“Quando o mar bate na rocha, quem se lixa é o mexilhão”
(Provérbio popular)

A boa notícia: passámos o pico, que a fazer fé nos dados oficiais (e já agora nas contas do meu amigo, eng. Fernando Batista) terá ocorrido dia 30 de Janeiro. Uma data curiosa, uma vez que o inverno passado atingimos o pico no mesmíssimo dia. Mera coincidência? Talvez não: há muito que para quem tem acompanhado as curvas de diferentes países europeus e apesar das disparidades de medidas implementadas, era evidente que estas eram sincrónicas e similares.

Por cá, o ano passado, abraçámos a teoria do Natal e a valia do confinamento como achatador da curva. Então e este ano? É certo que desde o início o principal enfoque esteve sempre nos contactos. O que parece de todo lógico: sem eles não há transmissão. Todavia, há muita coisa lógica sem aderência à realidade. Então mas se os dados da Google mostraram decréscimos de atividade na ordem dos 80%, como é que isso não se traduziria em reduções de transmissibilidade da mesma ordem de grandeza? Socorro-me de um exemplo numa outra área: há pouco mais de quatro anos, num Prós-e-Contras sobre incêndios, o então Secretário de Estado Jorge Gomes referia a eficácia de 99% no ataque inicial e questionava se não era esse número sinónimo de um bom desempenho. O prof. José Miguel Cardoso Pereira explicou-lhe porque não era: 1% dos fogos é responsável por mais de 90% da área ardida, dos custos, da destruição. Os 100% seriam eficazes? Claro. Mas são impossíveis. No caso da Covid, não morriam alguns da doença, morreríamos todos da cura.

Eu sei bem que entre nós a avaliação de medidas implementadas (em qualquer área da governação) não são prática corrente. Não obstante, e uma vez que a pandemia foi global, amiúde o impacto destas medidas tem sido estudado, e vão aparecendo sugestões surpreendentes, caso do trabalho de Herby, Jonung e Hanke, publicado há uns dias, que conclui por efeitos tão mínimos que negligenciáveis.

Mas se na eficácia a achatar a curva, há muito que pensar sobre se as nossas certezas são assim tão certas, numa outra vertente não há qualquer dúvida: causaram prejuízos socioeconómicos brutais. Foram os alunos que viram as escolas fechadas, os idosos em lares que perderam as suas visitas, os turistas a terem fronteiras fechadas, as empresas a parar a produção, os donos de restaurantes, hotéis e grande parte do comércio a fecharem as portas, os trabalhadores que ficaram sem emprego… Todos eles, neste trambolhão económico do qual ainda não recuperámos totalmente, foram, uns mais que outros, lesados, não pela Covid mas sim pelas medidas sanitárias impostas.

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Se tais medidas encontraram justificação na proteção da saúde de todos, já os monumentais esforços individuais de alguns em nome do bem comum não parecem ter sido objeto da justa compensação pelos beneficiários, isto é, por todos os outros. A autoestrada até pode dar muito jeito à povoação, e não seria o lesado que via a casa arrasada para ela passar que a ia impedir, contudo não passaria pela cabeça de ninguém que a casa fosse abaixo sem a justa compensação pela submissão ao interesse coletivo. Daí a criação europeia do Plano de Recuperação e Resiliência, “destinado a ajudar a reparar os danos”. A famosa bazuca!

Ora por falar em bazuca, saíram os números do recente balanço da estrutura de missão Recuperar Portugal: em 2021, o PRR aprovou 3520 milhões, dos quais a fatia de leão, 99%, foi para entidades públicas, sobrando para as empresas pouco mais que migalhas.

Em vez de pagar as casas destruídas pela autoestrada aos lesados, gastam-se as verbas a ajardinar as bermas? Queremos recuperar o país ou o Estado? A continuar assim, transformamos lesados em lixados.