quem votou no ADN, nem quais os motivos. Conhece apenas um caso, que lhe foi parar às mãos por acaso, em conversa de café. “Nós não conhecemos. Mas há duas coisas que ninguém vai confessar, porque toda a gente se conhece: ninguém vai admitir que se enganou e ninguém vai dizer que votou no ADN”, admite.

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[Já saiu o terceiro episódio de “Operação Papagaio” , o novo podcast plus do Observador com o plano mais louco para derrubar Salazar e que esteve escondido nos arquivos da PIDE 64 anos. Pode ouvir o primeiro episódio aqui e o segundo episódio aqui]

Há, no entanto, um terceiro ponto e está precisamente relacionado com o exemplo de engano que Mário relatou. Quem dá o alerta é Paulo Matias, que entre conversa de balcão vai dizendo que “se calhar nem nunca vão saber que votaram mal”. “12 votos naquele partido? Não. É impossível. No Chega, nós já sabemos quem é que vota, sabemos quem são. No Tino de Rans, a malta vota nele, porque andou aqui a assentar calçada [conseguiu 13 votos]. Mas ADN não, nem conhecia este partido, nunca ouvi falar”, acrescenta.

“12 votos naquele partido? Não. É impossível. No Chega, nós já sabemos quem é que vota, sabemos quem são. No Tino de Rans, a malta vota nele, porque andou aqui a assentar calçada [conseguiu 13 votos]. Mas ADN não, nem conhecia este partido, nunca ouvi falar”
Paulo Matias, morador de Nagozelo do Douro

Só quando viu o boletim de voto é que Paulo Matias percebeu que existia um partido cujas primeiras duas letras eram compatíveis com a sua intenção de voto. “Ia acontecendo, porque estava logo no início, mas não errei”, sublinha, para tirar as dúvidas.

“Mas se as pessoas se enganam, podem pedir outro boletim ao presidente da mesa de voto. Riscam aquele e pedem outro”, volta a explicar Mário Sousa. E quase automaticamente se ouve uma voz entre as mais de dez pessoas que estão dentro do Café Central: “Está bem, mas se a pessoa não sabe…”

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Nesta aldeia, durante o dia das eleições que deram a vitória à AD, nenhum eleitor pediu para repetir o voto. “Ninguém manifestou essa intenção e ninguém manifestou que tenha votado nesse partido”, explica Kátia Reis, tesoureira da junta de freguesia de Nagozelo do Douro. À chegada ao largo que junta a igreja com o café, a trabalhadora de 28 anos, à semelhança de quem ali vive, disse ao Observador não conhecer ninguém que quisesse, de facto, votar no partido liderado por Bruno Fialho. “Não conhecemos ninguém desse partido. Podia haver um familiar de alguém, por exemplo, mas não. Nada. Olhe, por exemplo, o Bloco [de Esquerda] teve seis votos e nós sabemos quem são”, acrescenta, enquanto confirmava, mais uma vez, os resultados no telemóvel.

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Dentro e fora do café que acaba por ser o centro da aldeia e o único lugar onde as vozes se sobrepõem, a desconfiança é a mesma e passa pelo engano. “Pode ser, pode ser engano, mas as pessoas nem tiveram noção. São pessoas mais velhas, que votam PSD e confundiram. Antes diziam para votar na chaminé e podem ter confundido”, vai dizendo Kátia Reis. No entanto, tem algumas dificuldades em entender: “Eu nunca confundi PS e PSD e a diferença também é só uma letra”.

Certo é que nesta freguesia, ainda que pequena, o ADN teve uma elevada percentagem de votos. E conseguiu votos em todas as freguesias do concelho de São João da Pesqueira. Em Vale de Figueira, por exemplo, conseguiu mesmo chegar aos 8,1%, com 17 votos, com a AD em primeiro lugar. Foi neste concelho que o ADN teve o resultado mais expressivo, mas o panorama dos votos replicou-se a nível nacional. Aliás, o partido passou de 10 mil eleitores nas últimas eleições para mais de 100 mil – dez vezes mais –, um resultado que lhe dá direito à subvenção partidária, que poderá chegar aos 390 mil euros. Além disso, como o Observador noticiou ontem, para perceber o efeito que um suposto engano terá tido para a AD, se se tiver em conta o aumento do ADN face às eleições de 2022 o mesmo seria suficiente para que a Aliança Democrática alcançasse mais três mandatos. A eventual perda de deputados registou-se em Lisboa, Coimbra e Viseu.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre a eventual confusão de alguns eleitores entre ADN e AD.

O ADN tirou deputados à AD?

“Bruno quê? Fialho? Olhe, não sei, nunca ouvi falar”

A menos de 10 minutos da aldeia de Nagozelo do Douro, na vila de São João da Pesqueira, começam a aparecer os primeiros sinais da campanha eleitoral neste concelho, com os típicos apelos à CDU nos postes e com um cartaz gigante do Chega, cuja cara de André Ventura se vê a partir da principal avenida. Aqui, os votos no ADN subiram para 50 e este partido só teve menos um voto do que a Iniciativa Liberal. De resto, a AD conseguiu 427 votos, bem acima do PS, que ficou pelos 332, e do Chega, que teve 278 votos.

Mas estes 50 votos permanecem uma incógnita para os moradores. Apesar de esta ser uma vila maior, com mais de 2.200 habitantes, todos são conhecidos uns dos outros, sobretudo daqueles que se juntam no café ‘Ponto de Encontro’. E também quem ali trabalha e conhece bem a população diz não saber explicar o que se passou este domingo. Luís Lopes é um desses exemplos. “Sou leitor dos consumos da água, sou funcionário público, ando sempre a dar as minhas voltas, falo com as pessoas todas e não conheço ninguém que tenha votado nesse partido”, explica Luís Lopes, 64 anos, acreditando que “só pode ter sido engano”.

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“Bruno quê? Fialho? Olhe, não sei, nunca ouvi falar. Eu desconhecia. Quando vi no boletim é que percebi”, vai acrescentando, enquanto procura no homem que o acompanha à mesa do café alguma resposta. “Conhece alguém?”, pergunta Luís Lopes. Mas a resposta é sempre negativa.

O café está cheio, mas ninguém conhece nenhum dos 50 eleitores de Bruno Fialho. Nem mesmo o partido, fazendo sempre questão de se referir ao ADN como “o partido” ou “esse partido”. Nunca viram por ali um panfleto, sequer. Aliás, os únicos partidos que passaram por São João da Pesqueira durante a campanha eleitoral, relata quem ali passa os dias, foi a AD, o Chega e o PS – com este último “a dar umas canetas”. “Campanha [do ADN]? Nada, nada”, confirma Luís Lopes, acrescentando que “comunistas há, do Bloco também” e que sabe quem são.

Os moradores apontam o dedo à ordem dos partidos no boletim de voto, que é, de resto, diferente em cada círculo eleitoral. No entanto, esta ordem é aleatória, uma vez que é o resultado de um sorteio feito pelos tribunais das listas apresentadas em cada círculo eleitoral. Além disso, apesar de existirem 18 forças políticas, nem todos os boletins de voto tinham todos os partidos representados. O boletim para o círculo eleitoral de Viseu tinha apenas 14 partidos, faltando, por exemplo, partidos que nunca conseguiram eleger nenhum deputado, como o Juntos Pelo Povo, o MRPP, o MAS e o Partido Trabalhista Português.

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Mas apontam, apesar da desconfiança de existirem votos por engano e não por convicção, menos o dedo à escolha dos nomes ADN e AD. O partido de Luís Montenegro ainda pediu à Comissão Nacional de Eleições (CNE) para esclarecer que AD não era o equivalente ao ADN, mas no dia das eleições, o porta-voz da CNE, Fernando Anastácio, disse que esse era “um debate fora do tempo”, já que esta era uma questão que deveria ser tratada com o Tribunal Constitucional, onde foi entregue o pedido para formar a AD – o ADN já constava nos boletins de voto das últimas eleições legislativas, em 2022. “Tanto o registo como a produção do boletim de voto cumpre rigorosamente o que está registado no Tribunal Constitucional. Matérias de possíveis confusões ou não teriam tido todo o tempo necessário para serem tratadas há muito tempo”, disse Fernando Anastácio.

Há, no entanto, relatos pelos vários cantos desta vila que descrevem aquilo que, pelo menos, um eleitor fez quando exerceu o seu direito de voto. Dando conta do erro ainda no momento do voto, após fazer uma cruz no quadrado correspondente ao ADN, “fez um círculo nesse e voltou a meter a cruz na AD, que era o que queria“. “Mas é nulo”, acrescenta ao Observador um comerciante que não quis ser identificado.

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Tendencialmente PSD, a freguesia de São João da Pesqueira tinha virado para o PS, contribuindo para a maioria de António Costa, mas “as pessoas já estavam fartas”, vai-se ouvindo pelos cantos. E há ainda quem desconfie de enganos, garantindo que este pode ser mesmo um voto de protesto. “Não, não são votos por engano, isto é voto em silêncio. É voto de protesto, não vai só para o Chega. As pessoas estão descontentes com o voto no PS. Não é nada disso de enganos”, defende Adriano Rodrigues, ainda que sozinho, sem o apoio dos amigos que preferem concentrar-se no jogo de dominó.

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