Os portugueses não confiam na competência dos seus eleitos; têm má opinião sobre as escolhas de investimento feitas no passado; são desconfiados quanto à transparência dos procedimentos públicos e não acreditam nem no Estado, nem nas empresas, como entidades fiáveis. O fundo europeu para a reconstrução, assemelha-se assim, a um dinheiro que faz comichão.

E a prova disso, é constatarmos que o país se comporta como um casal a quem saiu o Euromilhões. Não sabe bem o que fazer, percebendo apenas uma coisa: tem de evitar que os filhos, sobrinhos e amigos do costume, lhes estoirem o dinheiro em inutilidades, pois uma oportunidade destas, só há uma vez na vida.

Talvez por isso, o Conselho Europeu decidiu dar um ajuda, não solicitada, a todos os premiados e chamar a si o direito de vigiar a prodigalidade dos gastos.

Mas aprovadas ou reprovadas, as propostas de investimento têm de vir de Portugal. Uma pergunta que surge naturalmente, é a de saber onde estão os empresários portugueses, onde está a sua opinião e onde estão as suas propostas, face a uma situação critica que já dura há largos meses e vai permanecer vários anos. Como meros exemplos: Está assumido pelo Governo, que o país deve aproveitar o fundo de reconstrução para se reindustrializar (se é que alguma vez foi “industrializado “). Qual a opinião dos empresários portugueses sobre isso? Concordam que sejam os técnicos das instituições públicas – a maior parte dos quais nunca pôs os pés numa empresa – a decidir aquilo em que é possível e necessário investir com rentabilidade e retorno?

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Quais os sectores, em que actividades, com que mão de obra, com que competências? Vamos também perguntar isso a Bruxelas?

Com o susto mundial que ainda se está a viver e bastante longe de suavizar, quanto mais terminar, a aposta no turismo como motor da economia e do emprego, afigura-se uma utopia que faria inveja a Thomas Morus. Os empresários, através das suas instituições corporativas, já emitiram alguma opinião sobre isto?

Têm os empresários portugueses alguma ideia, como poderemos ser competitivos, sem o recurso sistemático aos baixos salários e à precaridade?  Têm um plano de “troca” de uma melhoria generalizada de salários, por uma proporcional melhoria de produtividade, dentro do mesmo horário de trabalho? Mas os métodos e a gestão da produção, não é tarefa dos trabalhadores. Isso é com os empresários. Onde estão essas propostas?

Temos condições de competitividade, a fabricar produtos acabados, para além do vestuário, do calçado e da Autoeuropa, que por acaso até nem é portuguesa?

Ou vamos apenas apostar de novo quase só nas infraestruturas, agora ferroviárias e portuárias, sem existirem estudos credíveis e consensuais, sobre se uma vez construídas, essas infraestruturas têm clientes? Ou inventam-se números miríficos de utilizadores, como se fez com a rede de concessões de autoestradas, pagando o Estado ao concessionário o preço da portagem de viaturas que não aparecem por lá, de certo só para chatear quem planeou tão fantásticos contratos?

A questão que está em cima da mesa, como se costuma dizer, é muito simples. Se estamos numa economia de mercado – nem doutro modo poderíamos pertencer à UE – têm de ser os empresários a propor as escolhas que lhes permita garantir o desenvolvimento económico no interesse geral, do qual eles são uma parte importante, mas não a única. Se é cada um por si, não justifica sermos um país independente. Ao Estado cabe traçar orientações gerais, regular e fiscalizar. Já agora, cabe ao Estado assegurar que não é enganado, tarefa na qual, tem obtido resultados simplesmente medíocres.

Se a ideia – a falta de ideias é um modo indirecto de o confirmar – é aproveitar ao máximo as oportunidades deste fluxo financeiro, seja no que for , desde que nos ocupe e dê lucro, se possível no  melhor dos mundos, com muitos projectos que garantam rendas, favores avulsos,  benefícios fiscais e afastem a concorrência, então continuaremos a ser o Vasco Leitão da Canção de Lisboa , estudante cábula, que vivia do dinheiro das tias solteironas da província, porque não queria aprender o que é o esternocleidomastóideo.

A não ser que se acredite em milagres e de facto Portugal tem nisso uma tradição de sucesso – desde a batalha de Ourique em 1139 até ao golo de Éder em 2016 vão 8 séculos de milagres – a União Europeia terá de continuar a ser uma eterna tia.