A queda de Mario Draghi é claramente a última vitória da guerra de Putin contra as democracias ocidentais que são, na realidade, o seu maior inimigo. A guerra na Ucrânia é apenas um teatro secundário daquilo que se joga à escala mundial que é um grande confronto entre regimes democráticos e autocráticos. Nas últimas semanas assistimos ao alinhamento do Irão, que muito afastado está dos valores democráticos e sobretudo do modo de vida ocidental, com Vladimir Putin. Se atentarmos à posição da Índia, da China e de vários países africanos, vemos que Putin está a ganhar a guerra diplomática, mesmo não tendo tido ultimamente grandes progressos territoriais na guerra. Por mais que nos custe aceitar é fácil compreender que a esmagadora maioria da população mundial está do lado de Putin.

A inflação, a guerra, a subida das taxas de juro, e as possíveis irregularidades, para não dizer cortes, de fornecimento de gás por parte da Rússia no próximo inverno, têm efeitos cada vez maiores nas democracia liberais ocidentais. Pela simples razão que nestas a liberdade de expressão, de opinião, de associação, de greve, existe. O descontentamento provocado quer pelas condições económicas agravadas (só agora as subidas das taxas de juro se começarão a fazer sentir nas famílias e empresas) quer pela guerra, geram uma instabilidade social e crises políticas, como a que estamos a assistir agora em Itália. Tal não acontece nos regimes autoritários em que este descontentamento, no curto prazo, é reprimido e suprimido. A aposta de Putin é que haja uma erosão da unidade ocidental e que casos como os de Itália proliferem. Ainda agora a proposta da Comissão Europeia de redução de consumo de gás de 15%, para proteger de eventual corte de gás da Rússia, dividiu os países da União Europeia. A China, vai observando o que se passa na Ucrânia com um olho em Taiwan. O que vier a ser o resultado desta guerra não deixará de ser lido por Pequim. E é também por isso que quer os ucranianos, por causa dos seus vizinhos russos, quer sobretudo as democracias ocidentais, por causa de todos os regimes autocráticos com quem implicitamente competem, não têm outra solução que seja manter a resistência e as sanções esperando que o regime russo soçobre. O inverno aproxima-se, e a questão energética manter-se-á no topo da agenda e será crítica. A inflação, trouxe como resposta tardia por parte do BCE a subida acentuada das taxas de juro, que parece ter sido a moeda de troca que os países “frugais” e falcões na politica monetária (Alemanha, Holanda,..) exigiram para que os países “pombas” e com elevadas dívidas (Itália, Grécia, Portugal…) pudessem ter o novo “mecanismo de proteção de transmissão” da politica monetária. Este novo mecanismo pretende evitar que os diferenciais entre os juros dos títulos da dívida dos países mais endividados e os alemães sejam excessivos. No fundo trata-se de evitar a fragmentação da zona euro como aconteceu em 2011 e que levou países como a Grécia e Portugal a resgates por não se conseguirem financiar nos mercados. Agora, na linha da frente está a Itália, que com esta crise, vai ter certamente, e já está a ter, reflexos nas suas condições de financiamento. Entrámos numa nova era de atuação do BCE, que ainda não sabemos muito bem como se processará. O que são spreads “excessivos” em relação aos diferenciais nos fundamentais de duas economias? A única coisa que sabemos é que a atuação do BCE será mais discricionária e mais política. Não sabemos ainda se passará o crivo do Tribunal Constitucional alemão. Obviamente que Portugal beneficia da existência deste novo instrumento, mesmo que nunca viesse a ser utilizado. A Itália beneficiará bastante mais, porque como temos aprendido na história da União Europeia, o tratamento dado aos grandes países é bastante mais benéfico do que o dado aos pequenos ou médios como Portugal.

Em relação ao grande desfecho da crise em que estamos imersos é cedo para fazer prognósticos. As decisões a tomar pelas democracias europeias (as sanções, a redução do consumo de gás, o novo mecanismo de transmissão), exigem morosos e difíceis diálogos e consensos. Às autocracias basta a decisão do chefe, ou líder supremo, e o medo dos seus súbditos. É uma competição desigual que mostra as vulnerabilidades das democracias face aos regimes autoritários, mas que temos a obrigação e a responsabilidade de vencer.

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